«(…) Esta noite conversei com uma Blanca quase desconhecida para mim. Estávamos sozinhos, depois do jantar. Eu lia o jornal e ela jogava paciência. De repente ficou imóvel, com uma carta erguida no alto, e seu olhar era ao mesmo tempo perdido e melancólico. Vigiei-a durante alguns instantes; em seguida, perguntei em que pensava. Ela então pareceu despertar, dirigiu-me um olhar desolado e, sem conseguir se conter, afundou a cabeça entre as mãos, como se não quisesse que ninguém profanasse seu pranto. Quando uma mulher chora diante de mim, eu me torno indefeso e, ainda por cima, desajeitado. Fico desesperado, não sei como lidar com aquilo. Desta vez, segui um impulso natural: me levantei, me aproximei dela e comecei a lhe acariciar a cabeça, sem dizer palavra. Aos poucos ela foi-se acalmando e as convulsões chorosas se espaçaram. Quando, por fim, baixou as mãos, sequei-lhe os olhos e lhe assoei o nariz com a metade não usada do meu lenço. Nesse momento, ela não parecia uma mulher de 23 anos, mas uma menininha, momentaneamente infeliz porque uma de suas bonecas se quebrou ou porque não a levaram ao zoológico. Perguntei se se sentia descontente e ela respondeu que sim. Perguntei o motivo e ela disse que não sabia. Não estranhei muito. Eu mesmo, às vezes, me sinto infeliz sem motivo concreto. Contrariando minha própria experiência, comentei: oh, alguma coisa deve haver. Ninguém chora por nada. Ela então começou a falar atropeladamente, impelida por um desejo repentino de franqueza: Tenho a horrível sensação de que o tempo passa e eu não faço nada, e nada acontece, e nada me comove até a raiz. Vejo Esteban e vejo Jaime e tenho certeza de que eles também se sentem descontentes. Às vezes (não se aborreça, pai), também olho para si e penso que não gostaria de chegar aos 50 anos e ter sua têmpera, seu equilíbrio, simplesmente porque os considero sem relevo, gastos. Sinto em mim uma grande disponibilidade de energia, e não sei em que empregá-la, não sei o que fazer com ela. Acho que se resignou a ser opaco, e isso me parece horrível, porque eu sei que não é opaco. Pelo menos, não era.Respondi (que outra coisa eu poderia dizer?) que ela estava com a razão, que fizesse o possível para se desligar de nós, de nossa órbita, que me agradava muito vê-la gritar esse inconformismo, que me parecia estar escutando um grito meu, de muitos anos atrás. Ela então sorriu, disse que eu era muito bom e jogou os braços ao meu pescoço, como antes. É uma menininha ainda.
O
gerente chamou os cinco chefes de secção. Durante três quartos de hora,
falou-nos do baixo rendimento do pessoal. Disse que a Diretoria lhe fizera
chegar uma observação nesse sentido, e que no futuro não estava disposto a
tolerar que, por causa da nossa negligência (como gosta de acentuar negligência!),
sua posição se visse gratuitamente afectada. Portanto, de agora em diante, etc.
etc. O que será que eles chamam de baixo rendimento do pessoal? Eu, pelo menos,
posso dizer que meus funcionários trabalham. E não somente os novos, os
veteranos também. É certo que Méndez lê romances policiais habilmente
acondicionados na gaveta central da sua escrivaninha, enquanto sua mão direita
empunha uma caneta sempre atenta à possível entrada de algum hierarca. É certo
que Muñoz aproveita suas saídas até a Inspectoria de Rendas para surripiar à
empresa vinte minutos de ócio diante de uma cerveja. É certo que Robledo,
quando vai ao banheiro (exactamente às 10h15), leva escondido sob o guarda-pó o
suplemento em cores ou a página desportiva. Mas é também certo que o trabalho
está sempre em dia, e que, nas horas em que o trâmite se acelera e a bandeja aérea
do Caixa viaja sem cessar, replecta de facturas, todos se afanam e trabalham
com verdadeiro sentido de equipa. Cada um, em sua reduzida especialidade, é um
entendido, e posso confiar plenamente em que as coisas estão sendo bem-feitas. Na
realidade, sei muito bem qual era o destinatário do aperto do gerente. A Expedição
trabalha sem vontade e, além disso, executa mal sua tarefa. Todos sabíamos hoje
que o sermão era para Suárez, mas então, para que chamar-nos todos? Que direito
tem Suárez a que compartilhemos sua culpa exclusiva? Será que o gerente sabe,
como todos nós, que Suárez se deita com a filha do presidente? Não é de se
jogar fora, essa Lidia Valverde». In Mario Bennedetti, A Trégua, Cavalo de
Ferro, 2015, ISBN 978-989-623-048-7.
Cortesia de ECdeFerro/JDACT
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