«(…) O jovem deixou escapar um assovio baixo. Uma semana atrás, completou Yakub, No Cairo. A Espada da Vingança. Ele morreu? Não, sobreviveu. Por pouco. O jovem soltou um gemido. Que pena! Acabe com todos os burocratas e o mundo será um lugar bem mais saudável. Esse curry está soberbo, Yakub. Duas moças europeias levantaram-se de uma mesa no outro extremo do jardim e passaram por eles. Uma delas voltou-se, dando uma olhada no jovem, e sorriu. Ele a cumprimentou com um gesto de cabeça. Acho que ela gostou de você, brincou Yakub, depois que elas se afastaram. Pode ser, o jovem deu de ombros para o companheiro. Mas quando eu contar a ela que sou um arqueólogo, vai querer uma boa distância de mim. A primeira regra da arqueologia, Yakub... Nunca diga a uma mulher o que faz. É o beijo da morte. Ele terminou seu curry com batatas fritas e reclinou-se, as moscas zumbindo na árvore acima da sua cabeça. O ar estava impregnado com o cheiro do braseiro, da fumaça de lenha e da carne tostada. Bem, quanto tempo está planeando ficar por aqui?, perguntou Yakub. Em Siwa? Mais uma hora, acho. E depois, volta para o deserto? Depois, volto para o deserto. Yakub assentiu com a cabeça. Já está lá há um ano. Você volta, compra suprimentos e depois desaparece outra vez. O que anda fazendo lá no meio do nada?
Medições, sorriu o jovem. E cavo
buracos. E desenho diagramas. Mas, quando o dia está realmente bonito tiro
fotos, também. E o que está procurando? Um túmulo? O jovem deu de ombros. Acho
que pode chamar assim. Mas já encontrou alguma coisa? Quem sabe, Yakub? Talvez.
Talvez não. O deserto é hábil em pregar artefactos na gente. Nós pensamos que
encontramos alguma coisa, daí vamos ver e não encontramos nada, realmente. E quando
pensamos que não encontramos porcaria nenhuma, de repente descobrimos algo que
vale a pena. O Saara, como dizemos lá na minha terra, é um grande filho da pu…
enganador.
Para dizer isso, ele falou em
inglês, e Yakub repetiu as palavras, lutando para tirá-las da boca. O jovem
achou graça, tirando cigarros e uma pequena bolsa de maconha do bolso da
camisa. Isso mesmo, Yakub. E isso nos dias em que a gente está com sorte. Ele
enrolou um bocado com habilidade, acendendo-o e tragando profundamente, depois
inclinando a cabeça para trás contra o tronco da palmeira e exalando a fumaça,
satisfeito. O senhor fuma demais essa porcaria, dr. John, advertiu o egípcio. Vai
acabar fazendo mal. Ao contrário, meu amigo, suspirou o jovem, fechando os
olhos, Aqui no deserto é a única por… que consegue manter a minha sanidade. Ele
deixou o hotel uma hora mais tarde, o envelope pardo ainda seguro na sua mão. A
tarde agora adiantada, com o sol mergulhando no oeste, sua coloração passando
de um amarelo aguado para um alaranjado cítrico. Ele atravessou de volta a praça,
até ao jipe, agora carregado de caixas com provisões.
Entrando no veículo, deu partida
e, indolentemente, conduziu-o pelos cinquenta metros até à entrada da única
garagem da cidade. Complete, disse ao frentista. Encha também os galões de
reserva. E ponha água nos recipientes plásticos. A da bica serve. Ele jogou as
chaves para o frentista e caminhou cerca de cem metros estrada acima até ao
correio. Já dentro, abriu o envelope pardo, retirou uma série de fotografias,
examinou-as, em seguida recolocou-as no envelope, lambendo-lhe a aba e fechando-o.
Quero enviar esta correspondência. Registada, disse ao homem no balcão. O homem
pegou o envelope, pesou-o e, puxando um formulário da gaveta em baixo da
escrivaninha, começou a preenchê-lo. Professor Ibrahim az-Zahir, disse ele,
lendo o nome escrito na parte frontal, enunciando-o para ter certeza de que tudo
estava correcto. Universidade do Cairo. O jovem recebeu uma cópia do
formulário, pagou e, deixando o envelope, voltou a pé para a garagem. O tanque
do jipe, os tanques reservas e os recipientes de água estavam cheios agora e,
com uma última olhada ao redor da praça do mercado, ele tornou a subir no
veículo, ligou o motor e conduziu-o lentamente para fora da cidade. Parou por
instantes no limiar do deserto e olhou, pensativo, para a cidade que deixava
para trás. Depois, ligando o rádio-estéreo, acelerou o motor e avançou para a frente,
penetrando através do terreno arenoso.
O seu corpo foi encontrado dois
meses mais tarde. Ou pelo menos o que restou dele, carbonizado na fornalha do
jipe incendiado. Um grupo de turistas num safari pelo deserto deu por acaso com
o veículo a cerca de cinquenta quilómetros a sueste de Siwa, capotado ao pé de
uma duna, casco de metal disforme com algo dentro que lembrava uma forma
humana. Ele tinha, assim parecia, capotado ao tentar transpor a duna, embora
não fosse uma duna particularmente escarpada e, curiosamente, houvesse outras
marcas de pneus por perto, como se ele não estivesse sozinho quando o acidente
aconteceu. O corpo estava tão desfigurado que só pôde ser identificado
conclusivamente pelos registos das arcadas dentárias que foram enviados dos
Estados Unidos». In Paul Sussman, O Exército Perdido, 2005, Bertrand Editora,
2016, ISBN 978-972-253-057-6.