Inventário
«Uma
palavra que se tornou perigosa
Um marinheiro dum país amigo
Uma pobre mulher tuberculosa
E a mulher orgulhosa que persigo
A velhinha que passa de buíque
Um incêndio prestes a romper
E as ruas as ruas onde vi
O que ainda não sei ver
Uma praia elegante um estendal
De belos corpos indolentes
E as últimas mentiras dum jornal
A propósito de factos recentes
Um senhor absolutamente sério
Um doutor que esteve por um triz
P’ra fazer parte dum novo ministério
E um velho muito velho que nos diz
Avesso à multidão aos seus gritos de louca
Tenho contudo um
grande amor ao Homem
Mas cuidado Uma
ideia não vive sem o pão da boca
Por aquilo que não sou não quero que me tomem
Outro senhor absolutamente honesto
Ainda a velhinha do buíque
E o velho muito velho diz o resto
Diz o resto e é para que fique
Meu lema é conhecido minha voz muito menos
Mas o que digo
chega ao vosso coração
Por caminhos
discretos preciosos serenos
Como um selo raro a uma colecção
(E num silêncio que toda a gente ouvia
Só a mosca deu sinal de si
Dizendo com graça e ironia
Ó Cesário Verde
como eu queria
Que estivesses aqui!)»
Poema de Alexandre O’Neill, in No Reino
da Dinamarca
ISBN 978-972-37-1947-5
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT
JDACT, Alexandre O’Neill, Poesia, Cultura,