terça-feira, 20 de julho de 2010

Jaime Martins Barata: Vestígio do encontro de um Alentejano com a Itália renascentista. A obra é extraordinariamente numerosa e variada. Jaime Barata foi um verdadeiro homem da Renascença! O método de trabalho caracterizou-se pelo rigor e procura da verdade. Para cada trabalho investigou e executou inúmeros estudos, projectos e esboços. O «fresco» foi o meio privilegiado de expressão da sua arte

(1899-1970)
Santo António das Areias, Marvão
Cortesia de jaimemb
Jaime Martins Barata nasceu em 7 de Março de 1899 em Santo António das Areias, Concelho de Marvão, mas pouco depois foi viver para a Póvoa e Meadas, Concelho de Castelo de Vide onde foi baptizado e que sempre considerou ser a sua terra de origem.
A obra de Martins Barata é extraordinariamente numerosa e variada:
  • selos e moedas que circularam durante anos;
  • ilustrações;
  • ferramentas;
  • brinquedos;
  • livros e publicações;
  • pinturas monumentais (dispersas pelo país e estrangeiro).
Martins Barata foi um verdadeiro homem da Renascença!
O método de trabalho de Martins Barata caracterizou-se pelo rigor e procura da verdade. Para cada trabalho investigou e executou inúmeros estudos, projectos e esboços.

Uma breve Cronologia.
O pai de Jaime Martins Barata, José Pedro Barata, foi notado por Mousinho da Silveira nas suas passagens pelo Alto Alentejo em que frequentemente teve que fugir pela herdade do Pereiro, da família Sequeira, visto que esta herdade ficava junto à fronteira. Mousinho intercedeu junto da rainha D. Maria II para que ao jovem fosse facultada a possibilidade de estudar no estrangeiro e José Pedro foi bolseiro para Grignon, de onde voltou agrónomo e com uma larga cultura, muito moderna para a época.
Modestamente, ficou como feitor da casa Sequeira, administrando a Herdade do Pereiro. Dele ficou, naqueles Concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Nisa, uma fama de homem de grande integridade, uma austeridade e pobreza quase monástica e muita sabedoria.
Com uma idade já madura, conheceu e desposou uma jovem professora primária colocada em Alpalhão, D. Antónia de Jesus Martins. D. Antónia, antes de ser colocada em Alpalhão, tinha estado a estudar o método de João de Deus, vivendo em casa do poeta. Do matrimónio nasceram dois filhos: José Pedro Martins Barata e Jaime Martins Barata.

D. Antónia de Jesus
Cortesia de jaimemb
Em 1904 José Pedro Barata morreu, deixando a viúva e os dois órfãos em precária situação. Com grande coragem, D. Antónia de Jesus, continuando professora em Póvoa e Meadas, conseguiu que os filhos estudassem em Portalegre. Vendo que eram estudantes brilhantes, decidiu-se a deixar a Póvoa e Meadas e ir viver para Lisboa afim de procurarem a oportunidade de uma carreira com algum futuro. Este ambiente de austeridade e rigor moral marcou toda a personalidade dos dois jovens. Por entre dificuldades e privações, os dois irmãos encontraram as suas vocações e continuaram os seus estudos.
José Pedro Martins Barata entrou para a carreira militar, cursou veterinária e reformou-se com o posto de coronel-tirocinado com o curso de Estado-maior. Após a reforma, voltou para a Póvoa e Meadas, e dedicou-se à arqueologia, tendo produzido estudos e memórias apresentados à Sociedade dos Arquitectos Portugueses e a sociedades históricas espanholas.
Jaime Barata, mais indeciso, entrou para a Escola Normal Superior, com a intenção de ser professor de matemática. No entanto, a sua convicção não estava ainda inteiramente formada.
Em Lisboa, Jaime Barata começou a frequentar as salas de desenho da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Aí, reuniam-se amadores e artistas em começo de carreira, ansiosos e entusiasmados de novidade, ensaiando as suas possibilidades e as suas tendências. Com um percurso escolar idêntico, estava Leitão de Barros. Vindos de outros estudos estavam Tertuliano Marques, Cristino da Silva, Cottinelli Telmo, Diogo de Macedo, Jorge Berradas, Abel Manta, Francisco Franco, Eduardo Viena, Carlos Botelho, Alfredo Morais, Stuart de Carvalhais e muitos outros. Era um misto de tertúlia e escola, olhando com certa irreverência para as figuras estabelecidos nas artes de então, Columbano, Salgado, Carlos Reis, Roque Gameiro...
Esse ambiente artístico levou-o a desinteressar-se da hipótese de vir a ser economista, e regressou, com Leitão de Barros, à carreira de professor de desenho. Em 1939, como metodólogo, viajou à Alemanha e a França para actualizar os conhecimentos no domínio do ensino do desenho. Produziu em 1940 um livro de ensino do desenho, inovador para o tempo, entre nós. A sua devoção a esta carreira foi total e considerava-se sempre, e acima de tudo, um professor.
Através das exposições das Belas-Artes, Jaime Barata e Leitão de Barros travaram conhecimento com as filhas de Roque Gameiro. Os dois jovens aguarelistas amadores vieram a casar com Maria Emília e Helena, respectivamente.

