Aurora
«(…) Quando o sr. Ludwig voltou,
guardei a revista e tirei o meu casaco de cima da cadeira para ele poder sentar-se
ao meu lado. Obrigada, agradeci ao pegar um dos cafés. O calor do copo foi uma
bênção para as minhas mãos nervosas. A propósito, o senhor não chegou a me
dizer o nome da fundação que está pagando este nosso luxo.
Ele removeu a tampa de seu café. Sou
um homem cauteloso. Ele deu um golinho e fez uma careta. O que vocês, britânicos,
têm contra o café? Bem, posso dizer-lhe o nome: Fundação Skolsky. Açúcar?
Instantes depois, enquanto eu
pesquisava freneticamente a Fundação Skolsky no Google, ouvi o sr. Ludwig dar
uma risadinha e, quando olhei para cima, observei-o espiando descaradamente o
meu telefono móvel. Não vai achar nada on-line, informou-me. O sr. Skolsky
prefere ser discreto. Coisas de bilionário. Talvez a intenção dele fosse fazer
um comentário bem-humorado, mas não achei graça nenhuma. À nossa volta, o portão
de embarque estava coalhado de funcionários da empresa aérea e passageiros com
esperança de embarcar na frente, mas eu continuava sem saber quase nada sobre a
nossa viagem. Desculpe, mas nunca ouvi falar na Fundação Skolsky, falei. A sede
fica em Amsterdão, imagino... O Ludwig se baixou e pôs o copo no chão. Como eu
disse, o Skolsky é um homem discreto, um empresário interessado em arqueologia.
Ele patrocina escavações no mundo inteiro.
Encarei-o à espera de mais
detalhes. Ele não deu nenhum, então me inclinei um pouco para a frente,
deixando bem claro que esperava mais. Como por exemplo...? O Ludwig sorriu, mas
algo na expressão predatória de seus olhos me disse que ele estava ficando
irritado. Não posso dizer antes de chegarmos lá. É o protocolo da Skolsky. Fiquei
tão incomodada com o seu jeito desdenhoso que tive uma súbita lembrança do café
intragável do aeroporto e das bem-intencionadas palavras de alerta ditas por
James na noite anterior. A suposta inscrição das amazonas talvez fosse um
trote..., ou coisa pior. Fora o que ele dissera. Peguei-me pensando mais uma
vez em qual seria o meu papel em tudo aquilo. Estava ficando claro, e de forma
bem desagradável, que o Ludwig não sentia mais necessidade de cair nas minhas
graças. Cheguei a desconfiar que o súbito declínio dos seus bons modos fosse um
prenúncio da semana por vir. Qualquer pessoa normal prestaria atenção nesses
sinais de alerta e iria embora enquanto ainda havia tempo. Mas eu não podia. O
caderno vermelho da avó escondido na minha bolsa já derrotara o meu bom-senso
tempos antes.
Está pronta?, perguntou Ludwig,
pegando no seu cartão de embarque. Vamos lá. Segundos depois, descíamos a ponte
de embarque. Eu ainda não sabia porque estávamos a caminho de Amsterdão, mas àquela
altura tinha certeza que seria inútil perguntar. E fiquei ainda mais
desnorteada quando, em vez de subir a bordo, o Ludwig parou para trocar algumas
palavras com um homem de macacão e grandes protectores de ouvido de cor
laranja. O homem primeiro me lançou um olhar desconfiado, depois abriu uma
porta na lateral do portão de embarque e nos conduziu por alguns degraus instáveis
de metal até chegarmos à pista, junto ao avião. Mesmo ali, do lado de fora, o
ar estava tomado por barulho e cheiro de combustível queimado. Quando abri a boca
para perguntar o que estava acontecendo, me senti sufocar com a fumaça do jacto
e não consegui fazer-me ouvir.
Após uma viagem curta a bordo de
um veículo utilitário, serpenteando por entre as vans de empresas que forneciam
comida às companhias aéreas e os caminhões de combustível, paramos ao lado de
outro avião. Só nessa hora, quando vi a minha mala trocar de mãos e desaparecer
dentro do bagageiro, me toquei de que nosso suposto voo para Amsterdão fora
apenas um disfarce cuidadosamente planejado. Mas não houve tempo de questionar
o Ludwig sobre a mudança em nosso destino, pois, após um controle de segurança
dos mais superficiais, fomos conduzidos depressa ao avião por uma escada de
fundos. Belo acessório, comentou Ludwig quando o detector de metais emitiu um
bipe ao passar pelo meu bracelete de bronze. A senhora usa isso como arma? Ainda
não, mas posso vir a usar, retruquei, tornando a baixar a manga.
Ele
não precisava saber que o bracelete pertencera à minha avó e que eu o havia
desenterrado da minha gaveta de lingerie poucas horas antes, como um marco
inicial daquela inesperada aventura. Até onde Ludwig sabia, eu aceitara viajar
por causa do dinheiro e da possível glória académica; não queria que ele
descobrisse quanto aquilo era pessoal para mim. Se Skolsky podia manter-se
discreto, eu também podia. Enquanto a aeronave manobrava até à pista de
decolagem com nós dois bem presos por nossos cintos de segurança na primeira
classe, falei para Ludwig: talvez agora seja um momento oportuno para o senhor
me informar aonde vamos... Ele encostou sua flûte de champanhe na minha. Para Djerba. A uma
viagem produtiva. Desculpe o subterfúgio; é que há muita coisa em jogo». In Anne Fortier, A
Irmandade Perdida, 2014, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.
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