domingo, 31 de outubro de 2010

José Duro: « Fel é uma espécie de diário poético dos últimos dias de José Duro. O poema Doente, que encerra o livro, é uma longa confissão de amargura e desespero de um jovem que sabe já que a morte está muito próxima»

(1875-1899)
Maria da Assunção Cardoso, Portalegre
José António Duro, Vila Nova de Cerveira
Portalegre
Cortesia de wikipédia

«José Duro, que Albino Sampaio compara, em «grandeza», a António Nobre e Cesário Verde, com os quais forma a tríade dos grandes poetas novecentistas portugueses que morreram, prematuramente, de tuberculose (lista macabra a que, literariamente falando, poderíamos também acrescentar Soares de Passos, Silva Gaio, Júlio Dinis, Manuel Laranjeira e tantos outros)». In Webcitation,  Abnoxio.

Doente
( ... )
Que negro mal o meu! estou cada vez mais rouco!
Fogem de mim com asco as virgens d'olhar cálido...
E os velhos, quando passo, vendo-me tão pálido,
Comentam entre si: - coitado, está por pouco!...

Por isso tenho ódio a quem tiver saúde,
Por isso tenho raiva a quem viver ditoso,
E, odiando toda a gente, eu amo o tuberculoso.
E só estou contente ouvindo um alaúde.

Cada vez que me estudo encontro-me diferente,
Quando olham para mim é certo que estremeço;
E vai, pensando bem, sou, como toda a gente,
O contrário talvez daquilo que pareço...

Espírito irrequieto, fantasia ardente,
Adoro como Poe as doidas criações,
E se não bebo absinto é porque estou doente,
Que eu tenho como ele horror às multidões.

E amando doudamente as formas incompletas
Que às vezes não consigo, enfim, realizar,
Eu sinto-me banal ao pé dos mais poetas,
E, achando-me incapaz, deixo de trabalhar...

São filhos do meu tédio e duma dor qualquer
Meus sonhos de neurose horrivelmente histéricos
Como as larvas ruins dos corpos cadavéricos,
Ou como a aspiração de Charles Baudelaire.

Apraz-me o simbolismo ingénito das coisas...
E aos lábios da Mulher, a desfazer-se em beijos,
Prefiro os lábios maus das negregadas loisas,
Abrindo num ancelar de mórbidos desejos.

E é vão que medito e é em vão que sonho:
Meu coração morreu, minha alma é quase morta...
Já sinto emurchecer no crânio a flor do Sonho,
E oiço a Morte bater, sinistra, à minha porta...

Estou farto de sofrer, o sofrimento cansa,
E, por maior desgraça e por maior tormento,
Chego a julgar que tenho - estúpida lembrança -
Uma alma de poeta e um pouco de talento!

A doença que me mata é moral e física!
De que me serve a mim agora ter esperanças,
Se eu não posso beijar as trémulas crianças,
Porque ao meu lábio aflui o tóxico da tísica?

E morro assim tão novo! Ainda não há um mês,
Perguntei ao Doutor: - Então?...- Hei-de curá-lo...
Porém já não me importo, é bom morrer, deixá-lo!
Que morrer - é dormir... dormir... sonhar talvez...

Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste
Alheio à sedução dos ideais perversos...
O poeta nunca morre embora seja agreste
A sua aspiração e tristes os seus versos!
José Duro, «in Fel»

Conta Albino Sampaio, que o portalegrense José Duro morreu «numa chuviscosa e fria manhã de Janeiro de 1899».

Cortesia de avozportalegrense
 
Cortesia de Abnoxio/Voz Portalegrense/JDACT

Furacão, Categoria 2 (Hurricane) TOMÁS: Centrado a 14,0N e 62,9W às 09UTC de hoje (31 de Outubro de 2010)


Cortesia de Unisys Weather

Furacão (Hurricane) -2 TOMAS (29-31 OCT)

Storm - Max Winds: 85 Kt (nós); Min Pres: 982 hPa; Category: 2
Current - Max Winds: 85 Kt (nós); Min Pres: 983 hPa; Category: 2
FURACÃO (HURRICANE) TOMAS FORECAST/ADVISORY NUMBER 9

Comunicado das 09: 00 UTC, SUN OCT 31, 2010

O Furacão Tomás produz avisos de fenómenos adversos para as áreas abrangentes das ilhas: 
  • DOMINICA;
  • MARTINIQUE;
  • ST. LUCIA;
  • ST. VINCENT AND THE GRENADINES.
FURACÃO TOMÁS CENTER LOCATED NEAR 14.0N 62.9W AT 31/0900Z


