Elena
«(…) Ela está recostada na
cabeceira da cama, cochilando. A aparência é a mesma: esguia, charmosa,
iluminada, embora pareça mais pálida. Meus olhos se enchem de lágrimas ao
vê-la. Tento não acordá-la, mas o barulho da porta rangendo ao ser aberta é o suficiente
para fazê-la despertar. Elena! A mãe suspira, abrindo os braços, para onde
corro sem pensar duas vezes. Ficamos abraçadas por um longo tempo, sem falar
nada, apenas sentindo o toque uma da outra. Sempre fui o carinho do pai. No
entanto, minha ligação com minha mãe ultrapassa o senso comum. Nem acredito que
esteja aqui!, comenta ela, assim que nos afastamos. A mãe analisa as minhas
feições com cuidado, sem conseguir esconder a admiração por eu ter-me mantido
de pé diante dos perrengues que passei na Nigéria. Enxergo o orgulho nos seus
olhos. Fez-me muita falta, bonequinha. O apelido carinhoso que ela me deu há
anos não me envergonha. Não mais. Houve uma época em que tentei eliminá-lo a
qualquer custo. Ai, mãe. Também estava com saudade. Foi duro ficar esse tempo
todo longe de vós. Ela concorda, acariciando meus cabelos. Como está se
sentindo? Eu preciso ouvir a resposta dela e testar a sua sinceridade. Estou
bem. Estamos, na verdade. Com carinho, a princesa Ana pousa as mãos sobre o
ventre. Eu coloco as minhas sobre as dela. Sinto uma energia inexplicável. Inacreditável,
não é? Nossa... As palavras me fogem. O amor que aperta meu peito parece que
quer me sufocar de tão intenso. Ainda não passam de dois pontinhos minúsculos,
mas, mesmo assim, já amo demais esses dois.
Faço que sim com a cabeça. Ela
tem razão. Esses lances de vínculo familiar são mesmo meio difíceis de
explicar. Eles existem e pronto. Mas preferia não ter que ficar de molho. Foi
só a médica mencionar isso para o seu pai levar as palavras dela ao pé da letra,
reclama a mãe, de nariz torcido. Por ele, vou passar os próximos meses deitada
nesta cama, sendo alimentada a cada três horas, como um recém-nascido. Solto um
risinho de solidariedade. Coitada. Não deve ser fácil lidar com as preocupações
excessivas do meu pai. E eu sei muito bem como ele costuma agir em relação às
mulheres na sua vida, afinal, represento 50 por cento desse grupo. Seu avô
também não tem facilitado. E Irina, obviamente. Então aproveite. Porque depois,
com o nascimento dos gêmeos, nós não teremos muita folga, não é mesmo? Nós, é? É
claro! A mãe sorri e me abraça outra vez. Querida, é impressão minha ou dá para
sentir os ossos da sua costela por baixo da jaqueta? Bom..., sabe..., eu não
passei uma temporada num resort da Bahia, respondo, e dou de ombros.
Minha mãe franze a testa e deixa
que o seu instinto maternal fale por ela. Pelos minutos seguintes, ela deixa
bem claro que vai me fazer recuperar cada nutriente perdido durante os últimos
meses longe de casa. Nem adianta eu argumentar que não tenho a intenção de
devolver ao meu corpo os quilinhos ausentes. Só eu sei como luto contra eles.
Infelizmente não nasci fininha como a mãe. Tenho a constituição física mais
parecida com a da avó Olívia, ou seja, sou cheia de curvas, algumas sinuosas
demais para o meu gosto. Vamos saltar essa parte, mãe, e me conte como andam as
coisas por aqui, peço, ansiosa para ter notícias de todos.
Enquanto eu estava na Nigéria,
minhas ligações para casa eram tão raras, não apenas pelo trabalho que exigia
muito de mim, mas, sobretudo, pela precariedade do serviço de telefonia que
atendia o povoado, que eu não conseguia ser colocada a par de tudo o que andava
ocorrendo na Krósvia. Então, por causa da minha total falta de informação, a mãe
passa horas relatando os últimos acontecimentos. Fico sabendo, por ela, que a
grande novidade da família é o casamento de Luce. A cerimónia está marcada para
ser realizada no castelo mesmo, daqui a sete dias». In Marina Carvalho, Elena, a
filha da princesa, Galera Record, 2015, ISBN 978-850-110-492-2.
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JDACT, Marina Carvalho, Literatura,