Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira.
O
Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte
«(…)
A inspiração artística do prospecto é tomada seguramente maneirista, dentro dos
preceitos civilistas ao italiano
e em fidelidade à tratadística serliana, e remete para conhecimento, por parte
dos seus responsáveis, de bons exemplos de construção aristocrática, tanto
castelhana como transalpina. Apesar de a sua linguagem estilística se conformar
à lição de módulos da arquitectura internacional, como aliás esclarecem as
informações que nos podem ser fornecidas através da contra-prova arquivística,
a cronologia da fachada ainda hoje continua a dividir a opinião dos
historiadores de arte. Tem-se defendido uma cronologia temporã. Considerou o
historiador de arte Rafael Moreira (e, na sua esteira, vários outros autores)
que o duque Teodósio I, tendo sido indigitado como Condestável do Reino em
1535, e ao ter de negociar o casamento de sua irmã dona Isabel com o infante
Duarte, irmão de João III, proveu a ampliação do velho Paço a fim de o tornar
condigno para as festas que se anunciavam. Era um matrimónio prestigiante para
a casa, mesmo descontando os dotes que envolvia em terras e bens, sendo
portanto dessa época, segundo tal tese, a obra da imponente fachada que hoje
admiramos. Ou seja, existiu um esforço de promoção da Casa de Bragança que levou
Teodósio I a erguer um corpo palatino junto às casas velhas (o paço tardogótico do Reguengo), como que
exorcizando a pesada memória de seu pai dom Jaime, o que tornaria Vila Viçosa o
expoente urbanístico italianizado de um Renascimento de mármore. Estaríamos perante um caso ímpar de
arquitectura de patrocínio aristocrático realizada no tempo de João III e de
que o Paço calipolense seria o mais evoluído testemunho.
Essa opinião não é, todavia, consensual e pôde ser
fundamentadamente contestada em estudos recentes, com base documental e no
estudo analítico e comparatista da obra remanescente. As listas de
contabilidade existente e o estudo formal da fachada, assim como a memória
transcontextual que, a partir das fontes da iconografia, pode ser fixada,
apontam para outra realidade. É certo que com as obras realizadas na sequência
das festas de 1537 a fachada que lança para o Terreiro estava parcialmente
erguida, em gosto ao romano,
com dois pisos sobrepostos. Segundo regista uma fonte coetânea, em fim do anno de 1552 em tempo de El-Rey D.
João III tem o terreiro do paço de Villa Viçosa de longo 66 braças e d’ancho 55.
Por outro lado, o autor anónimo que descreveu as
festas de 1537 refere-se à fachada existente como obra esplendorosa com suas janellas lavradas ao modo antigo romano de
bases e capiteis cornigeas e outras obras romanas. Segundo Rafael Moreira, essa
campanha seria da responsabilidade de Benedetto Ravena, um engenheiro militar
de Carlos V que passa em 1535 por Portugal e trabalhará entretanto na fortaleza
de Mazagão.
Ora
sabemos pelos róis das Aposentadorias
e pelas férias de pedreiros de Março de 1565 quais foram precisamente as
obras custeadas pelo duque a seguir a 1537. Após o seu casamento com dona
Beatriz de Lencastre, essas obras de Teodósio I foram avaliadas pelos mestres
pedreiros Domingos Lourenço e Marcos Pina, e desse rol pode apurar-se com
exactidão o tipo de trabalhos que se fez, tanto na fachada como em salas do
paço. Pode, assim, reconstituir-se o pré-existente antes das definitivas
remodelações dos anos de 1580 sob batuta de Nicolau Frias. De facto, com a governação
de Teodósio I fizeram-se as primeiras obras de expansão do corpo palatino para
a ala sul, excluindo-se a parte fundamental dessa ala, a torre central com o portal
de serventia, e o terceiro piso da ala norte; aliás, este último ainda estava
por ultimar à data em que Pier Maria Baldi desenha a fachada do paço, aquando
da visita do grão-duque da Toscana Cosme Médicis em 1669. Pode saber-se, pelas
contas de 1559 a 1563, que o duque iniciou o corpo do Terreiro com uma ala de
dois pisos angulando com o velho paço do Reguengo, prolongando-o mais ou menos
até ao lanço que integra a Sala dos Tudescos, e custeando a decoração
fresquista dos salões e câmaras interiores» In Vitor Serrão, A Fachada do
Paço Ducal de Vila Viçosa, Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira, O
Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte, ARTIS-IHA-FLUL-Instituto
de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Callipole, Revista de Cultura n.º 22, 2015.
Cortesia de Callipole/RCultura/JDACT
JDACT, Vitor Serrrão, Cultura e Conhecimento, Vila Viçosa, Alentejo,