Análise e Anomalia de Reynolds
Cortesia da NOAA
Apresenta um movimento para Oeste-Noroeste, aproximadamente 290º, com uma velocidade de 7 Kt (nós). A pressão mínima estimada é de 983 hPa ou mb. Os ventos máximos são de 85 Kt com rajadas de 105 Kt. 
64 KT....... 35NE 15SE 10SW 20NW.
50 KT....... 55NE 25SE 20SW 50NW.
34 KT.......150NE 45SE 45SW 120NW.
12 FT SEAS..210NE 105SE 90SW 150NW.
WINDS AND SEAS VARY GREATLY IN EACH QUADRANT. RADII IN NAUTICAL MILES ARE THE LARGEST RADII EXPECTED ANYWHERE IN THAT QUADRANT.

A previsão da sua localização e os ventos máximos prováveis:
INITIAL 31/0900Z 14.0N 62.9W 85 KT
12HR VT 31/1800Z 14.4N 64.3W 95 KT
24HR VT 01/0600Z 14.8N 66.4W 95 KT
36HR VT 01/1800Z 15.1N 68.4W 95 KT
48HR VT 02/0600Z 15.1N 70.0W 90 KT
72HR VT 03/0600Z 15.0N 72.0W 90 KT
96HR VT 04/0600Z 15.5N 73.5W 100 KT (provável categoria 3)
120HR VT 05/0600Z 16.5N 74.0W 100 KT (provável categoria 3)

Cortesia de Unisys Weather
Resumo das Tempestades e Furacões:
1 Furacão ALEX-2 25 junho - 2 Julho 85 947 2
2 Depressão tropical Dois 08-09 Julho 30 1005 -
3 Tropical Storm BONNIE 22-24 Julho 35 1006 -
4 Tropical Storm COLIN 02-08 Agosto 50 -
5 Depressão tropical Cinco 10-11 Agosto 30 1007 -
6 Furacão DANIELLE-4 21-31 Agosto 115 942 4
7 Furacão EARL-4 25 Agosto - 5 Setembro 125 928 4
8 Tropical Storm FIONA Agosto 30 - Setembro 4 50 997 -
9 GASTÃO Tropical Storm 01-02 Setembro 35 1005 -
10 Tropical Storm HERMINE 06-09 Setembro 55 991 -
11 Furacão IGOR-4 08-21 Setembro 135 925 4
12 Furacão JULIA-4 12-20 Setembro 115 950 4
13 Furacão KARL-3 14-18 Setembro 105 956 3
14 Furacão LISA-1 21-26 Setembro 70 987 1
15 Tropical Storm MATEUS 23-26 Setembro 45 998 -
16 NICOLE Tropical Storm 28-29 Setembro 35 996 -
17 Furacão OTTO-1 06-10 Outubro 75 972 1
18 Furacão PAULA-2 11-15 Outubro 85 981 2
19 Furacão RICHARD-1 21-26 Outubro 80 981 1
20 Furacão Shary-1 29-30 Outubro 65 989 1
21 Furacão-2 TOMAS 29-31 Outubro 85 982 2 Active

Cortesia de Unisys Weather
 
Cortesia de UNISYS/NWS TPC/NATIONAL HURRICANE CENTER MIAMI/JDACT

sábado, 30 de outubro de 2010

Camões e a Infanta D. Maria: Parte IV, «Resolvido o enamorado poeta a fazer-se entender da infanta, não tardaria muito, podemos supô-lo, que esta lhe não percebesse os intuitos. E sem querer dizer que o meio empregado por Camões fosse uma declaração escrita, o que é certo é que mais de uma das suas poesias se pode considerar como para isso destinada»

(1521-1577)
Cortesia de publicacoes foriente

Com a devida vénia a José Maria Rodrigues (3 1761 06184643.2), Coimbra 1910.

Estava, por isso, firmemente resolvido a esconder lá bem no íntimo o segredo do seu coração:
Mote (alheio)
De dentro tengo mi mal,
Que de fuera no hay senãl.

Volta
Mi nueva y dulce querella
Es invisible á la gente.
El alma sola la siente.
Que el cuerpo no es dino della.
Como la viva centella
Se encobre en el pedernal,
De dentro tengo mi mal.

