Aurora
«(…) Por algum motivo, eu nunca
tinha tido muito jeito com homens. Talvez a causa fosse minha própria predilecção
por ficar sozinha ou quem sabe, como Rebecca sugerira certa vez (esquecendo por
um instante minha paixão infantil por James Moselane), eu tivesse algum defeito
genético passado por minha avó que me impedisse de me apaixonar. Sempre que
algum relacionamento terminava mal, com lágrimas e palavras ditas para magoar,
eu chegava a desconfiar que talvez não gostasse de homens e pronto, e que talvez por isso tivesse
na gaveta da escrivaninha um maço cada vez maior de cartas de adeus me acusando
de ser uma vaca frígida, embora em termos mais eloquentes, claro.
Instigada por Rebecca, lá de
Creta, na ocasião do meu vigésimo sétimo aniversário, cheguei a pensar que
talvez o meu problema pudesse ser resolvido simplesmente mudando o foco de
homens para mulheres. No entanto, depois de reflectir a respeito por mais ou
menos uma semana, tive de concluir que elas despertavam ainda menos meu interesse.
A triste conclusão, decidi, devia ser que Diana Morgan estava fadada a ser
solitária..., uma daquelas damas de ferro cujo legado, no lugar de netos,
consistia em monografias de 3 quilos dedicadas a algum finado professor. Três
dias depois disso, Federico Rivera aparecera. Sendo frequentadora antiga do
Clube de Esgrima da Universidade de Oxford, eu não me deixava impressionar fácil
por homens exibidos, mas percebi na hora que aquele mestre espanhol que viera
passar uma temporada em Oxford era outra história. Apesar de não ser bonito no
sentido estrito do termo, ele era alto e tinha um físico invejável. E mais:
possuía uma energia explosiva absolutamente inebriante. Federico era um
perfeccionista não apenas na esgrima, mas também na arte da sedução e, embora
eu tenha certeza de que ambos sabíamos desde o início quais seriam as consequências
inevitáveis das minhas aulas nocturnas particulares com ele, passou vários
meses concentrado nos meus golpes e contragolpes e mais nada..., antes de
finalmente me seguir até ao chuveiro e me ensinar o coup d’arrêt sem dizer uma palavra.
Nosso caso durou o Inverno todo
e, apesar da sua insistência em que guardássemos segredo, acreditei piamente
quando ele disse que eu era o amor da sua vida. Um dia, num futuro próximo, nós
contaríamos sobre o nosso relacionamento..., nos casaríamos..., teríamos
filhos... Isso nunca foi dito de forma explícita, mas ficou sempre
subentendido. E quando ele fugiu de volta para a Espanha da noite para o dia
sem nem ao menos se despedir, fiquei tão pasmada e magoada que pensei que nunca
mais voltaria a ser feliz. Aí vieram todas as descobertas horríveis: os muitos
outros casos dele em Oxford, a noiva furiosa em Barcelona, sua vergonhosa
dispensa do clube de esgrima..., mas mesmo assim escrevi-lhe várias cartas
chorosas jurando amor e compreensão e implorando uma resposta.
E ele respondeu. Vários meses
depois, recebi um envelope gordo enviado de uma academia de esgrima de Madrid
contendo todas as minhas cartas, a maioria ainda fechada, e 500 euros. Como ele
não me devia dinheiro nenhum, fui forçada a supor que aquele era o seu modo de
me remunerar pelos serviços prestados. Fiquei tão irada que levei semanas para
entender que mestre Federico Rivera, em toda a sua sabedoria libertina, devia
ter-me ofendido de propósito para cauterizar minha ferida e, perfeccionista
como era, completar minhas aulas de esgrima com o golpe mais honrado de todos:
o de misericórdia.
Embora
eu nunca tivesse falado sobre ele com os meus pais, os dois com certeza sabiam
que eu já tivera meu quinhão de desilusões amorosas. Na realidade, eu às vezes
desconfiava que a obsessão insistente de minha mãe com James Moselane era
apenas o seu modo de consolar nós duas. E que consolo maior poderia haver do
que imaginar um futuro ideal em que eu morava na propriedade bem ao lado da sua
casa, feliz para sempre?» In Anne Fortier, A Irmandade Perdida, 2014, Editora
Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.
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