Porto de Cádiz. 7 de Janeiro de 1748
«(…) Por isso tentaram separar-se
das pessoas quando frei Joaquín, da Ordem dos Pregadores, iniciou o seu sermão
a céu aberto diante do que com o tempo seria o portal da futura igreja. Nesse momento,
os piedosos sevilhanos apinhados na esplanada não estavam para sortes ou
tabaco; muitos deles haviam ido a Triana para escutar outra das controvertidas
pregações daquele jovem dominicano, filho de uma época em que a sensatez
tentava abrir caminho entre as trevas da ignorância. Do improvisado púlpito,
fora do templo, ia além das ideias de frei Benito Jerónimo Feijoo; frei
Joaquín, em voz alta, em castelhano e sem utilizar latinadas, censurava os
atávicos preconceitos dos espanhóis e excitava as pessoas defendendo a virtude
do trabalho, mesmo mecânico ou artesanal, contra o mal-entendido conceito de
honra que impelia os espanhóis à folgança e ociosidade; excitava o orgulho nas
mulheres opondo-se à educação conventual e defendendo seu novo papel na
sociedade e na família; afirmava seu direito à educação e à sua legítima aspiração
a um desenvolvimento intelectual em benefício da civilidade do reino. A mulher
já não era uma serva do homem e tampouco podia ser considerada um homem imperfeito.
Não era maligna por natureza! O matrimónio devia fundamentar-se na igualdade e no
respeito. No nosso século, sustentava frei Joaquín citando grandes pensadores,
a alma havia deixado de ter sexo: não era varão nem fêmea. As pessoas se
apinhavam para escutá-lo, e era então, Ana e Milagros o sabiam, que as ciganas
aproveitavam o enlevo das pessoas para furtar de suas bolsas.
Aproximaram-se quanto puderam do
lugar de que frei Joaquín se dirigia à multidão. Acompanhavam-no os pouco mais
de vinte frades pregadores que viviam no convento de São Jacinto. Muitos deles
levantavam, de quando em quando, o rosto para o céu plúmbeo que, por sorte,
resistia a descarregar a água; a chuva teria feito malograr a celebração.
Eu sou a luz do mundo!, gritava frei
Joaquín para fazer-se ouvir. Foi isso o que nos anunciou Nosso Senhor Jesus
Cristo. Ele é nossa luz!, uma luz presente em todas estas velas que portais e que
devem iluminar…
Milagros não ouvia o sermão.
Fixou o olhar no frade, que pouco depois descobriu a mãe e a filha perto dele.
Os vestidos coloridos das ciganas destacavam-se entre a multidão. Frei Joaquín hesitou;
durante um instante suas palavras perderam fluência e seus gestos deixaram de
captar a atenção dos fiéis. Milagros notou que se esforçava para não a olhar,
sem consegui-lo; ao contrário, em algum momento não pôde evitar deter os olhos
nela por um segundo a mais.
Numa dessas ocasiões, a moça lhe
piscou o olho, e frei Joaquín gaguejou; noutra, Milagros lhe mostrou a língua. Menina!,
ralhou com ela sua mãe após dar-lhe uma cotovelada. Ana fez um gesto de
desculpa ao frade. O sermão, como desejava a multidão, alongou-se. Frei Joaquín,
livre do assédio de Milagros, conseguiu brilhar uma vez mais. Quando acabou, os
fiéis acenderam suas velas na fogueira que os frades haviam preparado. As
pessoas se dispersaram, e as duas mulheres voltaram aos seus bicos. Que
pretendias?, inquiriu a mãe. Eu gosto…, respondeu Milagros, fazendo um gesto
faceiro com as mãos, gosto que se engane, que gagueje, que se ruborize. Porquê?
É um padre. A moça pareceu pensar um instante. Não sei, respondeu enquanto dava
de ombros e dedicava uma simpática careta à sua mãe. Frei Joaquín respeita teu
avô e portanto te respeitará a ti, mas não brinques com os homens…, ainda que
sejam religiosos, terminou advertindo-a a mãe». In Ildefonso Falcones,
A Rainha Descalça, 2013, tradução de Rita Custódio e Alex Tarradellas, Bertrand
Editora, Lisboa, 2014, ISBN 978-972-252-815-3.
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