Sede de Vingança
A
Casa da Galigai
«Â
tempestade voadora de dezasseis cascos ferrados devorava a estrada estreita, rebocando
uma carruagem cujo habitáculo verde-escuro sem brasão e cortinas de couro descidas
não deixaram distinguir os ocupantes. Acabavam de atravessar Boissy-Saint-Léger
sem parar, evitando o fecho das portas e, à justa, uma carroça, salva da colisão
pelo portão de uma granja. Aquele dia de Abril de 1622 estava muito frio, já
era tarde e tratava-se de chegar antes do cair da noite.
O único lacaio do veículo lançado
a toda a velocidade ia agarrado na boleia com unhas e dentes, ao lado do
vigoros cocheiro quase tão largo quanto alto e cujos punhos seguravam com à-vontade
as rédeas dos quatro furiosos demónios da sua atrelagem. O homem chamava-se
Peran, um bretão maciço e silencioso com um chapéu preto enterrado até às
sobrancelhas, uma silhueta que se diria talhada a cinzel no seu granito natal. Ao
serviço da duquesa praticamente desde sempre, era-lhc totalmente devotado, totalmente
obediente, contestando-a apenas quando a sua fantasia imprevisível a fazia correr
perigo.
No
interior do veículo forrado de veludo verde e guarnecido de almofadas para
amortecer os solavancos do caminho, duas mulheres, sensivelmente da mesma idade,
iam sentadas cada uma no seu canto e no mais absoluto silêncio. Desde a saída de
Paris que não trocavam palavra. Uma delas era uma bela jovem morena de tez clara,
elegante, com um vestido cinzento bordado a sutache de seda, tão branca
como e pequena gola de renda engomada que lhe dava um ar fino, um pouco grave, talvez, mas iluminado por dois belos olhos aveludados
cor de castanha, uns olhos que regressavam sem cessar ao perfil imóvel da sua companheira
com uma profundidade e uma inquietação que não ousavam exprimir. Nunca Elen du Latz,
dama de companhia privilegiada da duquesa, lhe vira aquela expressão tensa, aqueles
lábios cerrados, aquelas pupilas cintilantes de lágrimas que um orgulho abrasador
impedia que caíssem e não percebia a razão de um tal estado de espírito por parte
daquela que era, sem dúvida, a mais bela e a mais invejada das damas do reino».
In
Juliette Benzoni, Marie, A Duquesa das Intrigas, Editiones Plon, Bertrand
Editora, 2004, ISBN 972-251-432-6.
Cortesia de BEditora/JDACT
JDACT, Juliette Benzoni, Literatura, Conhecimento, França,