O Castelo de Lucretili. Junho de 1453
«(…) Nas suas costas, os dedos de
Isolde apertaram o cabo da caçarola. Quando Roberto parou para desamarrar a
frente dos calções, ela teve um vislumbre nauseante da sua roupa de baixo
cinza. Ele tentou agarrar-lhe o braço. Não preciso machucá-la, disse. Talvez
você até goste... Girando o braço que segurava a caçarola, ela acertou um golpe
na lateral da cabeça do homem. Brasas e cinzas caíram no seu rosto e no chão.
Ele soltou um uivo de dor enquanto ela se desvencilhava e o golpeava outra vez
com força; ele caiu como um boi gordo no matadouro. Isolde pegou num jarro,
despejou água no carvão em brasa no tapete debaixo do homem e, com cautela,
cutucou-o com o pé calçado com chinelo. Ele não se mexeu: estava inconsciente.
Ela entrou numa saleta e destrancou a porta, chamando em voz baixa: Ishraq! Quando
a menina apareceu, esfregando os olhos para se livrar do sono, Isolde lhe
mostrou o homem caído no chão. Está morto?, perguntou a garota, com calma. Não,
acho que não. Me ajude a tirá-lo daqui. As duas puxaram o tapete com o corpo
flácido do príncipe Roberto pelo chão, deixando para trás uma trilha viscosa de
água e cinzas. Levaram-no para a galeria na frente do quarto e pararam. Imagino
que seu irmão tenha permitido que ele a procurasse? Isolde assentiu, e Ishraq
virou a cabeça e cuspiu na cara branca do príncipe com desdém. Porque abriu a
porta? Pensei que ele me ajudaria. Ele disse que tinha uma ideia para minha
situação e depois entrou à força. Ele a machucou? Os olhos negros da menina
percorreram o rosto da amiga. O que houve com sua testa? A porta bateu em mim
quando ele a empurrou. Ele ia violá-la? Isolde assentiu. Então, ele que fique
aqui, decidiu Ishraq. Pode recobrar a consciência no chão, como o cão que é, e
se arrastar até ao quarto. Se ainda estiver aqui pela manhã, os criados o
encontrarão e ele será motivo de chacota. Ela se abaixou e tentou sentir a
pulsação dele no pescoço, nos pulsos e sob o cós volumoso dos calções. Ele vai
viver, afirmou, com convicção. Mas a sua falta não seria sentida se cortássemos
sua garganta na surdina. É claro que não podemos fazer isso, respondeu Isolde,
trémula.
Elas o deixaram ali, deitado de
costas como uma baleia encalhada e com os calções ainda desamarrados. Espere
aqui. Ishraq foi ao próprio quarto e voltou depressa com uma caixinha na mão.
Com delicadeza, usando apenas as pontas dos dedos e fazendo uma careta de nojo,
mexeu nos calções do príncipe, deixando-os abertos. Então ergueu a camisa de
linho, para que sua nudez flácida ficasse bem visível, tirou a tampa da caixa e
jogou a especiaria na pele nua. O que está fazendo?, sussurrou Isolde. É pimenta
seca, muito forte. Ele vai se coçar como se tivesse varíola e ficará com bolhas
de assadura. Vai se arrepender muito desta noite. Vai ficar se coçando, arranhando
e sangrando por um mês, e não incomodará mulher nenhuma por um bom tempo.
Isolde riu, estendeu a mão para a
amiga, como o pai teria feito, e as duas mulheres juntaram os braços com as mãos
nos cotovelos, como fazem os cavalheiros. Ishraq sorriu, e elas se viraram e
voltaram ao quarto, fechando e trancando a porta diante do príncipe humilhado. Pela
manhã, quando Isolde foi à capela, o caixão do pai estava fechado e pronto para
ser sepultado na cripta da família, e o príncipe fora embora. Ele retirou a
proposta pela sua mão, disse o irmão, com frieza, ao assumir seu posto,
ajoelhando-se ao lado dela nos degraus da capela-mor. Imagino que tenha
acontecido alguma coisa entre os dois? Ele é um patife, respondeu Isolde. E se
você o mandou à minha porta, como ele alegou, então você me traiu. Ele baixou a
cabeça». In Philippe Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record,
Colecção Ordem da Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.
Cortesia de EGRecord/JDACT
Itália, Século XV, JDACT, Literatura, Philippa Gregory,