«As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam». In Pense diferente, Apple, 1997
Infância. Abandonado e escolhido. A adopção
«(…) Não, precisa de um
amplificador, o pai lhe assegurou. E, quando Steve protestou, o pai disse que
ele estava maluco. Não pode funcionar sem um amplificador. Tem algum truque
nisso. Eu continuava dizendo que não ao meu pai, dizendo que ele tinha de ver a
coisa, e por fim ele desceu a rua comigo e viu. E disse: Está bem, o diabo que
me carregue!. Jobs lembrou-se do incidente vividamente porque foi a primeira vez
que percebeu que seu pai não sabia tudo. Então, começou a se dar conta de uma
coisa mais desconcertante: era mais inteligente do que os pais. Jobs sempre
havia admirado a competência e a esperteza de seu pai. Ele não era um homem
instruído, mas sempre achei que era bem inteligente. Não lia muito, mas era
capaz de fazer muita coisa. Era capaz de entender quase tudo que fosse
mecânico. No entanto, o incidente do microfone de carbono deu início a um
processo dissonante de perceber que ele era de facto mais inteligente e
perspicaz do que seus pais. Foi um momento muito importante, que está gravado
na minha mente. Quando me dei conta de que era mais inteligente do que meus
pais, senti uma vergonha tremenda por ter pensado isso. Nunca vou esquecer
aquele momento. Essa descoberta, disse ele mais tarde a amigos, além do facto
de que era adoptado, o fez-se sentir um pouco à parte, distante e separado,
tanto de sua família como do mundo.
Outra camada de consciência se
acrescentou a essa logo depois. Ele não só percebeu que era mais brilhante do
que os pais como descobriu que eles sabiam disso. Paul e Clara Jobs eram pais
amorosos e estavam dispostos a adaptar suas vidas à situação de ter um filho
que era muito inteligente, e também teimoso. Eles se esforçariam muito para
servi-lo, tratá-lo como alguém especial. E, em breve, Steve também descobriu esse
facto. Meus pais me entenderam. Eles sentiram que tinham muita
responsabilidade, depois que perceberam que eu era especial. Descobriam
maneiras de me dar coisas e me pôr em escolas melhores. Estavam dispostos a se
submeter às minhas necessidades. Desse modo, ele cresceu não só com o
sentimento de ter sido abandonado, mas também de que era especial. Em sua
opinião, isso foi mais importante na formação de sua personalidade.
Antes mesmo de entrar na escola,
sua mãe o havia ensinado a ler. Isso, no entanto, criou alguns problemas. Eu
andava meio entediado nos primeiros anos, então ocupava-me em encrencas. Também
ficou logo claro que Jobs, por natureza e criação, não estava disposto a
aceitar a autoridade. Me vi diante de uma autoridade de um tipo diferente da
que eu conhecia, e não gostei. E eles realmente quase me pegaram. Chegaram
perto de tirar qualquer curiosidade minha. Sua escola, a Monta Loma Elementary,
uma série de prédios baixos dos anos 1950, ficava a quatro quadras (132
m) de sua casa. Ele combatia o tédio pregando peças. Eu tinha um amigo chamado
Rick Ferrentino, e nós arranjávamos todo tipo de encrenca. Como quando fizemos
pequenos cartazes anunciando Traga seu animal de estimação para a escola. Foi
uma loucura, com cães perseguindo gatos por toda a parte, e os professores
ficaram malucos. Noutra ocasião, eles convenceram as outras crianças a lhes
dizer os números da combinação dos cadeados de suas bicicletas. Depois fomos
para o pátio e trocamos todos os cadeados, e ninguém conseguiu sair com as
bicicletas. Demoraram até tarde da noite para acertar as coisas. Quando ele
estava no terceiro ano, as brincadeiras se tornaram um pouco mais perigosas. Uma
vez detonamos um explosivo debaixo da cadeira da nossa professora, a senhora
Thurman. Ela ficou com um tique nervoso. Não surpreende que ele tenha sido
mandado para casa duas ou três vezes antes de terminar o quarto ano. Seu pai,
no entanto, já havia começado a tratá-lo como especial, e na sua maneira calma,
mas firme, deixou claro que esperava que a escola fizesse o mesmo. Olhe, não é
culpa dele, disse Paul Jobs aos professores, conforme lembrou o filho. Se não
conseguem mantê-lo interessado, a culpa é de vocês. Jobs não se lembrou de que
seus pais alguma vez o tivessem punido pelas transgressões na escola. O pai do
meu pai era alcoólatra e o chicoteava com um cinto, mas acho que eu nunca fui
espancado. Seu pai e sua mãe, acrescentou, sabiam que a culpa era da escola por
tentar me fazer memorizar coisas estúpidas em vez de me estimular. Ele já
começava a mostrar a mistura de sensibilidade e insensibilidade, irritabilidade
e indiferença que o marcaria pelo resto da vida». In Walter Isaacson, Steve Jobs
(Edição 1), tradução de Berilo Vargas, Denise Bottmann, Pedro Soares, Editora
Companhia das Letras, Wikipedia, iOS Books, LegiLibro, 2011, ISBN
978-853-591-971-4.
Cortesia ECdasLetras/JDACT
JDACT, Walter Isaacson, Steve Jobs, Cultura e Conhecimento,