«(…) Principiou a murmurar-se na aldeia que a mulher de Prokófi fazia bruxedos. A nora dos Asstakhoves (os Asstakhoves moravam à ponta da aldeia, ao lado da casa de Prokófi) jurava que na segunda-feira de Pentecostes, ao nascer do Sol, tinha visto a mulher de Prokófi, em cabelo e descalça, ordenhar uma das vacas deles. Daí as mamas da vaca foram secando, até ficarem do tamanho do punho de uma criança: deixou de dar leite, e, pouco tardou, morreu. Houve, naquele ano, uma epizootia sem precedentes na região. Todos os dias, a lingueta de terra arenosa onde o gado ia beber ao Don se cobria de cadáveres de vacas e de vitelos. Em seguida, a doença atacou os cavalos. As manadas da stanitsa (Aldeia cossaca, sede de administração comunal) desataram a desaparecer. Foi então que por ruas e becos se espalhou o rumor sinistro...
Um dia,
depois da reunião da assembleia da aldeia, os cossacos apareceram em casa de
Prokófi, que saiu ao patamar a saudá-los: Que bom vento os traz por cá, velhos
cossacos? A multidão ia-se acercando do patamar, mas mantinha-se calada. Por
fim, um velho um pouco bêbedo gritou: Deixa-nos ver a tua bruxa, que a queremos
julgar. Prokófi precipitou-se para dentro de casa, mas foi apanhado no
vestíbulo. Um artilheiro enorme, a quem chamavam o Viga, dava-lhe com a cabeça
contra a parede e aconselhava-o: Não resistas, que é inútil. A ti ninguém te
faz mal. É a tua mulher que a gente quer. Mais vale suprimi-la que deixar
morrer a aldeia por falta de gado. Está, portanto, quieto, ou deito a parede
abaixo com a tua cabeça.
Tragam
essa cadela para o pátio!, ululou a multidão. Um camarada de regimento de
Prokófi agarrou a turca pelos cabelos com uma das mãos, enquanto com a outra
lhe tapava a boca escancarada de gritar, arrastou-a para fora de casa e
atirou-a aos pés da multidão. Um berro agudo cobriu o alarido das vozes. Prokófi
deitou ao chão seis homens, correu ao quarto e arrancou da parede o sabre que
dela pendia. Os cossacos fugiram da entrada, atropelando-se uns aos outros. De
um salto Prokófi galgou os degraus do patamar, fazendo girar por sobre a cabeça
o sabre que reluzia e silvava. A multidão teve um movimento de recuo e
dispersou-se pelo pátio. Junto ao celeiro, Prokófi alcançou o artilheiro Viga,
mais pesado que os outros, e, de uma sabrada de viés, dada pelas costas, abriu-o
do ombro esquerdo à cintura. Os cossacos que já estavam a arrancar as estacas
da paliçada atravessaram a eira e fugiram para a estepe.
Meia
hora mais tarde, a multidão de novo encorajada aproximou-se do pátio. Dois mais
atrevidos penetraram a tremer no vestíbulo. À entrada da cozinha, a mulher de
Prokófi estava num charco de sangue, de cabeça ao desamparo; a língua, mordida,
movia-se-lhe entre os dentes, que, do sofrimento, se lhe arreganhavam. Prokófi,
de cabeça percorrida de estremecimentos e olhar fixo, segurava nas mãos,
envolta na sua peliça de pele de carneiro, uma coisinha de carne que chiava:
uma criança nascida antes de termo. A mulher morreu na noite desse mesmo dia.
Compadecida, a mãe de Prokófi tomou conta da criança prematura. Colocaram-na em
farelos aquecidos em vapor de agua e alimentaram-na a leite de burra. Um mês
mais tarde, quando já havia a certeza de que aquele turcozinho trigueiro se
dispunha a viver, levaram-no à igreja para o baptizarem. Recebeu o nome de
Pantelei, como o avô». In
Mikhail
Cholokhov,
O Don
Tranquilo I, Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, 1983, S/ISBN.
JDACT, Literatura, Mikhail Cholokhov, A Arte,