A Invasão. 1096-1100
«(…)
É verdade que os franj
perderam cerca de seis mil homens, mas os que restam são seis vezes mais
numerosos, e esta é a única oportunidade para se livrarem deles. Para tanto,
ele preferiu destacar dois espiões, gregos, para o acampamento de Citivot, afim
de anunciar que os homens de Renaud estão em excelente condição, que
conseguiram apoderar-se da própria Nicéia, e que estão firmemente decididos a
não permitir que seus correligionários lhes disputem as riquezas. Enquanto
isso, o exército turco preparará uma gigantesca emboscada. De facto, os rumores
cuidadosamente propagados suscitam no acampamento de Citivot a confusão
prevista. Formam-se grupos, injuria-se Renaud e seus homens. Logo tomam a decisão
de pôr-se a caminho para participar do saque de Nicéia.
Mas
eis que, subitamente, não se sabe muito bem como, um homem que conseguiu
escapar da expedição de Xerigordon chega, revelando a verdade quanto à sorte de
seus companheiros. Os espiões de Kilij Arslan pensam ter fracassado em sua
missão, já que os mais sábios entre os franj pregam a calma. Mas,
passado o primeiro momento de consternação, a exaltação volta.
A
multidão se agita e brada, quer partir imediatamente e não mais para participar
de meros saques, e sim vingar os mártires. Aqueles que hesitam são tratados de
covardes. Finalmente, os mais enfurecidos obtêm ganho de causa, e a partida é
fixada para o dia seguinte.
Tendo
seu artifício descoberto, ainda que o objectivo houvesse sido previamente
atingido, os espiões do sultão triunfam e mandam dizer ao seu senhor que se
prepare para o combate. Na madrugada de 21 de Outubro de 1096, os ocidentais
deixam seu acampamento. Kilij Arslan não está longe. Ele passou a noite nas
colinas próximas a Citivot. Seus homens estão nos seus lugares, bem escondidos.
Ele mesmo, de onde está, pode avistar ao longe a coluna dos franj
levantar uma nuvem de poeira.
Algumas
centenas de cavaleiros, a maioria sem armadura, andam na frente, seguidos por
uma multidão de infantes em desordem. Estão andando há menos de uma hora quando
o sultão ouve o clamor que se aproxima. O sol que se ergue atrás dele
golpeia-os em pleno rosto. Prendendo a respiração, ele faz sinal aos seus
emires comandados para que se mantenham alertas.
O
instante fatídico é chegado. Um gesto apenas perceptível, algumas ordens
sussurradas aqui e ali, e eis os arqueiros retesando lentamente seus arcos. De
repente, mil flechas jorram num único e longo assobio. A maioria dos cavaleiros
desaba nos primeiros minutos. Depois, os infantes são dizimados por sua vez.
Quando se travou o combate corpo-a-corpo, os franj já estavam derrotados.
Aqueles
que se encontravam na rectaguarda voltaram correndo para o acampamento, onde os
que repousavam eram despertados. Um velho sacerdote celebra um ofício
religioso, algumas mulheres preparam comida. A chegada dos fugitivos com os
turcos no seu encalço espalha o terror. Alguns, que tentaram atingir os bosques
vizinhos, são rapidamente alcançados». In Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos
Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Reimpressão, Edições 70,
Ensaio, 2016, ISBN-978-972-441-756-1.
Cortesia de Edições70/JDACT
Amin Maalouf, JDACT, Literatura, Cruzadas, Árabes,