Entre alguma boémia e iniciativas dispersas e fantasiosas, a vivacidade de Leitão de Barros levou-o a lançar-se no jornalismo. Em conjunto com Jaime Barata e Stuart de Carvalhais colaboraram no ABC e no ABCzinho. Em breve surgiu-lhes a ideia de lançar um semanário ilustrado, no Diário de Notícias, o Notícias Ilustrado, na sequência do Domingo Ilustrado.
O jornal era feito em regime muito artesanal e primitivo, mas conseguindo às vezes cachas e colaborações notáveis. Não deixou Jaime Barata, porém, de exercitar-se na aguarela e na ilustração. A ilustração era o ganha-pão, suplementando o magro vencimento de professor. A aguarela era o seu meio de expressão, mais acessível e que dominava melhor. Era sobretudo a paisagem do Alto Alentejo natal e a sua gente que viviam nas suas imagens.
Deste período, longo, ficou uma produção abundantíssima mas dispersa, constituída por capas, ilustrações à pena, fotomontagens e cartazes, marcados pela pressa e pela improvisação – mas de onde retirou um grande desembaraço gráfico, e uma certa facilidade formal que reconhecia como superficial. Mas na aguarela procurava uma solidez, uma construção e um «peso» evocador da rudeza granítica de Póvoa e Meadas, que deram um carácter torturado e agreste a um processo usualmente entendido como leve e transparente. A pintura de Zuloaga terá tido a sua parte de influência no modo de exprimir o ambiente do interior alentejano, e nas figuras densas e opacas que o povoam.
Mas a influência de Roque Gameiro, se foi praticamente nula sob o ponto de vista artístico, foi intensa em outros campos de interesse, a arqueologia naval e a Cidade de Lisboa.
 
Por volta dos anos 30 desenvolveu-se em Portugal uma longa e frutuosa polémica em torno dos navios portugueses dos Descobrimentos. Quirino da Fonseca publicou o clássico A Caravela Portuguesa, que suscitou grande réplica por parte de Gago Coutinho. A querela destes três marinheiros era acompanhada, do ponto de vista de figuração, por Roque Gameiro, que apoiava fortemente Quirino. Este debate incitou Jaime Barata a aprofundar a interpretação do navio português de transição do século XIV para o século XV.
 
Com Roque Gameiro, Jaime Barata descobriu Lisboa. Mas foi através do jornalismo, que a sua veia olisiponense se veio a afirmar. Da companhia quase diária dos homens de notícia, ávidos de entender o dia-a-dia da cidade e de ler em cada recanto e em cada pedra a continuidade da história de 2000 anos da cidade, resultou um entendimento de uma Lisboa, menos sábio e erudito que o de Vieira da Silva ou Pastor de Macedo, mas mais vivo e vibrante. A materialização dessa olisipografia deu-se com os monumentais três volumes das Peregrinações em Lisboa, entre 1938 e 1939. O texto curiosíssimo de Norberto de Araújo foi ilustrado por Jaime Barata com aguarelas, desenhos à pena e grattage, e águas fortes e pontas secas.

