«Numa Primavera, a convite do psiquiatra-chefe da Marinha dos Estados Unidos, a dra. Edith Eva Eger embarcou num avião de combate sem janelas para um dos maiores navios de guerra do mundo, o porta-aviões USS Nimitz, fundeado ao largo da costa da Califórnia. O avião desceu em direcção a uma pista curta de 150 metros e aterrsou com o solavanco do gancho de retenção da cauda, encaixando no cabo de travamento, que o impediu de cair no oceano. Única mulher a bordo, a dra. Eger foi acomodada na cabine do capitão. Qual era a sua missão? Ela estava lá para ensinar cinco mil jovens marinheiros a lidar com a adversidade, o trauma e o caos da guerra. Em incontáveis ocasiões, a dra. Eger foi a especialista clínica designada para tratar dos soldados, incluindo os das Forças de Operações Especiais, que sofriam de transtorno de stress pós-traumático e lesões cerebrais. Antes de conhecer a dra. Eger pessoalmente, telefonei para convidá-la a fazer uma palestra no curso de Psicologia do Controle da Mente ministrado por mim em Stanford. Sua idade e o seu tom de voz me levaram a imaginar uma vovozinha do Velho Mundo com um lenço amarrado na cabeça por um laçarote por baixo do queixo. Quando ela se dirigiu aos meus alunos, percebi seu poder de cura. Com um sorriso radiante, brincos brilhantes, cabelos dourados, vestindo Chanel da cabeça aos pés (conforme minha esposa me contou depois), ela descreveu tenebrosas e angustiantes histórias de sobrevivência nos campos de extermínio nazistas de maneira bem-humorada, exalando uma presença que só consigo descrever como pura luz.
A
vida da dra. Eger foi pontuada por tragédias. Ela foi presa em Auschwitz quando
era apenas uma adolescente. Apesar da tortura, da fome e da constante ameaça de
morte, conservou a liberdade mental e espiritual. Não se deixou abater pelos
horrores que sofreu e saiu fortalecida pela experiência. Na realidade, a sua
sabedoria é resultado dos episódios mais traumáticos que viveu.
Ela
é capaz de ajudar outras pessoas a se recuperar porque conseguiu passar sozinha
do trauma à vitória. Ela descobriu como usar sua experiência com a crueldade
humana para levar aos outros a chance de encontrar a própria luz. Seus
ensinamentos já ajudaram militares (como aqueles a bordo do USS Nimitz), casais tentando reencontrar
a intimidade, pessoas que foram negligenciadas, agredidas, que são viciadas ou
doentes, que perderam entes queridos ou simplesmente a esperança. E podem
ajudar a todos nós que enfrentamos diariamente as decepções e os desafios da
vida. Sua mensagem nos inspira a fazer as nossas próprias escolhas e a nos
libertar do sofrimento. No fim da palestra, todos os meus trezentos alunos se
levantaram espontaneamente para aplaudir. Depois, pelo menos cem jovens lotaram
o pequeno palco, esperando sua vez para agradecer e abraçar essa mulher extraordinária.
Em todas as minhas décadas como professor, nunca vi um grupo de estudantes tão
entusiasmado.
Ao
longo dos vinte anos em que eu e Edie trabalhamos e viajamos juntos, essa é a
reacção que me acostumei a testemunhar de cada público ao qual ela se dirige.
Desde um encontro motivacional numa cidade de Michigan, nos Estados Unidos,
quando conversamos com um grupo de jovens que enfrenta pobreza, desemprego e um
conflito racial crescente, até Budapeste, na Hungria, local em que muitos dos
seus parentes morreram e onde ela falou para centenas de pessoas que tentavam
recuperar-se de um passado doloroso, eu vi isso acontecer repetidas vezes: as
pessoas se transformam na presença de Edie. […]
Prisão. Eu tinha um segredo que me aprisionava
Eu
não sabia da arma carregada escondida sob a camisa, mas, no momento em que o
capitão Jason Fuller entrou no meu consultório, em El Paso, num dia de Verão de
1980, senti um aperto no estômago e uma fisgada na nuca. A guerra tinha-me
ensinado a perceber o perigo antes mesmo que eu fosse capaz de explicar porque
estava com medo. Jason era alto, tinha o físico magro de um atleta, mas o seu
corpo era tão rígido que ele mais parecia um pedaço de madeira do que um ser
humano. Seus olhos azuis eram distantes, o queixo era duro e ele não falava, ou
não conseguia falar. Eu o encaminhei para o sofá branco, onde ele se sentou recto,
com as mãos nos joelhos. Eu não conhecia Jason e não tinha ideia do que havia
desencadeado o seu estado catatónico. Seu corpo estava próximo o suficiente
para ser tocado, e sua angústia era quase palpável, mas ele estava longe,
perdido. Nem parecia notar Tess, minha cachorrinha poodle cinza, que continuava
parada, atenta, perto da mesa, como uma segunda estátua viva na sala.
Respirei fundo e procurei uma maneira
de começar. Às vezes, começo a primeira sessão com o paciente me apresentando e
contando um pouco da minha história e da abordagem que utilizo. Às vezes, pulo
directo para a parte de identificar e investigar os sentimentos que trouxeram o
paciente ao meu consultório. Com Jason, parecia essencial não pressionar com
informações demais ou pedir que ficasse vulnerável. Ele estava completamente
travado. Eu precisava encontrar uma maneira de lhe oferecer a segurança de que
ele precisava para arriscar-se a me mostrar o que mantinha tão fortemente guardado.
Eu precisava prestar atenção ao sistema de alerta do meu corpo sem deixar meu
senso de perigo encobrir a obrigação de perguntar: como posso ser útil?» In Edith Eva Eger, A Bailarina de
Auschwitz, 2017, Editora Desassossego, 2018, ISBN 978-989-889-218-8.
Cortesia de EDesassossego/JDACT
JDACT, Edith Eva Eger, Guerra, Literatura, Conhecimento,