Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira.
O
Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte
«A
candidatura de Vila Viçosa a Património da Humanidade junto das instâncias da
UNESCO tem, entre as suas evidenciadas mais-valias patrimoniais, a força
acrescida de incluír como peça mais aprimorada o conjunto monumental do Paço
dos Duques de Bragança. Entre as suas jóias de referência, a cidade dos
mármores possui um Paço que é não só o maior e o mais importante monumento
português de arquitectura civil do século XVI, como um dos mais expressivos
testemunhos da época maneirista, e desse gosto estilístico, a nível da
Península. Essa é razão de sobra para que um processo de revalorização da
cidade alentejana, como é a candidatura em curso, seja encarado com boas
expectativas. A fachada do Terreiro é de
majestoso poder cenográfico, ainda que nem sempre tal tenha sido reconhecido
pela historiografia que dela se ocupou. Não só a sua cenografia é
grandiloquente, como o prospecto arquitectónico tem vincada erudição, mas tal
nem sempre significou que sobre o edifício se lançasse o olhar analítico que
merecia e impunha. O Paço Ducal, centro importante de vida literária e cultural
que a fez cenário da famosa corte na
aldeia de Rodrigues Lobo, é também mal conhecido no que diz respeito à
génese das suas obras de construção, sendo a arquitectura da grande fachada que
lança para o terreiro frequentemente considerada de época mais antiga: foi
vista como tendo filiação renascentista, fruto das iniciativas do quinto
titular da casa, o duque Teodósio I (1532-1563), e sequaz das linguagens
classicistas do primeiro Renascimento italiano. Veremos que a tese não tem
fundamentação histórico-artística.
É necessário perceber-se, antes
de mais, o que foi construído no Paço de Vila Viçosa durante a segunda metade
do século XVI, bem como o espírito que presidiu, ao mesmo tempo, às decorações
intestinas das casas novas. A documentação abunda, e a leitura das
formas artísticas permite que saibamos melhor o que persistiu das campanhas primevas
iniciadas no tempo do 4º duque Jaime, e o que efectivamente lhe foi
acrescentado, em monumentalidade e extensão, no tempo do sexto duque João I
(1563-1583), fase em que os corpos do terreiro ducal foram concebidos e
começaram a ser erigidos segundo o prospecto que remanesceu até aos nossos
dias. Essa campanha maneirista concluiu a empresa ducal da fachada no tempo do
sétimo duque Teodósio II (1583-1630).
Apura-se, pelo que ainda
felizmente chegou aos nossos dias em termos de documentação arquivística, que
coube ao arquitecto lisboeta Nicolau Frias um papel decisivo nessa
concretização do plano de engrandecimento da Casa Ducal, à medida desejada dos
seus interesses e estratégias políticas. Este arquitecto, ao mesmo tempo
empregue por Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora (1578-1602), na direcção
das obras mais importantes da sua arquidiocese, vai ser essencial na definição
dos valores que a fachada do Terreiro vai assumir, à entrada do último quartel
do século XVI, num discurso nobiliárquico de forte aparato, apto a encantar os
embaixadores e demais visitantes estrangeiros, pródigos em elogios à
magnificência palacial apresentada pela sede da Casa de Bragança.
No término da construção ducal,
em empreitadas teodosinas realizadas entre o final do século XVI e a passagem
para o século XVII, destacar-se-á de seguida outro artista, Pero Vaz Pereira,
educado na cidade de Roma, que será mesmo designado arquitecto e escultor do duque
Teodósio II e que nesse âmbito ultimará o projecto da fachada de Nicolau Frias.
A monumental fachada palatina: estado da questão
O
Paço Ducal de Vila Viçosa, emblemática sede da Casa de Bragança, estima-se,
como se disse, entre os mais notáveis empreendimentos da arquitectura senhorial
do pleno século XVI da Península Ibérica. A esplêndida massa da sua fachada
dispõe-se em triplo andar com vinte e três tramos forrados de mármore, num
longo e grandiloquente prospecto arquitectónico, único no seu tempo se se
exceptuar o destruído Paço Real na Ribeira de Lisboa». In Vitor Serrão, A Fachada do
Paço Ducal de Vila Viçosa, Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira, O
Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte, ARTIS-IHA-FLUL-Instituto
de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Callipole, Revista de Cultura n.º 22, 2015.
Cortesia de Callipole/RCultura/JDACT
JDACT, Vitor Serrrão, Cultura e Conhecimento, Vila Viçosa, Alentejo,