Cortesia de jaimemb
Em 1940Jaime Barata foi convidado a realizar dois trípticos para o Pavilhão de Lisboa, representando cenas da Conquista da Cidade por Afonso Henriques e os Cruzados, e Cerco dos Castelhanos no tempo de D. João I. Dada a grande dimensão dos painéis era um grande desafio a um aguarelista. Nem a técnica nem a escala eram familiares. Jaime Barata propôs uma maquette a preto e branco, era a defesa do ilustrador posto pela primeira vez perante a escala da pintura mural.
Os painéis eram substancialmente grandes ilustrações, mas o instinto do ilustrador encontrou a escala justa, e o efeito foi notável. As telas foram levadas, anos mais tarde, para o salão nobre da Casa da Alfândega, na cidade do Porto. No pátio do pavilhão, Jaime Barata criou também o que foi a sua única experiência de escultor, um enorme baixo relevo que evocava um trecho de Lisboa seiscentista.

Cortesia de jaimemb
Também em 1940, os CTT determinaram uma emissão comemorativa e Jaime Barata foi convidado a estudá-la. Jaime Barata tinha já uma larga experiência gráfica pôs tantas questões, levantou tantas dúvidas e interrogações que o então Correio-Mor ficou surpreendido e intrigado com a complexidade da solução de um selo. Longas conversas e debates em torno da questão do desenho filatélico convenceram-no de que havia ali muito a rever e a pensar. O selo podia ser entendido como uma obra de arte circulante que atingia todos os estratos da população e representava o País diariamente no estrangeiroum veículo cultural para além da simples função de valor tarifário postal.
Depois de realizar vários selos, foi chamado para desempenhar o cargo de Consultor-Artístico (1947). Jaime Barata ocupou esse lugar até 1968, e a sua acção marcou uma renovação no gosto e no significado da arte postal.
O selo português passou a ser olhado internacionalmente com a grande atenção, que ainda hoje merece e que se traduz por frequentes prémios e elevada cotação coleccionista.
A entrada ao serviço dos CTT significou muito na vida de este alentejano. Inicia-se a segunda experiência de pintura de grandes dimensões, que o lançou definitivamente no campo da pintura mural.
Cortesia de jaimemb
A escadaria nobre do Palácio de S. Bento, depois da reconstrução de Ventura Terra, esteve longos anos com os dois trípticos dos patamares vazios da pintura para que tinham sido destinados. Jaime Martins foi convidado e este aceitou com a condição de que Abel Manta concordasse com a substituição. Era-lhe pedido que executasse a obra a fresco. Um desafio demasiadamente grande, pois, para além dos problemas não pequenos que o lugar impunha, a técnica do fresco era-lhe então desconhecida.
A escadaria do Palácio de S. Bento obriga a que cada um dos trípticos só possa ser visto de uma distância de uns três metros, no próprio patamar, ou a uns trinta metros, do patamar fronteiroJaime Barata deu um tratamento duramente prosaico. São realmente figuras concretas, plausíveis, populares, surpreendidas como se em plena idade média tivessem composto em silêncio grupos parados, em que os trajes, as insígnias dos ofícios e cargos, as próprias atitudes e carácter fisionómico contem a alegoria. Nenhum gesto declamatório, nenhuma animação anterior afloram neste conjunto de homens graves e duros, em que se reconhece inteira a visão do homem próximo da terra, que já estava nas aguarelas da primeira fase. A cor terrosa e quente foi deliberadamente procurada para tentar quebrar a brancura algo sepulcral da imensa escadaria. Durante os quatro anos de realizaçãoJaime Barata estudou sem descanso a sua solução para o problema das distâncias, até conseguir uma escala de leitura próxima das figuras e pormenores compatível com o vigor da composição a grande distância. Era a sua primeira obra a óleo sobre tela. 
A sua dificuldade residia acima de tudo no ambiente em que a pintura  estava inserida. Em 1945,  apresentou-se a Jaime Barata a oportunidade de enfrentar um novo desafio em pintura de grande escala. Tratava-se de pintar dois painéis para o átrio do edifício da sede do Conservatório Nacional de Música.

