quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «Levai este pobre infanção, que uma dama destroçou! Não a mim, que elas adoram a minha piça! Gargalhámo-nos outra vez, mas Gondomar suspirou, desanimado…»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

Viseu. Sábado de Aleluia. Abril de 1126

«(…) Foi ele quem defendeu este condado! E queria retomar Lisboa e Santarém, que vosso bisavô Fernando havia conquistado, mas que vosso avô, Afonso VI, perdeu para os sarracenos! Depois de uma curta pausa, Gondomar murmurou: Os reis de Castela e Leão têm sempre desejos diferentes dos vossos. Talvez o Condado devesse ser um reino independente... Afonso Henriques ficou pensativo, e depois questionou-o: Foi isso que haveis proposto a minha mãe? Gondomar informou-o apenas de que dona Teresa já lhes destinara Soure, para que a reconstruíssem e começassem a preparar o combate aos mouros abaixo do Mondego. Reconquistar Lisboa é tão importante quanto defender Jerusalém?, provocou Gonçalo. Solene, o velho monge declarou: Tanto ou mais ainda. Cristo está onde estivermos, e o inimigo é o mesmo. Temos de expulsar os sarracenos destas terras. Dito isto, olhou-nos um a um, como se nos examinasse. Alguns de vós podiam juntar-se à nossa Ordem. Não vós, disse a Afonso Henriques, pois sereis o herdeiro do Condado. Voltou a mirar Gonçalo e desafiou-o: Far-vos-ia bem ao espírito, para fugir às tentações do demo! O visado exaltou-se e logo rejeitou tal possibilidade: Monge, eu? Não nasci para rezas, prefiro o vinho e as soldadeiras! Para se safar, Gonçalo apontou para Ramiro. Levai este pobre infanção, que uma dama destroçou! Não a mim, que elas adoram a minha piça! Gargalhámo-nos outra vez, mas Gondomar suspirou, desanimado, e antes de se afastar ainda rematou: Partiremos amanhã, depois das celebrações da Páscoa. Se algum de vós mudar de ideias, vinde ter comigo. Mal deixámos de o ver, Afonso Henriques levantou-se e declarou: Não esperamos mais pelo Braganção! Vamos aos javalis! Só Ramiro se manteve quieto. Quando o príncipe lhe perguntou se desejava ir também o pobre rapaz abanou a cabeça, e ficou para trás, sozinho, às portas das cozinhas do castelo. Parecia mesmo perdido no seu desgostoso universo. Como me enganei...

Era sabido que dona Teresa e Fernão Peres aproveitavam as longas manhãs não apenas para o folguedo, mas também para a conversa política, e há anos que Raimunda espiava aqueles diálogos régios íntimos. Naquele dia, ela ouviu a rainha invocar a sua afeição por Viseu, que fora no passado a capital da monarquia de Leão, e onde cem anos antes o seu antepassado Afonso V de Leão morrera, ferido pela lança de um mouro. Depois, minha prima confirmou a meu pai e meu tio o que já era sabido: Paio Soares iria ser mordomo-mor; Bermudo Trava, governador de Viseu; e havia quatro casamentos na forja. O de meu pai com Teresa Celanova; o meu com Maria Gomes; o do Braganção com Sancha Henriques; e o de Paio Soares com Chamoa. Contudo, a mais perturbadora era a novidade final: Dona Teresa e Fernão Peres esforçavam-se por procriar um varão, e haviam folgado três vezes só naquela matina, em três posições diferentes! Meu pai e meu tio tinham empalidecido com o relato daquelas fogosidades extremas: um menino seria um rival perigosíssimo de Afonso Henriques, ao mesmo tempo um herdeiro legítimo e um Trava!» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

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