segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Virgil Gheorghiu. A 25ª Hora. «Pensou então na mulher que acabava de deixar. Pensou em Suzanna. Arrependeu-se de não ter sorrido para ela. Suas histórias de estrelas...»

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«Não posso acreditar que esteja de partida!, disse Suzanna a Iohann Moritz, abraçando-o. Levou as mãos à cabeça do homem e acariciou-lhe os cabelos pretos. Ele deu um passo para trás. Porque não acredita?, respondeu ele, num tom de voz seco. Partirei depois de amanhã, ao amanhecer. Eu sei!, murmurou ela. Permaneciam de pé, junto à sebe. Fazia frio. Passara da meia-noite. Iohann tomou as mãos da mulher, deixou-as cair e disse: então, até logo! Fique um pouco mais!, suplicava ela. Porque deseja que eu fique? Sua voz era firme, decidida. Está tarde. Amanhã tenho que trabalhar. Ela não respondeu, mas o apertou ainda mais nos braços. Entreabrindo a camisa do homem, ela pousou a face no seu peito e ergueu os olhos. As estrelas são lindas!, disse. Ele, por sua vez, esperava algo importante. Acreditava que ela o retivera por isso. E ela vinha falar de estrelas.

Desvencilhou-se, quis ir embora. Mas se lembrou da sua partida iminente e de que ficaria ausente no mínimo três anos. Então, para agradá-la, também contemplou as estrelas. É verdade que todo homem tem a sua estrela no céu? É verdade que ela vira uma estrela cadente quando ele morre? E eu lá sei?, respondeu ele. Agora estava decidido a partir. Até logo! Será que também temos estrelas lá no alto?, perguntou ela. Como todo o mundo, respondeu Moritz. Lá no alto ou dentro de nós. Pegou a cabeça da mulher entre as mãos e afastou-a do seu peito. Em seguida, partiu. Ela o acompanhou até ao caminho, segurando-lhe a mão. Olhava para as estrelas, depois para ele. Espero-o amanhã à noite!, disse ela. Se não chover.

Suzanna gostaria de não deixá-lo ainda, de suplicar que ele viesse, mesmo se chovesse. Mas ele se afastava a passos largos. Desapareceu na curva do caminho, atrás do jardim. A mulher permaneceu por um momento no mesmo lugar. Alisou o vestido na altura do quadril, para retirar os carrapichos agarrados ao tecido. Antes de voltar ao quintal, observou o capim amassado sob a nogueira, onde se haviam deitado um perto do outro. Ainda sentia nas narinas o cheiro do corpo de Moritz, um cheiro de capim amassado, tabaco e caroço de cereja. Assobiando, Iohann Moritz atravessou o campo e tomou a direcção de casa. Usava compridas calças pretas de soldado e uma camisa branca com o colarinho aberto. Estava descalço. Às vezes parava de assobiar para bocejar. Pensou então na mulher que acabava de deixar. Pensou em Suzanna. Arrependeu-se de não ter sorrido para ela. Suas histórias de estrelas...

Mulheres são iguais a crianças. Fazem um monte de perguntas inúteis, ruminou. Pensou então na viagem que ia fazer dali a dois dias. Pensou na América. Depois não pensou em mais nada. Voltou a assobiar. Tinha sono. Queria já estar em casa, dormindo. Devia acordar bem cedo. Era o seu último dia de trabalho. E estava prestes a amanhecer. Dali a poucas horas, o dia teria nascido. Iohann Moritz apertou o passo.

Raiava o dia quando Iohann Moritz parou diante da fonte da aldeia e, abrindo amplamente a camisa, pegou a água com as mãos e esfregou-a no rosto e no pescoço. Foi então até ao meio da rua e secou as mãos, passando-as no cabelo. Ajeitou o colarinho da camisa sem fechá-lo e observou a aldeia. A cerração leitosa se dissipava. Era a aldeia de Fântâna, na Roménia. Iohann Moritz nascera ali, vinte e oito anos atrás. E agora, enquanto contemplava aquela aldeia, com as suas pequenas casas e os três campanários das suas três igrejas, a ortodoxa, a católica e a protestante, lembrou-se de que, na véspera, Suzanna lhe perguntara se ele não iria morrer de saudades dali. Na hora, ele rira, achando graça da pergunta, e respondera que era um homem. Apenas as mulheres podiam sentir saudades. Mas agora sentia como se um vago arrependimento o invadisse. Voltou a assobiar e desviou os olhos.

A casa do padre Alexandru Koruga ficava na beira da estrada, não longe da igreja ortodoxa. A porta estava fechada. Iohann debruçou-se e pegou a chave escondida sob o capacho para que pudesse entrar de manhã, quando chegasse para trabalhar. Abriu a pesada porta de carvalho, sem pressa, e adentrou o quintal. Os cães correram ao seu encontro, pulando à sua volta. Conheciam-no bem, pois já fazia seis anos que Iohann Moritz trabalhava para o padre Alexandru Koruga; todos os dias dos últimos seis anos: lá, sentia-se em casa. Mas aquele era seu último dia de trabalho. Passaria o dia colhendo maçãs. Depois receberia o que lhe era devido e comunicaria a sua partida. O padre ainda não sabia de nada. Iohann Moritz entrou no celeiro, pegou os cestos e os acomodou na carroça. O padre apareceu na sacada. Vestia apenas uma camisa de linho branco e calças compridas. Acabara de se levantar. Moritz, sorrindo, cumprimentou-o. Colocou o cesto no chão, esfregou as mãos, subiu até à sacada e tomou das mãos do ancião a cumbuca cheia d’água. Espere, vou despejar». In Virgil Gheorghiu, A 25ª Hora, 1949, Bertrand Editora, ISBN 000 […] W16.

Cortesia  de BertrandE/JDACT

JDACT, Virgil Gheorghiu, Grécia, Guerra,