Estão representados, da esquerda para a direita, Gil Vicente, Almeida Garret (sentado),
Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo
Estão representados, da esquerda para a direita, João de Sousa Carvalho, Marcos Portugal, Carlos Seixas,
João Domingos Bontempo (sentado, foi o primeiro Director do Conservatório) e Duarte Lobo
Cortesia de jaimemb
Nos dois painéis, não muito grandes e com boas condições de visão, deveriam figurar vultos do Teatro e da Música portuguesa. Era certamente um problema ingrato representar figuras de épocas tão distintas como Gil Vicente e Garrett, ou Duarte Lobo e Domingos Bontempo, dentro dos mesmos enquadramentos. Neste caso, recorreu ao artifício que consistia em que a própria pintura se tornava uma alusão ao teatro:
  • Gil Vicente, D. Francisco Manuel de Melo, António Ferreira (?) e Garrett num dos painéis;
  • Duarte Lobo, Carlos Seixas, Marcos Portugal e Domingos Bontempo no outro;
  • Compõem como que dois momentos cénicos em que o absurdo da simultaneidade anacrónica proclama a natureza da ficção teatral.
Após a realização das pinturas no Conservatório, Jaime Barata foi solicitado a estudar as notas para o Banco de Angola. Este Banco, com o estatuto de emissor, pretendia renovar toda a série dos seus títulos fiduciários, então expressos em angolares, e fazê-lo com pompa e riqueza que estivesse de acordo com a imagem que então se procurava difundir em relação àquela entidade. Razões de técnica de segurança de papéis de então, antes do processo Giori e outros mais complexos, faziam assentar a defesa contra a falsificação numa grande abundância de gravura manual – as notas produzidas são de uma exuberância de ornamentação que não releva apenas do gosto, e sim daquela exigência técnica.

Mas, sobretudo, havia que trabalhar as efígies das personalidades que figuravam nas notas.
O desembaraço técnico adquirido na aguarela e no gouache ajudou-o a adaptar-se a um meio, que não exigindo a presteza da condução da água sobre o papel e permitindo um longo tempo de execução, vinha ao encontro do seu temperamento. Nas técnicas mistas, de óleo e de têmpera, que convidam a uma construção lenta e pensada, encontrou o veículo para a expressão densa a que tinha antes submetido a aguarela. Este período foi, para Jaime Barata, um tempo de quase obsessiva experimentação e estudo tecnológico.

Cortesia de jaimemb
O seu atelier transformou-se numa oficina-laboratório, onde, sem cessar, buscava o domínio dos materiais e dos modos de os usar. Testar pigmentos, refinar e engrossar óleos ao sol, preparar vernizes e telas, painéis em gesso sottile, imprimaturas, emulsões de gomas e resinas, era uma ocupação permanente, espicaçada pelo desafio que constituía uma tecnicidade que, até ali, lhe era estranha. Em 1947, a Câmara Municipal de Lisboa comemorava os 800 anos da conquista da cidade aos mouros. Integrando as celebrações, a CML teve a iniciativa de produzir uma obra ilustrando a história da cidade, Lisboa, 8 séculos de História.

Cortesia de jaimemb
Para a realização gráfica dos dois grandes volumes desta obra, a Câmara chamou Jaime Barata e Almada Negreiros. O primeiro ocupar-se-ia da ilustração histórica e evocativa. O segundo ocupar-se-ia do grafismo geral da obra. A interessante participação de Almada acabou por concentrar-se nas capas, páginas de abertura dos capítulos e alguns cuis de lampe. A Jaime Barata coube a realização de numerosas reconstituições, em que pode dar largas ao seu gosto pela verosimilhança e pela fundamentação documentada. O olisiponense das Peregrinações em Lisboa, estava agora confrontado com a reconstituição, e não com o simples registo dos restos do passado.
Surgiu assim uma larga série de ilustrações com várias técnicas – desenho a lápis Wolff e sanguínea, gouache em «grisaille», aguarela. Mas sobretudo, realizou então a capacidade técnica acumulada, em pinturas a têmpera de goma envernizada, e em técnicas mistas de têmpera e velaturas resinosas, exemplares de execução.
 
