Todo aquele que abre um livro
«Todo aquele que
abre um livro entra numa nuvem
ou para beber a água de um espelho
ou para se embriagar como um pássaro ingénuo
A sôfrega retina
vai-se tornando felina e inflada
e os seus liames tremem entre o júbilo e agonia
Um livro é redondo como uma serpente enrolada
e formado de fragmentos onde lateja o sangue
[ de um pulso
que já não é de um autor que nunca o foi
e que será sempre o ritmo do que está a nascer
irrigando o nada e os terraços sobre os abismos
Nunca o livro se completa embora o redondo
[ o circunde
e o mova para o seu interior sem nunca o envolver
Jamais a nuvem se dissipa mesmo quando
[ a claridade ofusca
Como se fosse preciso adormecer nela como sobre
[ os ombros do mundo
para acompanhar o fluxo ingenuamente novo
com os delicados diademas de fogo e espuma
O livro ora é de veludo ora de bronze
e os seus traços abrem janelas ou terraços
sobre o corpo latente como um arbusto entre pedras
Se a palavra vibra como um meteoro ou desliza
[ como uma anémona
ou não é mais do que uma estrela de areia
a sua proa sulca o incessante intervalo
entre o ardor de incompletos liames
e a estátua aérea que se eleva à sua frente
e continuamente se forma e se deforma
por não ser nada e ser o alvo puro
de um movimento ingénuo sonâmbulo e incerto».
Poema de António
Ramos Rosa
A
Casa
«A tua voz é
vegetal e eleva-se com o vento.
Quero demorá-la, fazer dela uma casa
ou um tronco. Que seja a minha noite
com um ardor de eternidade. E a sabedoria
de estar entre plantas tranquilas.
Tudo estará comigo perto de uma nascente
e eu mover-me-ei entre nocturnas veias
e sobre as pedras lisas.
Vejo os barcos da sombra entre as constelações
e estou perto, estou perto. A minha casa é aqui».
Poema de António Ramos Rosa, in O Não e o Sim (1990)
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JDACT, António Ramos Rosa, Poesia, Cultura, A Arte da Escrita,