quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Theresa Breslin. Prisioneira da Inquisição. «Por muito tempo os muçulmanos têm maculado o solo espanhol, mas eles serão expulsos. Há, porém, no nosso meio, aqui, dentro dos nossos corações e dos nossos lares…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Zarita

«(…) O que pretende fazer quando esses dados aparecerem?, exigiu saber o pai. Vai descobrir que haverá quem aproveite a oportunidade para se vingar de uma antiga dívida ou contar mentiras sobre um vizinho contra quem têm uma rixa. Eu os interrogarei muito cuidadosamente. Isso será uma dificuldade para aqueles que não têm um motivo verdadeiro para as suas denúncias. Pretende iniciar uma Inquisição (maldita) na cidade? Pretendo. Ontem à noite, disse-me que estava apenas de passagem e me pediu que providenciasse acomodações enquanto esperava transporte num navio que o levará a Almería. Mudei de ideia, disse o padre Besian. E onde pretende realizar seus interrogatórios e julgamentos? Meu pai deu uma risada. Esta não é uma cidade grande. A cadeia é o subsolo de um prédio de um andar, e a minha assim chamada corte dos magistrados é esse pequeno andar acima. O padre Besian reclinou-se na cadeira. Olhou pela janela para os edifícios da nossa fazenda e depois à sua volta, pela sala. Sorriu. Tem uma casa muito bem equipada, dom Alonso. Usarei as suas instalações para executar essa obra de Deus. Minha casa! Meu lar! Meu pai recuou, chocado. Não! Isso é impossível! Não permitirei. Devo lembrar-lhe, dom Vicente, a voz do padre tornou-se gelada, que, como o magistrado local, está obrigado por lei a me auxiliar de qualquer modo que eu julgue necessário. O padre Besian levantou-se, e percebi subitamente que ele era mais alto do que o pai e, embora muito mais magro, a sua presença pareceu fazer meu pai encolher.

A Santa Inquisição (maldita) foi instituída pela rainha Isabel de Castela e pelo rei Fernando de Aragão como parte de sua gloriosa missão de estabelecer o reino cristão de Espanha. Esses dois monarcas de reinos separados dentro do território espanhol estão unidos, tanto em casamento quanto em mente, para guiar todas as outras províncias e distritos sob seu domínio. Mesmo agora lutam para tomar Granada dos infiéis e substituir a bandeira da lua crescente pela da cruz. Eu, como agente da Inquisição (maldita), possuo total autoridade sobre a Igreja e o Estado. Não deve tentar impedir de nenhuma maneira o meu trabalho. Frequentemente, tenho verificado que quem costuma fazer isso tem algo errado ou..., inconsistente..., dentro da própria família para esconder. O padre olhou para meu pai e então abruptamente girou a cabeça para abarcar Lorena e a mim no seu olhar. O efeito dessas palavras no meu pai foi impressionante. A cor sumiu de seu rosto como acontece com a luz no céu quando uma nuvem passa pelo sol. Ele cambaleou e agarrou o encosto de uma cadeira próxima para se apoiar.

Além de pregar avisos pela cidade, prosseguiu o padre Besian, informo-o agora que pretendo proclamar, para todos, a mesma mensagem do púlpito durante o meu sermão na missa de amanhã. Espero vê-lo, sua família e todos os membros de sua casa no branco da frente da igreja. Uma pessoa importante como o magistrado deve dar o exemplo para o resto da comunidade. E, assim, estávamos lá no dia seguinte, eu, pai e Lorena, apropriada e sobriamente vestidos. Antes de a cerimônia começar, minha tia Beatriz se juntou a nós. Um véu drapejava até abaixo do seu nariz, e o capuz do seu traje cobria a cabeça e as laterais do rosto, como era costume das Irmãs de Compaixão sempre que saíam em público. Meu pai tinha-se distanciado da sua cunhada ao se casar com Lorena. Embora minha tia nunca tivesse revelado os seus sentimentos por ele ter tomado uma nova esposa tão pouco tempo após a morte da irmã, eu acreditava que essa era a causa do afastamento entre eles. Agora ele lhe concedeu um olhar de gratidão pela presença naquela manhã.

Enquanto o padre Besian insultava hereges, judeus, muçulmanos e todos aqueles que ele afirmava que ameaçavam a igreja e a segurança da Espanha, nós nos forçávamos a ficar calmos e atentos. Nossos monarcas, a virtuosa rainha Isabel de Castela, unida em matrimónio com o igualmente honrado rei Fernando de Aragão, tiveram por propósito juntar os reinos e províncias visando tornar a Espanha um país unificado. Este será um país católico, unido. Para isso, eles têm empreendido uma guerra santa, uma cruzada contra todos os incrédulos. Mesmo agora eles se encontram em batalha contra os infiéis que mantêm o Reino de Granada e que não cedem à ordem cristã de suas majestades. Por muito tempo os muçulmanos têm maculado o solo espanhol, mas eles serão expulsos. Há, porém, no nosso meio, aqui, dentro dos nossos corações e dos nossos lares, a quem também devemos expulsar. E esses são os que conseguem ser mais traiçoeiros. Os tais, que precisamos desenraizar como se faria com uma hera, que sufoca plantas boas e frutíferas». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.

Cortesia de EGaleraR/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,