Cortesia de jaimemb
Em 1950 surgiu um novo desafio. Já ia avançado o pontificado do Papa Pio XII, Eugénio Pacelli, quando a cristandade, pela voz dos episcopados de várias nações, entendeu erigir em Roma uma igreja sob a invocação de Santo Eugénio. A intenção era dupla, homenagear o Pontífice através da escolha do santo patrono, e celebrar o Ano Santo, proclamado para 1951. O entendimento era o de que cada país contribuiria com o financiamento de uma parte do edifício. Portugal, dada a devoção Mariana de Pio XII intimamente ligada aos acontecimentos de Fátima, foi convidado a financiar o altar do Transepto, do lado do Evangelho, sob a invocação de Fátima, o que representava uma inegável distinção, por ser o único convite especificamente dirigido e localizado. Foram escolhidos Leopoldo de Almeida para esculpir a imagem de Nossa Senhora de Fátima, Jorge Barradas para executar o frontal do altar em cerâmica, e Jaime Martins Barata para pintar o mural. A pintura tinha que ser a fresco.
 
Jaime Barata descobriu a sua vocação para a técnica que agora se lhe abria, o fresco. No fresco reencontrava a familiar e antiga tinta de água, mas com a solidez e a dimensão da parede. Além do mais, a estada em Itália deu-lhe a oportunidade de estudar minuciosamente os fresquistas do Renascimento, e contactar com os praticantes contemporâneos, nomeadamente Bruno Saetti, professor de fresco em Veneza, que executou o fresco simétrico do português na Igreja de Santo Eugénio. Com Saetti, além de contrair uma sólida amizade, o pintor aprendeu muito do que foi a base do seu domínio do fresco.
 
Inspirado e poderoso é o conjunto de frescos no Palácio de Justiça de Santarém, que começou em 1953 e terminou em 1954. Com esta obra, Jaime Barata iniciou o ciclo dos grandes frescos em que veio a atingir o coroamento da sua evolução.
 
Cortesia de jaimemb
Em três lanços de parede evocam-se episódios ligados às Cortes de Almeirim:
  • Os delegados do Terceiro Estado retirando-se com desagrado do encontro com os representantes da Nobreza, à esquerda;
  • A figura de D. António, sempre protegido e acarinhado pelo povo, à direita;
  • Ao centro, a reunião das Cortes, dominada pela figura de Febo Moniz.
A composição é de grande sobriedade e rigor, contida e pesada como é próprio da personalidade do Artista, mas pode ler-se já um certo vestígio do encontro de um alentejano com a Itália renascentista – uma depuração e uma elegância de formas já distante da rusticidade que emanava, por exemplo, dos painéis de S. Bento.
Ainda em 1955, executou dois grandes quadros a têmpera e óleo representando a procissão do Corpo de Deus, em Lisboa, no século XVI. Em 1956, o Tribunal de Contas foi restaurado no Torreão nascente do conjunto do Terreiro do Paço. Jaime Barata e Almada Negreiros foram chamados a produzir seis quadros de idênticas dimensões, evocando figuras e eventos relacionados com aquele organismo do Estado. A Almada coube evocar figuras singulares, e a Jaime Barata cenas e episódios da história do Tribunal.

Cortesia de jaimemb
O fresco, desta vez buon fresco, verdadeiro e realmente insubstituível nos seus resultados, veio a ser reencontrado no Palácio de Justiça de Vila Real de Trás-os-Montes em 1956. O fresco evoca D. Pedro de Menezes recebendo das mãos de D. João I, em Ceuta, o aléo ou vara do jogo da bilharda com que, simbolicamente, aquele fidalgo transmontano se propunha defender a praça de que ficou governador.
O pintor começava a atingir uma maturidade técnica na execução do buon fresco, como o designava Cennino Cennini. Reencontrava nele a familiar tinta de água e a sua peculiar luminosidade e clareza. A estrita disciplina que a pintura na parede acabada de rebocar exige, e a grande diferença entre a pintura tal como aparece ao ser executada e como fica ao secar nos trechos que podem ser feitos em cada dia, constituem um desafio suplementar à harmonia do conjunto. Não só tudo aclara ao secar, como o faz diferentemente conforme a cor e o pigmento usado, e a hora a que é pintado.

