A Pedra do Exílio
Planalto
de Crécy. 26 de Agosto de 1346
«- Maynard desferiu-lhe um murro
no ventre, encontrando a resistência de uma brigantina guarnecida de tachas. A
mulher recuou. Por um instante, manifestou a intenção de desejar continuar a
bater-se, mas depois observou o homem morto por Vermandois e deteve-se, dividida
entre a raiva e a indecisão.
O barão picardo avançava para ele
e um passo vacilante, pronto a desferir a acha. A desconhecida da capa negra dirigiu
um último olhar a Maynard, como se desejasse desafiá-lo, ou seduzi-lo. por fim,
fugiu, diluindo-se na escuridão a mata.
O cavaleiro foi tentado a
segui-la, mas logo que viu Robert diante de si compreendeu que o barão se encontrava
em estado de desespero. Meu amigo..., murmurou, ao vê-lo abater-se na terra.
Inclinou-se sobre ele, julgando-o
perdido. Apercebendo-se de que ainda respirava, colocou-lhe a cabeça no seu
colo. Durante o combate, a cabeça do picardo sofrera um golpe bastante violento.
Estava suja de sangue, com uma ferida feia por cima da têmpora direita.
Maynard rasgou uma tira de tecido
para o enfaixar, de modo a bloquear a hemorragia, embora soubesse que um
remédio daquele tipo não era suficiente: Não vos abandonarei sussurrou-lhe,
quase para se tranquilizar a si mesmo. Como resposta, recebeu um grunhido
sonolento.
A madrugada começava a iluminar a
mata, no limite da clareira. Ainda abalado pelo sucedido e precisando de reflectir,
o cavaleiro forçou-se a não perder tempo. Selou os cavalos e carregou o companheiro
em fim de vida no seu corcel, prendendo-o ao arção e às correias para se
assegurar de que não o perdia durante o trajecto. Já sabia para onde o deveria
levar. Em meio-dia, contava entregá-lo aos cuidados de mãos experientes. No
entanto, antes de subir para a garupa, quis ver quem era o sicário morto durante
o confronto.
O
homem jazia de costas, com o tronco dilacerado por um golpe de acha. Trazia uma
capa preta e uma brigantina ornada de tachas, tal como a mulher que viera com
ele. Maynard reparou logo na fivela que tinha à cintura. Com grande espanto,
apercebeu-se de que reproduzia um escudo de armas com um leão de prata em campo
vermelho. Observou atentamente a insígnia, para se certificar de que não se enganara,
mas com angústia teve de se render às evidências. Era o mesmo que aparecia no
castão do anel cardinalício». In Marcello Simoni, A Abadia dos Cem
Pecados, 2014, tradução de Inês Guerreiro, Clube do Autor, 2016, ISBN
978-989-724-278-6.
JDACT, Marcello Simoni, Literatura, Conhecimento, Itália,