A Bastarda do Formoso
«(…) O jovem conde,
porém, não anuiu de bom grado ao casamento, nem nos desposórios nem quando posteriormente
se tratou de o efectuar. Fugiu para Avinhão, de onde só regressou apertado
pelas ameaças paternas e a muito custo, ante o altar, disse o sim sacramental,
em 1378. Mas não consumou o casamento. Morto o rei seu pai, Afonso pediu e, em
1379, obteve o divórcio, mas dele não se aproveitou, pois que não só consumou o
matrimónio como teve de sua mulher vários filhos. E dona Isabel, esposa
exemplar ou pura e simplesmente agradecida, nunca deixou de estar ao lado do
marido, a quem acompanhou nas guerras que ele fez ao rei João de Castela, seu
meio-irmão. Sofreu por isso a prisão, a confiscação dos seus bens e o exílio.
Após a morte do conde
de Gijón, em Marans (França), no ano de 1395, dona Isabel regressou a Portugal,
trazendo consigo seis filhos: (1) Pedro Noronha, arcebispo de Lisboa e pai de
nada menos do que sete filhos, todos evidentemente bastardos; (2) Fernando
Noronha, conde de Vila Real pelo seu casamento; (3) Sancho, primeiro conde de
Odemira; (4) Henrique Noronha, capitão da gente de guerra na tomada de Ceuta;
(5) João Noronha, sem descendentes; e (6) Constança Noronha, primeira duquesa de
Bragança pelo seu casamento com dom Afonso, filho de dom João I, de quem não
teve geração.
De dona Isabel descendem, entre
muitos outros, o escritor e jornalista Tiago Rebelo, o pintor Luís Noronha
Costa e a fadista Teresa Tarouca, que igualmente descende de Afonso Dinis e
Urraca Afonso, bastardos de Afonso III. A condessa de Noroña e Gijón é ainda
antepassada de Guilherme d’Oliveira Martins, que também descende de dona Teresa
Sanches e Afonso Dinis (bastardos de Afonso III), e do advogado Francisco Teixeira
Mota, que, sendo descendente de dona Teresa Sanches, dona Urraca Afonso e Martim
Afonso Chichorro, descende também por via bastarda do rei Afonso IX de Castela.
Os
Bastardos de Avis. Os Bastardos do Rei Bastardo
O único bastardo que foi rei de Portugal teve, também ele,
filhos fora do casamento: um rapaz e uma rapariga, nascidos antes de João I
casar com dona Filipa de Lencastre. O rapaz chamou-se Afonso e viu a luz entre
1370 e 1377; a rapariga recebeu o nome de Beatriz e veio ao mundo entre 1378 e
1380. Discute-se ainda hoje o nome de sua mãe. Mas a maioria dos historiadores
e genealogistas entende que eles nasceram da relação do rei de Boa Memória, quando
era ainda mestre da Ordem de Avis (e estava por isso obrigado à castidade), com
Inês Pires, que era muito provavelmente filha de Pêro Esteves, o Barbadão. Conheceram-se, ao que
se diz, numa cerimónia religiosa da Ordem. E só se separaram quando dom João
casou. Inês saiu então da sua casa, ao pé da Cordoaria Velha, em Lisboa, e
recolheu-se no Convento de Santos, de que se tornou comendadeira.
Dona Beatriz tinha
pouco mais de 13 anos quando se tratou do seu casamento em Inglaterra. A ideia
do consórcio partiu da rainha dona Filipa de Lencastre, sua madrasta, que o
recomendou vivamente ao rei Henrique IV de Inglaterra, seu irmão. Acordou-se
então que dona Beatriz havia de casar com Tomás Fitzalan, conde de Arundell,
que foi um dos primeiros entre os nobres que ajudaram Henrique de Bolingbroke,
o filho de João de Gaunt, duque de Lencastre, a conquistar a coroa de
Inglaterra. O contrato nupcial foi assinado a 21 de Abril de 1404. E, em
Outubro de 1405, dona Beatriz partiu para Inglaterra. Foi por mar com muita honra,
diz o Livro da Noa de
Santa Cruz de Coimbra, levando um avultado dote de 50 mil coroas. Acompanhou-a
seu irmão, Afonso.
A chegada a
Inglaterra no princípio de Novembro foi solene. E solene também foi o casamento
a 16 do mesmo mês, celebrado na presença de Henrique IV e de toda a corte, na
capela gótica de Lambeth, que fica sobre a margem direita do Tamisa, escreve o
conde de Sabugosa, que acrescenta: Era o conde de Arundell a esse tempo um
rapaz alto, forte, espadaúdo, e realizando o perfeito tipo da raça a que
pertencia. Celebrado o matrimónio, partiu dona Beatriz para os domínios de seu
marido, acompanhando-a sua dama favorita, Inês Oliveira. Viveu tempos felizes. Mas,
aos 23 anos, ficou viúva, depois de Tomás falecer, vítima de uma epidemia, a 13
de Outubro de 1415, o dia em que ele completava 34 anos. Sem filhos, dona
Beatriz teve de abandonar o castelo de Arundell. Possuía, no País de Gales, as
terras que constituíam as suas arras. Os herdeiros do marido contestaram-lhe a
posse, invocando a sua qualidade de estrangeira. Mas ela fez-lhes frente e
venceu-os.
Em 1432, John
Holland, conde de Huntingdon, filho do duque de Exeter, pediu a mão da condessa
viúva de Arundell. E o casamento celebrou-se. Em 1439, acompanhou o marido, que
foi combater para França. E, achando-se em Bordéus, adoeceu e, a 25 de Outubro,
morreu. A instâncias da família do primeiro marido, foi o seu corpo trasladado
para Inglaterra e enterrado no sumptuoso mausoléu da capela de S. Nicolau, ao
lado do conde com quem primeiro casara». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os
Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,