Cortesia de jaimemb
Uma cor aclara ou abate em certo grau quando é pintada na primeira hora depois do reboco aplicado, abate de outro modo à quarta ou quinta hora, e finalmente é rejeitada quando a sezão do reboco se instala e é necessário parar o trabalho do dia, recortar o reboco por qualquer linha certa da composição, para continuar no dia seguinte. Tudo isto exige uma planificação cuidadosa e um conhecimento perfeito do comportamento dos pigmentos, da cal e da própria parede, além de um estudo dos cortes diários quanto ao que se espera poder executar. E a parede não perdoa: se não resulta, há que deitar abaixo o que está feito e recomeçar.
Cortesia de jaimemb
Esta pequena inflexão na interpretação da técnica reflectiu-se nos resultados visuais – um admirável domínio da forma da modelação da cor foi então adquirido, e viria a atingir o máximo nas obras dos anos sessenta.
Seguiu-se então uma série de frescos, sobretudo palácios de Justiça.  Além do mais, situa-se em edifícios que não estão sempre abertos ao público, e quando o estão, não é certamente para uma assistência muito disponível para a apreciação de valores plásticos...

Esta dispersão das obras mais significativas, fora dos centros de maior actividade cultural, veio reforçar o prático desconhecimento público do trabalho de Jaime Barata. Esse desconhecimento assentava já no próprio carácter pouco dado à vida social, que já vinha da sua juventude, não era uma pessoa ríspida e orgulhosa, como muitas vezes se disse – e estava sempre pronto a ensinar e apoiar quem dele se acercasse. Mas sentia-se alheado dos meios de intensa transacção e introdução de ideias – assumia esse isolamento como um preço que devia pagar para se poder manter num caminho íntimo de liberdade e de busca do sentido último do seu trabalho. Mas, discretamente, não solicitava nem a apreciação da crítica, nem o aplauso de qualquer público, evitando expor ou ser entrevistado.

E essa terá que contemplar certamente com mais atenção o estudo das obras da maturidade atingida, aquelas em que numa longa busca sinuosa se iam aproximando, lentamente, duma certa completude. São, manifestamente, o grupo dos frescos nos Palácios de Justiça do Montijo (1959), do Porto (1961), Aveiro (1962), Olhão (1963), Fronteira (1966), Castelo Branco (1968), e Vila Pouca de Aguiar (1969). De estes, Jaime Barata, que raramente se manifestava acerca do que fazia, considerava a realização em Fronteira (Batalha dos Atoleiros), o melhor que tinha conseguido fazer como fresco
O fresco era finalmente, o seu meio privilegiado de expressão.

Nos últimos tempos da sua vida, e sobretudo quando sentiu chegar o declínio das suas forças, Jaime Barata entregou-se à tarefa de coligir em livro o resultado de quarenta anos de preocupação com o problema do navio português da transição do séc. XIV para o séc. XV. A questão da Caravela, levantada por Lopes de Mendonça e Quirino da Fonseca, tinha sido acompanhada por ele através do sogro, Roque Gameiro, como atrás já citei.
 
Cortesia de jaimemb
Tendo sentido que o tempo lhe ia fugindo, começou a organizar aquilo que considerava ser um legado importante da sua vida. O fim encontrou-o sem ter podido completar o que se desenhava como um importante e denso estudo. A poucas horas dos momentos finais, com plena lucidez e no meio de grande sofrimento, ainda deu, ansiosamente as suas últimas recomendações acerca do que considerava serem os pontos essenciais da investigação que desejava que fosse continuada.
 
Para este trabalho/relato referente a um Alentejano de Prestígio, tive a preciosa  ajuda, com a devida vénia, a http://www.martinsbarata.org/
 
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