«(…) A temperatura subiu rápido, e ele ergueu o braço para proteger o rosto. O tecto foi atingido pelo incêndio e, em menos de 15 segundos, o segundo andar estava totalmente em chamas. No alto, chuveiros automáticos ganharam vida. Ele recuou parcialmente pela escada e esperou até que o fogo fosse apagado. Mas notou algo. A água simplesmente intensificava as chamas. A máquina que causou o desastre se desintegrou de repente num estouro silencioso, chamas rolando em todas as direcções, como ondas buscando a praia. Uma bola de fogo foi levada para o tecto e pareceu ser bem-recebida pelos jactos de água. O ar ficou carregado de vapor, não fumaça, mas uma substância química que fazia a sua cabeça girar. Desceu a escada, pulando dois degraus de cada vez. Uma nova onda de fogo varreu o segundo andar. Seguida por outras duas. Vidros estilhaçaram. Algo se rompeu com estrondo. Correu para a parte da frente do prédio. A outra engenhoca, que estivera inactiva, voltou à vida e começou a margear as vitrines do térreo. Mais borrifos lançados no ar causticante. Ele precisava sair. Mas a porta trancada abria por fora. Molduras de metal, madeira espessa. Impossível de arrombar. Observou o fogo descer a escada com facilidade, consumindo cada degrau, como o diabo vindo para cumprimentá-lo. Até o cromo estava sendo devorado com ímpeto. Estava cada vez mais difícil respirar, por causa da fumaça química e do rápido desaparecimento do oxigénio. Claro que alguém ligaria para o corpo de bombeiros, mas eles não poderiam ajudá-lo. Se uma fagulha sequer tocasse sua calça húmida... As chamas chegaram à base da escada. A 3 metros dele.
Enrico
Vincenti olhou fixamente para o acusado e perguntou: Algo a dizer para este
Conselho? O homem de Florença pareceu não se preocupar com a resposta. Que tal:
quero que você e a sua Sociedade vão tomar naquele lugar? Vincenti ficou
curioso. Você parece achar que não nos deve levar a sério. Gordo, eu tenho
amigos. O facto parecia deixar o florentino orgulhoso de verdade. Muitos. Ele
esclareceu: Seus amigos não importam para nós. Mas a sua traição? Isso é outro
assunto. O florentino vestira-se especialmente para a ocasião. Usava um caro casaco
Zanefii, camisa Charvet, gravata Prada e os indispensáveis sapatos Gucci.
Vincenti percebeu que as roupas custavam mais do que a maioria das pessoas
ganha por ano. Quer saber?, disse o florentino. Eu vou embora, e esquecemos
este..., o que quer que seja isto..., e seu pessoal pode voltar a fazer o que
faz.
Nenhum
dos nove que estavam sentados ao lado de Vincenti disse uma palavra. Ele os
prevenira para esperar arrogância. O florentino fora contratado para resolver
uma tarefa na Ásia Central, um trabalho que o Conselho considerava de vital
importância. Infelizmente, havia modificado a tarefa para atender à própria ganância.
Por sorte, a decepção foi descoberta e as medidas, tomadas. Acredita mesmo que
seus associados ficarão do seu lado?, perguntou Vincenti. Não é tão ingénuo
assim, é, gordo? Foram eles que me mandaram fazer isso. Mais uma vez, ignorou a
referência à sua forma física. Não foi o que disseram. Tais associados formavam
um sindicato internacional do crime que se mostrara útil para o Conselho
diversas vezes. O florentino era empregado terceirizado, e o Conselho fez vista
grossa para a trapaça do sindicato para dar um recado ao mentiroso diante
deles. O que seria um recado também para o sindicato. E foi. A taxa devida já
havia sido devolvida e o volumoso depósito feito pelo Conselho retornara. Diferentemente
do florentino, aqueles associados entendiam precisamente com quem estavam
lidando. O que sabe de nós?, perguntou Vincenti. O italiano deu de ombros. Um
bando de ricos que gosta de jogar.
A
fanfarrice divertiu Vincenti. Havia quatro homens atrás do florentino, todos
armados, o que explicava porque o ingrato se considerava seguro. Como condição
para a sua presença, insistiu em ser acompanhado. Setecentos anos atrás, disse
Vincenti, um Conselho dos dez governava Veneza. Eram homens supostamente
maduros demais para se deixar levar por paixões ou tentações, responsáveis pela
manutenção da segurança pública e pela oposição política. E foi precisamente o
que fizeram. Durante séculos. Recebiam provas em segredo, pronunciavam sentenças
e realizavam execuções, tudo em nome do Estado veneziano. Acha que eu estou
interessado nessa aula de história? Vincenti cruzou as mãos sobre o colo. Deveria
estar. Este mausoléu é deprimente. É seu?» In Steve Berry, A Traição Veneziana, 2009,
Publicações dom Quixote, Livros d?Hoje, 2013, ISBN 978-972-203-860-7.
Cortesia domQuixote/JDACT
JDACT, Literatura, Steve Berry, Narrativa,