Zarita
«(…) O que pretende fazer quando
esses dados aparecerem?, exigiu saber o pai. Vai descobrir que haverá quem
aproveite a oportunidade para se vingar de uma antiga dívida ou contar mentiras
sobre um vizinho contra quem têm uma rixa. Eu os interrogarei muito
cuidadosamente. Isso será uma dificuldade para aqueles que não têm um motivo
verdadeiro para as suas denúncias. Pretende iniciar uma Inquisição (maldita) na cidade? Pretendo.
Ontem à noite, disse-me que estava apenas de passagem e me pediu que providenciasse
acomodações enquanto esperava transporte num navio que o levará a Almería. Mudei
de ideia, disse o padre Besian. E onde pretende realizar seus interrogatórios e
julgamentos? Meu pai deu uma risada. Esta não é uma cidade grande. A cadeia é o
subsolo de um prédio de um andar, e a minha assim chamada corte dos magistrados
é esse pequeno andar acima. O padre Besian reclinou-se na cadeira. Olhou pela
janela para os edifícios da nossa fazenda e depois à sua volta, pela sala.
Sorriu. Tem uma casa muito bem equipada, dom Alonso. Usarei as suas instalações
para executar essa obra de Deus. Minha casa! Meu lar! Meu pai recuou, chocado. Não!
Isso é impossível! Não permitirei. Devo lembrar-lhe, dom Vicente, a voz do
padre tornou-se gelada, que, como o magistrado local, está obrigado por lei a
me auxiliar de qualquer modo que eu julgue necessário. O padre Besian
levantou-se, e percebi subitamente que ele era mais alto do que o pai e, embora
muito mais magro, a sua presença pareceu fazer meu pai encolher.
A Santa Inquisição (maldita) foi instituída
pela rainha Isabel de Castela e pelo rei Fernando de Aragão como parte de sua
gloriosa missão de estabelecer o reino cristão de Espanha. Esses dois monarcas
de reinos separados dentro do território espanhol estão unidos, tanto em
casamento quanto em mente, para guiar todas as outras províncias e distritos
sob seu domínio. Mesmo agora lutam para tomar Granada dos infiéis e substituir
a bandeira da lua crescente pela da cruz. Eu, como agente da Inquisição (maldita), possuo total
autoridade sobre a Igreja e o Estado. Não deve tentar impedir de nenhuma
maneira o meu trabalho. Frequentemente, tenho verificado que quem costuma fazer
isso tem algo errado ou..., inconsistente..., dentro da própria família para
esconder. O padre olhou para meu pai e então abruptamente girou a cabeça para
abarcar Lorena e a mim no seu olhar. O efeito dessas palavras no meu pai foi
impressionante. A cor sumiu de seu rosto como acontece com a luz no céu quando
uma nuvem passa pelo sol. Ele cambaleou e agarrou o encosto de uma cadeira próxima
para se apoiar.
Além de pregar avisos pela cidade,
prosseguiu o padre Besian, informo-o agora que pretendo proclamar, para todos,
a mesma mensagem do púlpito durante o meu sermão na missa de amanhã. Espero
vê-lo, sua família e todos os membros de sua casa no branco da frente da
igreja. Uma pessoa importante como o magistrado deve dar o exemplo para o resto
da comunidade. E, assim, estávamos lá no dia seguinte, eu, pai e Lorena,
apropriada e sobriamente vestidos. Antes de a cerimônia começar, minha tia
Beatriz se juntou a nós. Um véu drapejava até abaixo do seu nariz, e o capuz do
seu traje cobria a cabeça e as laterais do rosto, como era costume das Irmãs de
Compaixão sempre que saíam em público. Meu pai tinha-se distanciado da sua
cunhada ao se casar com Lorena. Embora minha tia nunca tivesse revelado os seus
sentimentos por ele ter tomado uma nova esposa tão pouco tempo após a morte da
irmã, eu acreditava que essa era a causa do afastamento entre eles. Agora ele
lhe concedeu um olhar de gratidão pela presença naquela manhã.
Enquanto o padre Besian insultava
hereges, judeus, muçulmanos e todos aqueles que ele afirmava que ameaçavam a
igreja e a segurança da Espanha, nós nos forçávamos a ficar calmos e atentos. Nossos
monarcas, a virtuosa rainha Isabel de Castela, unida em matrimónio com o
igualmente honrado rei Fernando de Aragão, tiveram por propósito juntar os reinos
e províncias visando tornar a Espanha um país unificado. Este será um país católico,
unido. Para isso, eles têm empreendido uma guerra santa, uma cruzada contra
todos os incrédulos. Mesmo agora eles se encontram em batalha contra os infiéis
que mantêm o Reino de Granada e que não cedem à ordem cristã de suas majestades.
Por muito tempo os muçulmanos têm maculado o solo espanhol, mas eles serão
expulsos. Há, porém, no nosso meio, aqui, dentro dos nossos corações e dos nossos
lares, a quem também devemos expulsar. E esses são os que conseguem ser mais
traiçoeiros. Os tais, que precisamos desenraizar como se faria com uma hera,
que sufoca plantas boas e frutíferas». In Theresa Breslin, Prisioneira da
Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.
Cortesia de EGaleraR/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,