terça-feira, 11 de junho de 2024

Dr José Maria Rodrigues. Camões. A Infanta D. Maria (1521-1577). «E vendo-se depennndo. De puro penado morre. Se a queixumes se soccorre, lança no fogo mais lenha. Não há mal que lhe não venha»

Cortesia de Publicações Foriente

 

Com a devida vénia ao Dr. José Maria Rodrigues (3.1761-06184643-2), Coimbra, 1910


«Entre as encantadoras redondilhas de Camões figuram as duas voltas ao mote:

Perdigão perdeo a penna",

Não ha mal que lhe não venha.

Dizem ellas, num tom de accentuada melancholia:

Perdigão, que o pensamento

Subio a um alto logar,

Perde a penna do voar,

Ganha a pena do tormento.

Não tem no ar, nem no vento,

Asas com que se sostenha.

Não ha mal que lhe não venha !

Quis voar a uma alta torre,

 

Mas achou-se desasado;

E vendo-se depennndo.

De puro penado morre.

Se a queixumes se soccorre,

I.ança no fogo mais lenha.

Não há mal que lhe não venha !

 

O próprio perdigão depenado, que nem ao menos se podia queixar, sem lançar mais lenha no fogo, sem aggravar a sua situação, era o próprio Camões. O alto logar até onde subio o seu pensamento, a alta torre a que quis voar, era uma das mais nobres e mais sympathicas figuras femininas que teem vivido sob este bello sol de Portugal:

era a filha mais nova del-rei Emanuel, a infanta D. Maria (1).

NOTA: (1)

«É muito interessante a monographia de D. Carolina Michaelis de Vasconcellos a respeito da infanta D. Maria de Portugal (1521-1577) e as suas datnas (Porto, 1902).

Della transcrevo aqui a seguinte passagem: «De sangue real, herdeira da coroa, se não morresse um anno antes da catastrophe de Alcacer-Quebir, pertence á historia e teve biographos conscienciosos. Em creança e na flor da edade viu refulgir diante de seus olhos a coroa de França ; foi escolhida repetidas vezes para o throno imperial, orbis destinata império, outras tantas para o império de Hespanha. Acariciando sempre, no intimo do coração, este ultimo projecto, ficou ainda assim innupta, uma triste sempre-noiva. Este estado tragicomico que lhe foi imposto, mas que afinal acceitou com sublime altivez, aparentando tê-lo escolhido livremente, despertou a dolente sympathia dos coevos. E ainda hoje é capaz de suscitar a dos pósteros».

(2) Basta citar por agora os sonetos 27 e 193:

NOTA:

«Males, que contra mim vos conjurastes,

Quanto ha de durar tão duro intento ?

Se dura, porque dure meu tormento,

Baste-vos quanto já me atormentastes.

Mas, se assi porfiais, porque cuidastes

Derribar o meu alto pensamento,

Mais pôde a causa delle, em que o sustento,

Que vós, que delia mesma o ser tomastes.

E, pois vossa tenção com minha morte

E de acabar o mal destes amores,

Dai já fim a tormento tão comprido.

Assi de ambos contente será a sorte :

Em vós, por acabar-me, vencedores ;

Em mim, porque acabei de vós vencido».

 

«Erros meus, má fortuna, amor ardente.

Em minha perdição se conjuraram.

Os erros e a fortuna sobejaram,

Que para mi bastava amor somente.

Tudo passei. . . Mas tenho tão presente

A grande dòr das cousas que passaram,

Que já as frequências suas me ensinaram

A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o decurso de meus annos ;

Dei causa a que a fortuna castigasse

As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.

Oh ! Quem tanto pudesse, que fartasse

Este meu duro gcnio, de vinganças !»


In Dr José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761 06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.

Cortesia do AHistórico/UCoimbra/JDACT

Camões, Didácticas, Infanta D. Maria, JDACT, Dr José Maria Rodrigues, Universidade de Coimbra, 500 Anos  de Camões,