1126
Viseu, Sexta-Feira Santa, Abril de 1126
«(…) Uniam-se assim as duas regiões
que o rio Minho separava e dona Teresa e o seu Trava tornavam-se ainda mais
poderosos, e candidatos a preencherem o vazio criado pelo recente falecimento
da rainha Urraca de Castela, Leão e Galiza, que entregara a alma ao criador no
mês anterior. A infame rainha, meia-irmã de dona Teresa, deixara feridas
espalhadas pelos reinos da Hispânia, daquelas difíceis de sarar. Embora o seu óbvio
sucessor fosse o filho, Afonso Raimundes (que em breve seria coroado como
Afonso VII), havia dúvidas quanto ao destino final da Galiza e do Condado Portucalense.
Seria possível unirem-se, num novo reino, como os irmãos Moniz de Ribadouro
juravam ser o sonho do falecido conde Henrique? Ou submeter-se-iam em separado
ao novo rei? Fosse qual fosse o futuro, os casamentos arranjados por dona
Teresa fariam parte dele. E, no meu caso, não me posso queixar disso, embora
haja quem possa.
O pobre Ramiro estava paralisado
de deslumbramento em frente à bela moça. Sem qualquer embaraço, Chamoa deu-lhe
um meigo beijo na cara e exclamou: não nos víamos há meses, desde Ponte de
Lima! A vila organizava a maior feira de Entre Douro e Minho, onde as gentes
iam trocar tecidos e alimentos. Alguma permuta devia também ter acontecido por
lá entre aqueles dois, pois mal ouviu o nome da povoação, Ramiro corou fortemente.
Estais mais magro, meu amigo, apreciou Chamoa, observando-o, preocupada. Estais
doente? Paio Soares mantinha-se silencioso e intrigado, olhando à vez para o
seu bastardo e para a rapariga. Já Mem Rodrigues Tougues fingia sorrir, evitando
revelar o seu óbvio incómodo. De súbito, Paio Soares perguntou ao filho: não me
apresentais esta bela flor?
Chamoa corou, batendo as
pestanas. Uma coisa eram elogios de primos ou de rapazolas bastardos, outra, uma
lisonja daquelas, disparada por um dos nobres mais poderosos do Condado! A
filha de Gomes Nunes Pombeiro e de Elvira Peres Trava fez o que mandavam as
regras: dobrou o joelhinho e executou uma pequena vénia, agarrando a sua dalmática
azul-clara com ambas as mãos. Paio Soares sorriu e apontou para as nuvens
cinzentas que carregavam o horizonte. Não há sol no alto do céu, mas há aqui na
terra! Vós sois deslumbrante, Chamoa Gomes, deixai-me contemplar-vos! Deu a sua
mão direita à esquerda dela e obrigou-a a dar uma volta completa à sua frente,
enquanto nos seus olhos se via agrado, ao examinar os peitos da moça e o seu colar.
A visada corou de novo e Ramiro, agastado com o piropo paternal, falou
finalmente. Conhecemo-nos em Ponte de Lima. O pai, desagradado, olhou-o como se
mira um tonto. Julgais que sou surdo? A Chamoa acabou de o dizer!
Virou as costas ao filho e, com
um gesto pomposo, ofereceu o braço direito à rapariga, ordenando-lhe: acompanhai-me,
bela Chamoa. Ela pousou o seu braço no do nobre e, quatro passos adiante, olhou
para trás rapidamente, rindo-se, divertida, para o seu primo, Mem Tougues, que
ficara junto a Ramiro. Depois, voltou-se de novo para o distinto rico-homem e
avisou-o: fiquei de esperar por meus pais à porta da igreja! Paio Soares acenou
a cabeça e os dois pararam no sopé da escadaria do templo, a conversar, até
aparecerem os familiares de Chamoa, que cumprimentaram o senhor da Maia,
enquanto Mem Rodrigues Tougues se acercava deles». In Domingos Amaral, Assim Nasceu
Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN
978-989-741-262-2.
Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT
JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,