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Por volta de 1453, o sobrinho do cardeal dedicou-se
aos estudos de Direito em Bolonha. Os primeiros traços conhecidos de seu carácter
devem ser contemplados com muita cautela. Os humanistas tinham a tendência de
reescrever em elegante latim conhecidos lugares-comuns da Antiguidade Clássica.
E isso se aplicava ainda mais quando se tinha de fazer uma lista com as qualidades
de personalidades poderosas e de outras que poderiam vir a sê-lo. Acreditava-se
poder distinguir nesses textos contornos de uma autêntica individualidade,
mesmo com todas as violações: na ênfase da imponência física, no louvor à rápida
faculdade de compreensão e agilidade mental, na capacidade de fazer manobras,
assim como no talento de administrar e dominar. Todas essas qualidades deveriam
ser amplamente demonstradas, pelo assim descrito, em 36 anos de cardinalato e
onze de pontificado. Informações adicionais sobre esses primeiros anos são, no
entanto, muito raras. Dentro da cúpula da Igreja, seu tio não desfrutava muito destaque.
Essa falta de proeminência não conseguiu impedir a sua próxima escalada. No
conclave, quando as partes em conflito não chegavam a um acordo, entravam em
cena os candidatos de conciliação. A idade de Alonso Borja o qualificava, de
mais a mais, a esse papel. Afinal, havia outros que também queriam uma parte
desse quinhão. Além disso, os pontificados muito longevos provocavam, não raro,
graves distúrbios. A distribuição de poder, as influências e as riquezas
cristalizavam-se de forma unilateral em benefício dos sobrinhos do papa e seus
clientes.
Enquanto outros
protagonizavam manchetes diplomáticas e culturais, o cardeal de Valência, como
era conhecido agora, esperava tranquilamente. No conclave de 1447, pouco
sobressaiu. Nesse conclave, para surpresa de todos, o vencedor foi o humanista
Tommaso Parentucelli, que adoptou o nome de Nicolau V. Durante os oito anos de
seu pontificado, a Itália foi palco de profundas transformações políticas. Em
1450, Francesco Sforza, o único arrivista verdadeiro entre os governantes
seculares da península, ascendeu ao trono ducal de Milão. Longas negociações
com as principais famílias da aristocracia antecederam a disputa pelo trono,
que, após a extinção dos Visconti, curiosamente favoreciam o mais fraco entre
muitos candidatos. Seguindo essa linha, o domínio da nova dinastia permaneceu
fora de perigo enquanto estiveram conscientes dos pactos assumidos com a sua
elite, ou seja, enquanto respeitaram ou ampliaram seus privilégios e agiram com
a máxima cautela em assuntos relacionados à política externa. Além do mais, Bórgia
e Sforza eram velhos conhecidos. O novo duque já tinha dado provas de suas
aptidões para exercer funções mais elevadas, quando foi líder de um exército
mercenário durante a tortuosa luta pelo trono napolitano, da qual Afonso Aragão
saiu vencedor. Em horizontes longínquos, foi traçado um cenário de três
diferentes ângulos que revelava grande tensão: os Sforza e os Aragão,
primeiramente rivais, depois aliados por muito tempo e, finalmente, inimigos
mortais. Aliado a isso, os papas dos Bórgia tinham como objectivo tirar proveito
dessa rivalidade para consolidar seu próprio domínio. No final das contas,
Alexandre VI contribuirá de forma significativa para que uma dinastia permaneça
por muito tempo no poder e para que a outra lá fique por mais de uma década.
Em meados do século
XV, eventos ocorridos fora da península foram cruciais para a Itália. O fim da
Guerra dos Cem Anos, entre Inglaterra e França, teve como consequência a rápida
consolidação da monarquia francesa. Sob a forma de influência de carácter
diplomático, essa revitalização da monarquia tornou-se cada vez mais perceptível
entre os Alpes e o Monte Etna já a partir de 1460. Com excepção de uma
tentativa fracassada de fazer que a Casa de Anjou voltasse a se sentar no trono
napolitano, as intervenções militares directas ficaram, naquele momento, de
fora. Em contrapartida, o rei Luís XI encontrava-se bastante ocupado em outras frentes,
especialmente na luta contra o duque da Borgonha, Carlos, o Temerário». In Volker Reinhardt,
Alexandre VI, Bórgia, o Papa Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN
978-857-960-127-9.