«(…) Tiago ficara com a casa da família. Morava ali, na beira da praia. César, depois da partida de Sabrina, praticamente morava com Tiago. A amizade dos dois se iniciou logo que a família de Tiago chegara em Amarração. Formavam um grupo de sete pestinhas. Sabrina, a mais velha da turma, César, Tiago e Tadeu, mais dois irmãos, Olavo e Jéferson, e Eliana. Os sete da Amarração, como ficaram conhecidos. Dessa velha turma havia sobrado apenas eles dois, mais Olavo. Tiago e César se viam todos os dias. Trabalhavam na câmara municipal da cidade, no mesmo departamento, e nos finais de semana praticavam mergulho juntos. Todo o dinheiro que poupavam ia para os equipamentos, cada vez mais sofisticados e modernos. Infelizmente não conseguiam economizar muito. A esperança maior corria por conta do mar. Por duas vezes já haviam tirado coisas que lhes renderam um bocado de dinheiro. Na primeira, conseguiram duas imagens de santos. Tiago pensou em entregá-las para a igrejinha de Amarração, mas foi César quem o deteve. O amigo tivera o oportuno palpite de que aquelas coisas deviam valer algum dinheiro. Esperaram três semanas, e quando o salário da câmara municipal chegou pegaram um autocarro para Porto Alegre e foram directo para o museu da cidade. Lá descobriram que a coisa valia. Um coleccionador comprou as imagens. Eram peças portuguesas da época do descobrimento do Brasil. Conseguiram oito mil reais pelas duas. Mais da metade usaram para comprar a lancha e um motor novo. O restante do dinheiro durou mais alguns meses. Viajaram para vários parques de mergulho, conhecendo muita gente boa. A segunda vez que descolaram um dinheiro com mergulho foi com pequenos reparos no emissário submarino de Amarração. Havia três buracos no emissário que despejava o esgoto no oceano. Dessa vez, o dinheiro foi bem inferior aos oito mil reais, mas novamente realizaram uma série de excursões, conheceram mais gente, novos equipamentos e técnicas de mergulho. E, se o palpite de Tiago estivesse certo, dessa vez encheriam os bolsos com bastante dinheiro. Suficiente para nunca mais esquentarem a cabeça. Quando consegue falar com o Peta? Ele vai estar no bar hoje. Eu também vou. Falo com ele e ajeito tudo. Os dois entraram na casa.
Vê
quanto ele cobra para alugar o equipamento. Alugar, ouviu?, frisou Tiago. O homem
é chato, mas vou ver o que ele faz. Quando a gente tiver as fotografias nas mãos,
eu levo para Porto Alegre. A Eliana está estudando História lá. Deve conhecer
gente de confiança que pode nos dar uma ajuda. Estou desconfiado de que aquele
barco é mais antigo do que esta cidade aqui. Está com toda a pinta de ser um
galeão português. Caramba! Se for uma coisa tão antiga assim, podemos facturar
uma enorme massa! Sei lá. Depende se tem alguma coisa lá dentro. Pelo barco
mesmo, duvido que valha alguma coisa. Ele está muito podre, não sai de lá
inteiro. Estou apostando numa outra jogada. Se a Eliana confirmar que é um galeão
português, os indivíduos da faculdade vão ficar loucos para pôr as mãos nele; é
aí que nós faturamos.
Cobra
um dinheiro bom para mostrar onde o galeão está afundado. Não sei se nós vamos
achar muita coisa valiosa dentro daquele troço. A gente podia mergulhar amanhã
e ver se acha alguma entrada... É perigoso, Cesão. Aquilo está inteiro e podre.
Pode cair tudo na nossa cabeça. É, mas se o barco é português mesmo aquelas
duas imagens devem ter vindo dele, pode ter mais lá dentro, quatro mil cada
uma. Sei lá. Vamos chamar o Lalá. De todos, a gente vai precisar de ajuda. Se ele
topar, sem problemas, a gente entra. O Olavo é meio bundão, mas eu o convenço,
pode deixar. Tiago aquietou-se e por um segundo a memória dos sete veio à sua
mente. Sempre mergulharam naquela praia. Os sete. Juntos. Mas nunca tão
distante. Nunca tão demoradamente. Com certeza adorariam tê-lo feito». In André Vianco, Os
Sete, 1999, Editora Aleph, 2016, ISBN 978-857-657-339-5.
Cortesia de EAleph/JDACT
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