Quarenta e quatro anos antes. Lisboa, Outono de 1405
«(…) Atrás dos infantes, vinha
ainda o numeroso cortejo da nobre gente, de Portugal e de Inglaterra, com a fidalguia,
os príncipes da Igreja, o alcaide, os juízes, os ricos mercadores que gozavam
do favor d'el-rei, os cavaleiros, os escudeiros e a fanfarra por todo o lado.
Pedro e Duarte riram quando um
petiz se aproximou deles, imitando o passo bem sincopado dos cavalos com as
pernas magras, as mãos a reproduzir a pose dos infantes a segurar as rédeas. Dizia-lhes
qualquer coisa, mas não se distinguiam palavras, naquele cântico de centenas de
vozes.
No cais de embarque, calava-se o
barulho da festa e só havia lugar para a tristeza, na hora da despedida da infanta.
Foi a primeira vez que Pedro viu lágrimas nos olhos do pai desde a morte do
irmão Afonso.
João I mostrava o lado mole do
seu coração, agarrado à filha, naquele momento definitivo. Beatriz soluçava nos
braços do rei e não havia olhos enxutos perante o desgosto de quem pensa que se
vê pela última vez. Filipa secava o rosto com um lenço de seda, mais contida.
Adeus, minha filha, vai com Deus.
Foi tudo o que Pedro ouviu da voz cortada do pai, quando teve de se desprender
da infanta. Beatriz colocou a mão sobre a de Afonso. O conde de Barcelos escoltava-a
até Inglaterra, de onde partiria depois para uma longa viagem pela Europa.
Os dois irmãos curvaram-se
perante os reis. Quando se ergueram, nos olhos do conde não se via o vermelho
da emoção, mas o brilho do triunfo, por se ver distinguido com missão de
tamanho prestígio.
E se não passasse de uma lenda,
senhora? Dona Filipa pousou o livro de cavalaria que lia com o filho. Uma
lenda, Pedro? Camelot. A corte do rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. À
perfeição...
Não é uma lenda, disse a rainha
com firmeza. Artur representa a justeza de um rei que vem salvar um povo da
desesperança. A História do mundo e de Portugal mostra-nos que é verdade». In
Isabel Machado, Infante Dom Pedro, O Regente Visionário que o Poder quis Calar,
2021, Editorial Presença, Manuscrito, 2021, ISBN 978-989-897-590-4.
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