«Salisbury ficava mais perto do que Tom pensara. Por volta da metade da manhã, subiram uma elevação e encontraram do outro lado uma estrada que descia suavemente à frente deles, numa longa curva; e depois dos campos banhados pela chuva, erguendo-se sobre a planície como um barco num lago, viram a cidade fortificada de Salisbury, erigida sobre uma colina. Seus detalhes estavam velados pela chuva, mas Tom pôde distinguir diversas torres, quatro ou cinco, elevando-se bem acima dos muros da cidade. Seu ânimo revigorou-se à vista de tanto trabalho de pedra.
Um
vento frio castigava a planície, congelando-lhes o rosto e as mãos, enquanto
seguiam a estrada que se dirigia ao portão leste. Quatro estradas se encontravam
ao sopé da colina, em meio a algumas casas dispersas, que davam a impressão de
terem extravasado da cidade, e foi ali que a eles se juntaram outros viajantes,
caminhando com os ombros encolhidos e a cabeça baixa, projectando-se por entre
o temporal para o abrigo das muralhas.
Na
rampa que dava no portão encontraram um carro de boi com um carregamento de
pedra, um sinal muito promissor para Tom. O carroceiro estava inclinado atrás
do carro de madeira crua, empurrando com o ombro, acrescentando a própria força
à da parelha de bois que subiam a rampa com muita dificuldade. Tom viu uma
chance de fazer um amigo. Convidou Alfred com um aceno e os dois puseram os
ombros na parte de trás do carro. As imensas rodas de madeira passaram com estrondo
por uma ponte de vigas sobre um enorme fosso seco. Era impressionante aquele
movimento de terra: a escavação da vala e o transporte da terra para construir
a muralha deviam ter consumido centenas de homens, pensou Tom; era um trabalho
muito maior que cavar os alicerces de uma catedral. A ponte sobre a vala tremeu
e rangeu sob o peso do carro de boi e dos dois vigorosos animais que o puxavam.
A rampa acabou, e o carro deslocou-se com mais facilidade pelo caminho plano,
quando se aproximaram do portão. O carroceiro endireitou-se, da mesma forma que
Tom e Alfred.
Fico-lhe
muito agradecido, disse o carroceiro. Para que é a pedra?, perguntou Tom. Para
a nova catedral. Nova? Ouvi dizer que estavam apenas aumentando a antiga. O
carroceiro assentiu com a cabeça. É o que diziam, dez anos atrás. Mas agora tem
mais coisas novas do que velhas. Mais notícias boas. Quem é o mestre
construtor? John de Shaftesbury, embora o bispo Roger tenha muito a ver com o projecto.
Aquilo era normal. Raramente os bispos deixavam os construtores fazer o trabalho
sozinhos. Um dos problemas dos mestres construtores era frequentemente acalmar
a imaginação febril dos clérigos e impor limites práticos às suas fantasias.
Mas seria John de Shaftesbury quem contrataria os homens. O carroceiro acenou
com a cabeça na direcção do saco de ferramentas de Tom. Pedreiro? Sim.
Procurando trabalho. Pode ser que consiga, disse o carroceiro, com
neutralidade. Se não for na catedral, talvez no castelo. E quem governa o
castelo? O mesmo Roger é bispo e castelão.
Claro,
pensou Tom. Tinha ouvido falar do poderoso Roger de Salisbury, íntimo do rei
durante muito tempo. Eles atravessaram o portal e entraram na cidade. O lugar
estava tão atulhado de construções, pessoas e animais que parecia em perigo de
explodir e derrubar sua muralha circular, caindo dentro da vala. As casas de
madeira erguiam-se uma do lado da outra, tão apertadas quanto espectadores de
um enforcamento lutando por espaço. Cada pedaço de terra, por minúsculo que
fosse, era utilizado para alguma coisa. Onde duas casas tinham sido construídas
com uma passagem entre elas, alguém erguera uma habitação de meio tamanho, sem
janelas porque a porta tomava quase toda a frente. Onde quer que o terreno
fosse pequeno, até mesmo para a mais estreita das casas, havia uma banca para
vender cerveja, pão ou maçãs; e se não houvesse espaço nem mesmo para isso, se
ergueria um estábulo, uma pocilga, uma esterqueira ou um barril de água». In Ken Follett, Os
Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5
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