«(…) Você me pediu para aguardar com expectativa a próxima obra, disse Komatsu. É claro que eu gostaria de ter essa expectativa. Não há nada mais gratificante para um editor do que criar com carinho um jovem escritor dando-lhe tempo. É emocionante ser o primeiro a descobrir uma estrela nova numa noite de céu límpido. Mas, sinceramente, acho difícil essa garota ter uma segunda chance. Vivo nesse mundo literário há vinte anos. Vi muitos escritores surgindo e desaparecendo. Por isso, posso dizer que aprendi a discernir aqueles que vão vingar daqueles que não. Eu diria que essa garota não terá uma próxima vez. Sinto muito dizer isso, mas não vai ter a próxima nem a próxima da próxima. Para começar, não é uma questão de tempo e estudo o que irá melhorar o texto. Por mais que se espere, a espera será em vão. Sabe porquê? Porque essa pessoa não tem nenhuma gota de vontade de escrever um texto bom, um texto benfeito. Só há duas maneiras de uma pessoa escrever bem: ou ela já nasce com esse talento literário ou ela precisa se empenhar, e muito, para conseguir aprimorar a redacção. E essa garota chamada Fukaeri não se enquadra em nenhuma dessas possibilidades. Como mesmo deve ter notado, ela não tem vocação e, pelo visto, não tem também vontade de se esforçar para tal. Não sei dizer-te o porquê disso. Mas me parece que ela não tem nenhum interesse pela escrita. Só que uma coisa é certa: vontade de contar uma história ela tem. E essa vontade é extremamente forte. Isso eu tenho que reconhecer. E foi essa vontade, expressa de forma espontânea, que te fisgou e igualmente me fez ler a história até ao fim. De certa forma, é realmente admirável. Mas, apesar disso, como escritora, ela não tem futuro. As chances de vingar como escritora são praticamente nulas. Sei que estou decepcionando, mas essa é a minha opinião.
Tengo pensou no que acabara de
ouvir. Precisava admitir que de alguma forma Komatsu tinha razão. Afinal, era a
intuição de um editor. Mas não seria nada mau dar uma chance a ela, não acha?,
perguntou Tengo. Quer dizer, jogá-la na água para ver se ela nada ou afunda? Simplificando,
é isso. Até hoje, fui responsável pela morte literária de muita gente. Não
quero ver mais gente se afogando. E a minha situação? Você pelo menos está se
esforçando, disse Komatsu, escolhendo as palavras. Para mim, é uma qualidade.
Você tem uma postura extremamente humilde em relação ao acto de escrever. Sabe
porquê? Porque você gosta de escrever. Isso também é algo que valorizo em você.
Gostar de escrever é muito importante para quem quer se tornar um escritor,
sabia? Mas isso não é tudo.
É
claro que não é tudo. É preciso ter algo
especial. Eu sou da opinião de que uma obra precisa, no mínimo, ter algo
de imprevisível. O que mais valorizo, especialmente num romance, são essas
coisas que eu não consigo prever. Quando leio algo que facilmente consigo
desvendar, perco totalmente o interesse. Parece óbvio, não parece? Nada mais
natural». In Haruki Murakami, 1Q84, 2009, Casa das
Letras, 2011, ISBN 978-972-462-053-4.
Cortesia de CasadasLetras/JDACT
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