«(…) Sentem-se, propus. Assim fizeram, demonstrando ainda mais claramente que as coisas não eram o que pareciam. Usar uma toga é uma arte, como o é usar uma estola, imagino eu. Pela manifesta inépcia de ambos, pareceu-me altamente improvável que o jovem tivesse alguma vez usado uma toga, ou que a sua companheira costumasse usar uma estola. A falta de jeito de ambos era quase cómica. Tomam um pouco de vinho?, ofereci-lhes. Sim!, disse o jovem, inclinando-se para diante com o rosto subitamente animado. Tinha um tom de voz agudo e, por assim dizer, excessivamente delicado, tal como as suas mãos. A velha mulher tornou-se rígida e murmurou: Não!, numa voz rouca. Brincou nervosamente com os dedos e depois mordeu o polegar. Eu encolhi os ombros. Por mim, preciso de qualquer coisa que combata este frio. Belbo, pede a uma das raparigas que traga água e vinho. E talvez qualquer coisa para comer?, olhei inquiridoramente para os meus visitantes.
O jovem animou-se e acenou
avidamente. A mulher franziu o sobrolho e agarrou-lhe o braço, fazendo-o
estremecer. Estás louco?, sussurrou asperamente. Pareceu-me detectar uma
ligeira pronúncia, e estava a tentar localizá-la quando ouvi o estômago dela
roncar. Sim, claro, exactamente resmungou o jovem. Ele também tinha uma pronúncia,
pouco pronunciada mas vagamente oriental. O que era curioso, porque só os cidadãos
romanos usam toga. Comida não, obrigado disse ele. Que pena, disse eu, há uns
bolos de mosto óptimos, que sobraram do pequeno-almoço
desta manhã, aromatizados com mel e pimenta ao estilo egípcio. A minha mulher é
natural de Alexandria, compreendem? Eu próprio vivi algum tempo nessa cidade
quando era jovem oh, deve ter sido há uns trinta anos. Os pãezinhos egípcios são
famosos, como certamente saberão. A minha mulher diz que o segredo do fermento
foi descoberto por um pasteleiro que vivia na foz do Nilo, que dedicou o seu
primeiro pão ao grande Alexandre, aquando da fundação da cidade.
A boca da mulher começou a
retorcer-se. Ela apertou o manto para esconder os olhos, mas eu senti-os
poisados sobre mim, quentes como as chamas da braseira. O rosto do jovem perdeu
a sua animação e voltou a ficar rígido. Belbo regressou com uma mesinha dobrável,
que montou entre nós. Atrás dele, entrou uma rapariga com três copos e dois
jarros, um de água e outro de vinho. A rapariga deitou vinho nos copos e depois
foi-se embora, deixando a meu cargo a distribuição da água. Por mim, nos meses
mais frios, tomo-o quase sem nada disse eu, inclinando-me para diante e
acrescentando apenas uma gota de água ao copo mais próximo. Como preferem?
Olhei para o jovem. Ele ergueu o indicador e tocou com o polegar na primeira
articulação. Meio dedo de água disse eu, servindo-o, e depois olhei para a
companheira. Vais acompanhar-nos? Ela hesitou, e depois copiou o gesto do
jovem. Reparei novamente nas unhas roídas e na pele das suas mãos, comida pelo
sol. Não te arrependerás, disse eu. Este vinho é de produção minha. Ainda me restam
alguns vasos da minha breve passagem pela Etrúria, como camponês, há uns anos.
Foi um ano muito bom pelo menos para o vinho. Entreguei um copo a cada um.
Antes de ter tempo de pegar no meu, a mulher pousou rapidamente o seu e
estendeu a mão para o meu.
Mudei de ideias, murmurou
roucamente. Prefiro beber com menos água. Se não te importas. Claro que não.
Peguei no copo que ela tinha abandonado e levei-o até junto dos lábios,
fingindo cheirar o bouquet. Ela observou-me intensamente e colocou o copo sob o
nariz carnudo, cheirando cautelosamente sem se incomodar a fingir que estava a
gostar, à espera que eu bebesse um gole antes de poder fazer a mesma coisa. Foi
um momento absurdo, que mais parecia uma cena de uma comédia vulgar, embora se
estivéssemos em palco o público nos tivesse certamente apupado por
desempenharmos os nossos papéis com demasiada lentidão». In Steven Saylor, O Lance de
Vénus, 1995, Bertrand Editora, 2002, ISBN 978-972-252-229-8.
Cortesia de Bertrand E/JDACT
JDACT, Steven Saylor, Cultura e Conhecimento,