Sés episcopais
«Com
profundas transformações como o desaparecimento das cúrias e das magistraturas citadinas
no século VI, os centros urbanos continuam a ser, na alta Idade Média, núcleos
de poder reconhecível, em particular por efeito da presença dos bispos,
autoridades cada vez mais influentes no campo político e administrativo. A
decisão de instalar os bispos nas cidades administrativamente mais importantes
do império, concretizada ainda na época romana segundo a orientação de Orígenes
(c. 185-c. 253), contribui para que as cidades se mantenham como importantes
centros organizativos e administrativos dos respectivos territórios
circundantes, apesar da derrocada institucional e das transformações da
sociedade, com o poder sempre crescente das estruturas eclesiásticas.
Do
mesmo modo, de um ponto de vista urbanístico e construtivo, não no sentido da
construção de igrejas, mas no da criação de novos espaços centrais e de uma
completa reorientação urbanística, a cristianização das cidades é exactamente o
mais forte sinal de transformação e de descontinuidade entre a cidade clássica
e a cidade medieval. Ainda que sejam as diferenças locais a alcançar a
supremacia e que estas transições ocorram com ritmos próprios nas diversas
áreas, é possível indicar, de um modo geral, como momento de viragem crucial
neste processo, os decénios da passagem do século VI para o seguinte.
Declínio
e transformação
Devemos
reconhecer a importância do papel desempenhado neste campo, especialmente a partir
dos anos 70 do século XIX, pela arqueologia medieval, que por meio da
identificação das estruturas edificadas possibilitou uma definição mais correcta
dos espaços urbanos e da sua suposta retracção, não só com a identificação cada
vez mais precisa de vestígios extremamente frágeis, como os furos de estacas e
pilares, mas também com uma ampla revisão das cronologias até então utilizadas.
A discussão deslocou-se, pois, do declínio para a transformação e, ao mesmo
tempo, noutros aspectos, para a continuidade: os três são na realidade
legitimamente utilizáveis para simples aspectos arquitetónicos, habitacionais
ou sociais, mas dificilmente podem ser reunidos num quadro global.
Transformação
e sobrevivência da cidade romana
É
um dado de facto inelutável ter havido nas cidades da Antiguidade tardia uma
mudança estrutural e funcional: a partir do século III, as magistraturas locais
e as cúrias perdem visibilidade, as hierarquias eclesiásticas ganham-na e, com
a construção ou reconstrução das cinturas muradas e a inserção das novas sedes
do poder religioso e civil, o aspecto físico dos centros urbanos modifica-se.
Ao mesmo tempo, vai-se perdendo gradualmente a especificidade administrativa e
jurídica das cidades, que lhes é já homologada no âmbito de uma autoridade
central mais forte, que no final do século III lhes retira, por exemplo, o
direito de cunhar moeda autonomamente. Demonstra-o o facto de Menandro de
Laodiceia, na época diocleciana, numa obra destinada a definir o modo correcto
de escrever o elogio de uma cidade, e que atesta, portanto, uma prática retórica
ligada à celebração das estruturas citadinas, ainda florescente, sublinhar que
todas as cidades, já governadas por uma só lei, são por isso todas iguais». In Umberto Eco,
Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote,
2010-2011, ISBN 978-972-204-479-0.
Cortesia de PdQuixote/JDACT
JDACT, Umberto Eco, Idade Média, Cultura e Conhecimento,