«A limusine saiu lentamente através dos portões da embaixada, comprida, polida, e tão negra como uma baleia, fazendo uma pausa breve, antes de seguir para entrar no tráfego. Dois motociclistas da polícia tomaram suas posições à frente dela, dois atrás. Por uma centena de metros o comboio continuou em frente, árvores e edifícios deslizando de ambos os lados, depois dobrou à direita e novamente à direita, para o Corniche el-Nil. Outros motoristas lançavam olhares, tentando ver quem se encontrava no interior do veículo, porém os vidros das janelas eram escuros demais e impediam que enxergassem qualquer coisa do seu interior, excepto silhuetas borradas de duas cabeças humanas. Uma bandeirola americana tremulava na extremidade da sua lateral, na esquerda dianteira. Após um quilómetro, o comboio chegou a uma confusa confluência de estradas e viadutos. O líder dos motociclistas diminuiu a marcha, ligou a sirene e seguiu adiante, guiando a limusine com todo cuidado pelo labirinto pavimentado e subindo a seguir uma auto-estrada elevada onde o trânsito não era tão intenso. O comboio ganhou velocidade, acompanhando as placas para o aeroporto. Os motociclistas na traseira inclinaram-se um pouco à frente, aproximando-se, e iniciaram uma conversa. O deslocamento de ar foi repentino, e tão abafado que não se tornou evidente, de imediato, que ocorrera uma explosão. Houve primeiro um rumor seco e surdo, e a limusine foi projectada no ar, dando uma guinada que a fez atravessar a faixa central da auto-estrada, colidindo contra uma parede de concreto. Foi somente quando uma nova explosão, mais alta agora, fez estremecer o veículo já avariado, e um jacto de fogo subiu do seu fundo, que ficou claro que não fora apenas um acidente de estrada. Os guardas pararam bruscamente, fazendo as motas derraparem. A porta da frente da limusine escancarou-se e o motorista jogou-se para fora, gritando, com seu casaco em chamas. Dois dos motociclistas jogaram suas jaquetas sobre ele, abafando o fogo; os demais tentaram alcançar as portas traseiras do carro. Mãos frenéticas davam murros na lataria do interior da limusine, enquanto uma mortalha de fumaça negra a envolvia e já se erguia do veículo para o céu. O ar tornou-se carregado do cheiro acre da gasolina e da borracha queimadas. Os carros reduziram a marcha e pararam, seus motoristas estupidificados. Na dianteira da limusine, a bandeira americana em chamas rapidamente reduziu-se a cinzas.
Pu… que pariu! O motorista soltou
um berro de alegria quando seu Toyota com tracção nas quatro rodas projectou-se
do topo da duna e decolou, suspenso no ar como um desajeitado pássaro branco,
antes de bater com um baque surdo no solo, do outro lado. Por um momento
pareceu que ele fosse perder a direcção, o veículo deslizando para baixo num
ângulo perigoso, mas ele conseguiu controlá-lo e, alcançando o fundo do
declive, apertou o pé no acelerador novamente, ganhando impulso e logo alcançando
o topo da duna seguinte. Pu… que pariu, por…, car…!, ele berrou. E continuou
berrando por mais vinte minutos, a música altíssima saindo do estéreo do jipe,
seus cabelos louros açoitados pelo vento, até que travou derrapando junto a uma
barreira de areia bastante alta e desligou o motor do carro. Deu uma tragada no
seu baseado, sacou seus binóculos e saltou, as botinas triturando ruidosamente
a areia. O deserto estava sinistramente silencioso, o calor tornava o ar mais
espesso. A palidez do céu parecia fazer pressão sobre a paisagem em volta. Ele
ficou observando por alguns instantes a desordenada colagem das dunas e fossos
de cascalho que se espalhava ao seu redor, um cenário estranhamente fora do
mundo, privado de vida e movimento, e então, dando mais uma tragada no baseado,
elevou os binóculos e focalizou-os em direcção noroeste.
Uma escarpa em formato de lua
crescente de pedra calcária atravessava a sua linha de visão, com a mancha de
um oásis verde-escuro traçada ao fundo. Minúsculas vilas esbranquiçadas
distribuíam-se entre bosques de palmeira e lagos salgados, e uma mancha branca
maior no extremo oeste da paisagem marcava uma pequena cidade. Siwa, sorriu o
homem, exalando um anel de fumaça pelas narinas. Graças a Deus. Ele permaneceu
naquele local por alguns minutos, deslocando os binóculos para várias direcções,
e então voltou para o jipe, ligou a ignição, a zoada do seu estéreo ecoando
novamente através das areias. Aos solavancos pelo deserto, rodando numa estrada
de terra batida, alcançou o limiar do oásis uma hora depois. Três antenas de
rádio e uma torre de água de concreto elevavam-se à direita. Um bando de cães
selvagens chegou latindo junto às calotas do veículo. Ei, cães, também estou
contente em ver-vos! Ele riu, tocando a buzina, e começou a fazer o jipe dar
arrancos para a frente e marcha-atrás, levantando nuvens de poeira e forçando
os cães a se dispersarem». In Paul Sussman, O Exército Perdido, 2005, Bertrand Editora,
2016, ISBN 978-972-253-057-6.
Cortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Paul Sussman, Literatura, Deserto,