Roberto Antunes Palma Lobo, 1881-1916
«O meu amigo pousou as
fotografias na mesa e recomeçou a abrir caixotes. Passámos as três horas
seguintes separando o que interessava e me seria útil. Fizemos três montinhos.
Um para o bisavô, outro para o avô e outro para o pai de Salvador. Em cada um
havia fotografias, livros de despesas do monte, cartas recebidas, agendas de
vários anos, postais, escrituras. Os montinhos mais pequenos eram o do pai de
Salvador, pois vivera pouco tempo no monte, e o do bisavô. O do avô Álvaro era
enorme.
Do meu pai, há mais coisas em
Lisboa. Amanhã vamos lá. Sugeri que podíamos começar por ler as cartas
recebidas pelo bisavô, mas Salvador foi peremptório na negação. Não queria que
eu estivesse com ele enquanto fazia o meu trabalho. Vais ler e investigar e só
quando acabares é que falamos. É assim que tem de ser.
Regressei nesse dia a Lisboa com
a mala cheia de caixotes velhos, carregado de memórias dos Palma Lobo.
Sentia-me como uma espécie de arqueólogo de papel. Nessa mesma noite, li com
curiosidade as cartas que o bisavô Roberto tinha recebido. A maioria eram de
pêsames, a lamentar a morte da mulher, Josefina. Havia uma ou outra, provavelmente
de comparsas políticos, que referiam a esperança de que, estando viúvo, ele regressasse
a Lisboa e às lides da República.
Contudo, não existiam naquelas
missivas informações relevantes sobre o nascimento do primeiro Palma Lobo.
Teria mesmo de viajar até Moçambique.
Os oito dias que passei em Maputo
trouxeram descobertas surpreendentes. Instalei-me no Hotel Polana e apanhei bom
tempo, conseguindo mesmo dar uns mergulhos na piscina todas as tardes, enquanto
bebia um gin tónico. Não tinha as expectativas elevadas quanto aos resultados
da minha investigação histórica. Afinal, o nascimento de Roberto Antunes Palma Lobo
acontecera no longínquo ano de 1881, e era improvável que conseguisse encontrar
registos dessa época. Talvez as certidões de nascimento e de óbito dos seus
pais, eventualmente as campas no cemitério, mas esperava pouco mais.
Para compreender Moçambique no
final do século XIX, decidi procurar um historiador que me pudesse descrever os
hábitos da colónia portuguesa, e telefonei para a Faculdade de História da
Universidade local. Sugeriram-me que falasse com o professor Agostinho Chivunga
e passaram-me a chamada. Uma voz grossa apareceu do outro lado da linha.
Cordial, o professor acedeu a receber-me no dia seguinte, ao final da manhã, no
seu gabinete. Era um homem muito alto e esguio, talvez com cerca de um metro e
noventa.
Levantou-se para me cumprimentar
e parecia desengonçado, com dificuldade em controlar os seus longos braços e
pernas, como se fosse uma marioneta. Devia ter mais de sessenta anos e era
quase careca, apenas com alguns vestígios de cabelo grisalho nas patilhas e na
nuca.
Expliquei o que me trazia ali.
Simpático, o professor Agostinho Chivunga fez-me um resumo da situação política
da colónia e da sua economia incipiente e primária na segunda metade do século
XIX. Quando lhe perguntei onde poderia encontrar referências sobre os Palma
Lobo, confessou que o nome não lhe dizia nada. Não haviam sido pessoas famosas
na época, nem tinham ocupado cargos na administração portuguesa da colónia.
Sugeriu que eu procurasse na Conservatória Central de Maputo, e prometeu fazer
uma pequena busca na biblioteca.
Só quando referi que o trisavô de
Salvador tinha sido morto por piratas é que ele se alvoroçou: Piratas? Sim,
piratas. Foi assassinado». In Domingos Amaral, Já Ninguém Morre de
Amor, Oficina do Livro, 2008, ISBN 978-972-461-802-9.
Cortesia de OficinadoLivro/JDACT
JDACT, Domingos Amaral, Literatura, Amor,