segunda-feira, 14 de março de 2022

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Olhei para cima com os olhos semicerrados enquanto a corda descia. Se não consegue subir sozinho pela corda, segure na ponta que eu puxo, sugeriu ele, mas não de um modo indelicado»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

«(…) Por duas vezes, enganou a morte, afirmou, enquanto abria a minha boca à força e despejava água pela minha garganta abaixo, pois o certo era ter morrido aqui por falta de água. Subiu novamente e voltou com um pedaço de pão e uma pele cheia de um azedo vinho tinto. Quebrando o pão em pedaços, molhava-o no vinho e observava enquanto eu tentava engolir. Grunhiu ao me ajudar a ficar de pé. Talvez você tenha nascido sob uma estrela especial.

Uma pequena galé mercante espanhola fora avistada no horizonte. O tenente não se importava se eu estava vivo ou não: mesmo se estivesse semimorto, ele teria me jogado por cima do costado, mas agora via uma possibilidade de me trocar por alguma bebida alcoólica. Um barril de vinho barato foi o quanto eu valia. E, mesmo assim, com relutância. Foi mais com um espírito de apaziguamento que o capitão da galé concordou com a troca, pois os soldados mantiveram as suas armas apontadas para o barco menor. Bem afundada na água, sem alojamentos cobertos para os ocupantes, a galé era dotada apenas parcialmente de convés, com um grosseiro pano de vela mastreado como toldo na popa, fechado de ambos os lados para protecção contra a fúria dos elementos. Havia um canhão de pequeno porte montado na frente, e, embora poucos tripulantes carregassem facas nos cintos, eles seriam facilmente dominados por um navio maior equipado com canhões e homens armados. A negociação foi feita em minutos, e o destino decretou que eu me tornasse um rato de galé. O soldado ruivo foi-me buscar para me fazer subir ao convés. A escotilha se abriu novamente, e o sol brilhou no meu rosto. Olhei para cima com os olhos semicerrados enquanto a corda descia. Se não consegue subir sozinho pela corda, segure na ponta que eu puxo, sugeriu ele, mas não de um modo indelicado. Cambaleei adiante para agarrar a ponta oscilante da corda. Algo cintilou na luz.

Presa entre as amarras de um fardo havia uma faca. Era comprida e de lâmina estreita: do tipo que uma mulher usaria para descascar legumes. Posteriormente, descobri que era do tipo usado por funcionários do governo para cortar os cordões durante o processo de afixar o selo da aduana em mercadorias tributáveis. A faca devia ter ficado presa enquanto a carga era inspeccionada antes de ser levada para o navio. Alcancei-a, e, num instante, estava na minha mão. Mas onde escondê-la? Curvando-me para bloquear a vista de quem estivesse vigiando de cima, cortei a parte interna do cós da calça e enfiei a faca lá dentro. Uma corda foi colocada do navio militar à galé para transferir o barril de vinho. Uma ponta de uma segunda corda foi amarrada na minha cintura e a outra ponta foi presa à primeira. Então fui jogado por cima do costado. Os tripulantes da galé me puxaram através do espaço vazio, mas eu estava fraco demais para subir pela corda até ao barco deles. O navio soltou sua ponta da corda, e eu teria sido colhido pela contracorrente, mas ouvi uma voz gritar da galé: Puxem ele! Puxem ele! Engasgando e tossindo, pousei na larga plataforma da popa da galé. O homem que dera a ordem se aproximou de mim. Ele era uma estranha visão, vestido com camisa, calções e perneiras pretas encimados por uma jaqueta justa azul-pavão com três-quartos de comprimento, bordada abundantemente com fios de prata». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

Cortesia de GRecord/JDACT

 JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,