domingo, 21 de janeiro de 2024

Hipátia de Alexandria. História e Cinema. José P. Farias Júnior. «A historiografia, ao contrário, informa-nos que, entre a invasão/ocupação do Serapeu (391) pelos cristãos, a morte de Teófilo (412), a ascensão de Cirilo (412), a morte de Sinésio (ca. 413) e a expulsão dos judeus de Alexandria bem como o assassinato de Hipátia (415)…»

Cortesia de wikipedia

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Sua contribuição académica, exercício do magistério e redes de sociabilidade são assinaladas por Sinésio, em parte de suas Epístolas, o qual havia sido seu discípulo e com quem trocava correspondências desde a juventude; além disso, identificamos autores cristãos contemporâneos a Hipátia, a saber: o cristão niceno, Sócrates Escolástico (ca. 379-450), em sua História Eclesiástica (VII, 15) e o cristão ariano, Filostórgio de Capadócia (nascido ca. 368), em obra homónima, cujo relato sobreviveu num epítome do século IX, provavelmente com o envolvimento de Fócio.

Após a morte de Hipátia, outros literatos tardo-antigos construíram memórias acerca da filósofa alexandrina, entre os quais: o cronista bizantino de Antioquia, João Malalas (491-578), na sua Chronographia; o historiador grego de Constantinopla, sob o reinado de Justiniano I, Hesíquio de Mileto (séc. VI), cujos fragmentos de sua obra intitulada Sobre a Paideia de Sábios Ilustres, sobreviveram em comentários no Suda; o neoplatónico ateniense, Damáscio (ca. 458 – após 538), em Vida de Isidoro, da qual também nos restam fragmentos preservados no Suda. E, por fim, o bispo egípcio monofisista João de Nikiú, em Crônica (séc. VII). Ainda que apresentem versões diferentes sobre a vida e morte da filósofa, tais fontes sublinham o impacto de Hipátia à sociedade alexandrina tardo-antiga.

O Serapeum, templo dedicado ao deus Serápis, ocupa uma posição chave, em Ágora, já que se torna palco dos principais conflitos entre cristãos e pagãos bem como do assassinato de Hipátia, dois episódios centrais para dinamização do enredo e envolvimento do público/espectador. Amenábar nos informa, por meio de breve legenda, que os episódios narrados datam de 391 d.C, momento em que o Serapeu teria sido invadido, destruído e saqueado pelos cristãos, o que denota diálogo do filme com as fontes, ao menos, no tocante à provável datação da dessacralização deste templo.

A invasão dos cristãos ao Serapeu marca, a nosso ver, o ápice do filme e pode ser concebido como um divisor de águas, já que, sob a óptica de Amenábar, intensifica a influência política das comunidades cristãs em Alexandria, sobretudo a partir da ordenação ao episcopado de Alexandria do bispo Cirilo (412).

Para imprimir um tom mais dinâmico à narrativa fílmica, Amenábar procede a uma costura da ordem dos acontecimentos, em clara subversão de suas especificidades espaço-temporal, fazendo uso de uma espécie de licença artística, uma vez que, ele nos faz crer que a invasão/ocupação do Serapeu pelos cristãos, a morte de Teófilo, a ascensão de Cirilo e o assassinato de Hipátia ocorrem em alguns anos (e não em décadas), percepção que se confirma quando percebemos que não houve a passagem do tempo para os personagens entre a invasão do Serapeu e a morte de Hipátia. Em Ágora, Hipátia morre jovem, como se estivesse entre 25 e 30 anos, como narra o romancista Kingsley.

A historiografia, ao contrário, informa-nos que, entre a invasão/ocupação do Serapeu (391) pelos cristãos, a morte de Teófilo (412), a ascensão de Cirilo (412), a morte de Sinésio (ca. 413) e a expulsão dos judeus de Alexandria bem como o assassinato de Hipátia (415), decorre, ao menos, duas décadas. Percebamos que Sinésio já estava morto, no momento em que Hipátia foi assassinada, na contramão do que propõe Amenábar». In José P. Farias Júnior, Hipátia de Alexandria, História e Cinema, RFB Editora, 2022, ISBN 978-655-889-249-6.

Cortesi de RFBEditora/JDACT

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