domingo, 27 de agosto de 2023

Infante dom Pedro. Isabel Machado. «Os dois irmãos curvaram-se perante os reis. Quando se ergueram, nos olhos do conde não se via o vermelho da emoção, mas o brilho do triunfo, por se ver distinguido com missão de tamanho prestígio»

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Quarenta e quatro anos antes. Lisboa, Outono de 1405

«(…) Atrás dos infantes, vinha ainda o numeroso cortejo da nobre gente, de Portugal e de Inglaterra, com a fidalguia, os príncipes da Igreja, o alcaide, os juízes, os ricos mercadores que gozavam do favor d'el-rei, os cavaleiros, os escudeiros e a fanfarra por todo o lado.

Pedro e Duarte riram quando um petiz se aproximou deles, imitando o passo bem sincopado dos cavalos com as pernas magras, as mãos a reproduzir a pose dos infantes a segurar as rédeas. Dizia-lhes qualquer coisa, mas não se distinguiam palavras, naquele cântico de centenas de vozes.

No cais de embarque, calava-se o barulho da festa e só havia lugar para a tristeza, na hora da despedida da infanta. Foi a primeira vez que Pedro viu lágrimas nos olhos do pai desde a morte do irmão Afonso.

João I mostrava o lado mole do seu coração, agarrado à filha, naquele momento definitivo. Beatriz soluçava nos braços do rei e não havia olhos enxutos perante o desgosto de quem pensa que se vê pela última vez. Filipa secava o rosto com um lenço de seda, mais contida.

Adeus, minha filha, vai com Deus. Foi tudo o que Pedro ouviu da voz cortada do pai, quando teve de se desprender da infanta. Beatriz colocou a mão sobre a de Afonso. O conde de Barcelos escoltava-a até Inglaterra, de onde partiria depois para uma longa viagem pela Europa.

Os dois irmãos curvaram-se perante os reis. Quando se ergueram, nos olhos do conde não se via o vermelho da emoção, mas o brilho do triunfo, por se ver distinguido com missão de tamanho prestígio.

E se não passasse de uma lenda, senhora? Dona Filipa pousou o livro de cavalaria que lia com o filho. Uma lenda, Pedro? Camelot. A corte do rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. À perfeição...

Não é uma lenda, disse a rainha com firmeza. Artur representa a justeza de um rei que vem salvar um povo da desesperança. A História do mundo e de Portugal mostra-nos que é verdade». In Isabel Machado, Infante Dom Pedro, O Regente Visionário que o Poder quis Calar, 2021, Editorial Presença, Manuscrito, 2021, ISBN 978-989-897-590-4.

Cortesia de EPresença/Manuscrito/JDACT

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