De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgias
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É chegado, assim, o momento do penúltimo salto na
trajectória do prelado político. Como homem de seu rei, recebeu o chapéu eclesiástico
vermelho em 1444. Afonso não teve sequer de insistir excessivamente com o papa.
O rigoroso jurista espanhol era muito benquisto às margens do Tibre. Idoso, sem
raízes dentro do aparato curial e não muito rico, ele não representava uma ameaça
para ninguém. No entanto, aquele que reinava sobre Nápoles e Sicília contava
agora com um activo defensor de seus interesses dentro do Senado da Igreja. De
sua residência, nos arredores de sua igreja titular Santi Quattro Coronati, próximo
a Latrão, Alonso Borja nunca perdeu de vista as obrigações de cliente perante
seu patrão, continuando a trabalhar incansavelmente para seu senhor, fosse na
concessão de benefícios, fosse em questões eclesiásticas. Essa lealdade cega
era apenas um lado da moeda. Como um dos vinte cardeais, o homem de Xátiva
pertencia agora à elite de liderança exclusiva da Igreja. E essa cor púrpura
brilhou muito além das dependências da cúria. As cabeças coroadas do mundo
dirigiam-se a um cardeal como meu primo. Isso porque ele era um príncipe
da Igreja, usufruía de poder, mas não de soberania. Se dependesse dos próprios
cardeais, isso era algo que estaria prestes a mudar. Como grupo, eles estavam
tentando garantir a autonomia nas tomadas de decisão da Igreja, pressionando o
papa a ser o órgão executivo de sua vontade. Mas o papa, por sua própria natureza,
não estava de acordo e reagiu contrariamente. Aproximadamente na metade do século
XV, essa questão relacionada ao poder dentro da cúria ainda não estava
definitivamente esclarecida.
Para o novo
cardeal, no entanto, era o momento de expressar seu agradecimento. Seguida de Deus
e do rei, a próxima na fila era a sua família. E, com ela, o círculo de apoio
formado por amigos, ou seja, seus valiosos aliados. Pairavam sobre aquele que
atribuía o sucesso apenas a si mesmo fortes suspeitas do grave pecado do
orgulho e da soberbia, que já fora responsável pela queda de Lúcifer do céu
para o inferno. A virtude da piedade, a submissão reverente aos costumes dos
antepassados e o perfeito elo com sua devoção ajudavam contra os impulsos de
seu dilatado ego. Concretamente, obrigava-se que parentes e amigos, e
justamente nessa ordem, recebessem as bênçãos da ascensão. Assim sendo, dois
sobrinhos de Alonso ocupavam o topo dessa hierarquia. Ambos eram fruto do
casamento de sua irmã Isabel com dom Jofre Borja, um descendente do ramo principal
da família: Rodrigo, o futuro Alexandre VI, bem como seu irmão Pedro Luís.
Rodrigo foi designado, ainda muito jovem, a seguir a carreira eclesiástica.
Esse era o plano de carreira típico daquela época. Com um membro da família
sentado na cadeira episcopal de Valência, seria uma falha injustificável abrir
mão desse privilégio. As posições de liderança dentro da Igreja eram herdadas
geralmente de acordo com o celibato, não de pai para filho, mas de tio para sobrinho.
Regulamentada por regras minuciosamente elaboradas, a prática da concessão de benefícios
oferecia grandes oportunidades para isso. Embora o papado tenha sofrido muitas perdas
durante o cisma, muitos dos prestimónios mais lucrativos continuaram a ser
concedidos em Roma, ainda que, muitas vezes, em conjunto com os governantes
seculares. A vocação ou aptidão pessoal não desempenhavam um papel importante
para se ingressar no sacerdócio. Somente com as reformas do Concílio de Trento
(1545-1563), essa disposição individual passou a ser normativa.
Para a profissão do
jovem Rodrigo Borja, a ascensão de Alonso foi fundamental. Carreiras como a do
grande jurista formavam o elemento móvel de uma sociedade que vinha se consolidando
de forma considerável, particularmente na Itália. Cada prelado que conseguisse chegar
à cúpula da Igreja levava prontamente consigo a sua família, munido do afã
indomável de lá se estabelecer por tempo indeterminado. Esse mecanismo
frustrava não apenas os romanos natos, mas também escasseava os recursos para
os futuros jovens promissores. E, com isso, anunciavam-se graves conflitos na
distribuição de recursos. Como muitos fizeram antes e depois dele, o cardeal de
Xátiva também tomou medidas de precaução para garantir a futura posição dos
seus. Ele deve ter levado Rodrigo para Roma por volta de 1449. Naquela época,
seu protegido, que curiosamente após a morte do pai tinha-se mudado com a mãe
para o desocupado palácio episcopal de Valência, já estava bem arranjado, com
cargos dentro da Igreja e bons vencimentos. Um cônego em Xátiva, por exemplo,
gozava de rendimentos consideráveis. Era mérito de seu ilustre filho cardeal
Alonso que houvesse cónegos na pequena cidade. Alonso tinha promovido a paróquia
local para colegiado, isso também é piedade. Para além de uma longa missão
diplomática a serviço do papado, Rodrigo Borja, cujo nome está mudando gradualmente
para a forma italiana Borgia,
não deverá mais abandonar a Itália. No círculo mais íntimo da família e do
poder, contudo, mesmo como papa continuará até o fim falando e escrevendo em
catalão». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o Papa
Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.
Cortesia de EEuropa/JDACT
JDACT, Vaticano, Religião, Volker Reinhardt,