segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Anne Fortier. A Irmandade Perdida. «… a noiva furiosa em Barcelona, sua vergonhosa dispensa do clube de esgrima..., mas mesmo assim escrevi-lhe várias cartas chorosas jurando amor e compreensão e implorando uma resposta»

Cortesia de wikipedia e jdact

Aurora

«(…) Por algum motivo, eu nunca tinha tido muito jeito com homens. Talvez a causa fosse minha própria predilecção por ficar sozinha ou quem sabe, como Rebecca sugerira certa vez (esquecendo por um instante minha paixão infantil por James Moselane), eu tivesse algum defeito genético passado por minha avó que me impedisse de me apaixonar. Sempre que algum relacionamento terminava mal, com lágrimas e palavras ditas para magoar, eu chegava a desconfiar que talvez não gostasse de homens e pronto, e que talvez por isso tivesse na gaveta da escrivaninha um maço cada vez maior de cartas de adeus me acusando de ser uma vaca frígida, embora em termos mais eloquentes, claro.

Instigada por Rebecca, lá de Creta, na ocasião do meu vigésimo sétimo aniversário, cheguei a pensar que talvez o meu problema pudesse ser resolvido simplesmente mudando o foco de homens para mulheres. No entanto, depois de reflectir a respeito por mais ou menos uma semana, tive de concluir que elas despertavam ainda menos meu interesse. A triste conclusão, decidi, devia ser que Diana Morgan estava fadada a ser solitária..., uma daquelas damas de ferro cujo legado, no lugar de netos, consistia em monografias de 3 quilos dedicadas a algum finado professor. Três dias depois disso, Federico Rivera aparecera. Sendo frequentadora antiga do Clube de Esgrima da Universidade de Oxford, eu não me deixava impressionar fácil por homens exibidos, mas percebi na hora que aquele mestre espanhol que viera passar uma temporada em Oxford era outra história. Apesar de não ser bonito no sentido estrito do termo, ele era alto e tinha um físico invejável. E mais: possuía uma energia explosiva absolutamente inebriante. Federico era um perfeccionista não apenas na esgrima, mas também na arte da sedução e, embora eu tenha certeza de que ambos sabíamos desde o início quais seriam as consequências inevitáveis das minhas aulas nocturnas particulares com ele, passou vários meses concentrado nos meus golpes e contragolpes e mais nada..., antes de finalmente me seguir até ao chuveiro e me ensinar o coup d’arrêt sem dizer uma palavra.

Nosso caso durou o Inverno todo e, apesar da sua insistência em que guardássemos segredo, acreditei piamente quando ele disse que eu era o amor da sua vida. Um dia, num futuro próximo, nós contaríamos sobre o nosso relacionamento..., nos casaríamos..., teríamos filhos... Isso nunca foi dito de forma explícita, mas ficou sempre subentendido. E quando ele fugiu de volta para a Espanha da noite para o dia sem nem ao menos se despedir, fiquei tão pasmada e magoada que pensei que nunca mais voltaria a ser feliz. Aí vieram todas as descobertas horríveis: os muitos outros casos dele em Oxford, a noiva furiosa em Barcelona, sua vergonhosa dispensa do clube de esgrima..., mas mesmo assim escrevi-lhe várias cartas chorosas jurando amor e compreensão e implorando uma resposta.

E ele respondeu. Vários meses depois, recebi um envelope gordo enviado de uma academia de esgrima de Madrid contendo todas as minhas cartas, a maioria ainda fechada, e 500 euros. Como ele não me devia dinheiro nenhum, fui forçada a supor que aquele era o seu modo de me remunerar pelos serviços prestados. Fiquei tão irada que levei semanas para entender que mestre Federico Rivera, em toda a sua sabedoria libertina, devia ter-me ofendido de propósito para cauterizar minha ferida e, perfeccionista como era, completar minhas aulas de esgrima com o golpe mais honrado de todos: o de misericórdia.

Embora eu nunca tivesse falado sobre ele com os meus pais, os dois com certeza sabiam que eu já tivera meu quinhão de desilusões amorosas. Na realidade, eu às vezes desconfiava que a obsessão insistente de minha mãe com James Moselane era apenas o seu modo de consolar nós duas. E que consolo maior poderia haver do que imaginar um futuro ideal em que eu morava na propriedade bem ao lado da sua casa, feliz para sempre?» In Anne Fortier, A Irmandade Perdida, 2014, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.

Cortesia de EArqueiro/JDACT

Anne Fortier, JDACT, Literatura,