Mote (alheio)
A dôr que a minha alma sente.
Não na sabe toda a gente. 

Voltas
Que estranho caso de amor!
Que desejado tormento!
Que venho a ser avarento
Das dores de minha dôr!
Por me não tratar peor,
Se se sabe, ou se se sente,
Não na digo a toda a gente.

Minha dôr e causa della
De ninguém ouso fiar,
Que seria aventurar
A perder-me ou a perdê-la.
E pois só com padecê-la
A minha alma está contente,
Não quero que a saiba a gente.

Ande no peito escondida,
Dentro na alma sepultada;
De mi só seja chorada,
De ninguém seja sentida.
Ou me mate, ou me dê vida,
Ou viva triste ou contente,
Não na saiba toda a gente.

Mote (alheio)
Para que me dan tormento,
Aprovechando tan poço?
Perdido, mas no tan loco.
Que descubra lo que siento.

Voltas
Tiempo perdido es aquel
Que se passa en darme afan;
Pues, cuanto más me lo dan,
Tanto menos siento dél.

Que descubra lo que siento?
No lo haré, que no es tan poco;
Que no puede ser tan loco,
Quien tiene tal pensamiento.

Sepan que me manda Amor
Que de tan dulce querella
A nadie dé parte della,
Porque la sienta mayor.

Es tan dulce mi tormento,
Que aun se me antoja poco ;
Y, si es mucho, quedo loco
De gusto de lo que siento.

Cortesia de luardejaneiro
Datam, a meu ver, deste idílio in partibus, além d’outras, as seguintes poesias:
Eu cantarei de Amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil accidentes namorados
Faça sentir ao peito que o não sente.

Farei que Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e vida ausente.

Também, senhora, do despejo honesto
De vossa vista branda e rigorosa
Contentar-me-hei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, ingenho e arte.
(Soneto 2)

Transforma-se o amador na cousa amada.
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nella está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com elle tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semidea,
Que, como o accidente em seu sujeito,
Assi co a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idea,
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples, busca a forma.
(Soneto 10).

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me, tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado,
E de humanos commercios esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quasi que sobre elle ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico e enganado,
Quem não é com meu mal engrandecido.

Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Honras busque e riquezas a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu, por amor, somente me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso formoso gesto dentro da alma.
(Soneto 151).

Criou a natureza damas bellas,
Que foram de altos plectros celebradas;
Dellas tomou as partes mais prezadas
E a vós, senhora, fez do melhor dellas.

Ellas, diante de vós, são as estrellas.
Que ficam com vos ver logo eclipsadas;
Mas se ellas têm por sol essas rosadas
I.uzes de sol maior, felices dellas!

Em perfeição, em graça e gentileza,
Por um modo entre humanos peregrino,
A todo o bello excede essa belleza.

Oh! Quem tivera partes de divino,
Para vos merecer! Mas se pureza
De amor val ante vós, de vós sou dino.
(Soneto 153).

Mote
Tal estoi, despues que os vi,
Que de mi propio cuidado
Estoi tan enamorado,
Como Narciso de si.

Voltas
Una sola deferência
Hallo neste amor altivo:
Que el murio de su presencia (1),
Mas yo con la vuestra vivo.

En el punto que yo os vi,
Se realço mi cuidado,
De modo que enamorado,
Por vos, me quede de mi.

Nacieron de un amor dos,
Cupido fue el tercero,
Que haze que bien me quiero,
Solo porque os quiero a vos.

Los estremos que en vos vi
Me han traído a tal estado,
Que me veo enamorado
De amor de vos y de mi.

Cortesia de purl
Mas esta situação não podia prolongar-se por muito tempo. O poeta, enamorado como estava, começou a impacientar-se, porque a infanta o não percebia:

Mote (alheio)
Se a alma ver-se não póde
Onde pensamentos ferem,
Que farei para me crerem?
_____________________________________________
(1) No texto corrente lê-se:

Que el murio con preferencia.

Mas não sei bem o que isto significa. O que presumo é que o poeta quis aludir ao ter Narciso morrido de paixão por si mesmo, contemplando a sua própria imagem na água de uma fonte.
_______________________________________________
 
Voltas
Se na alma uma só ferida
Faz na vida mil sinais,
Tanto se descobre mais,
Quanto é mais escondida.
Se esta dôr tão conhecida
Me não vêem, porque não querem,
Que farei para me crerem?

Se se pudesse bem ver
Quanto calo e quanto sento,
Depois de tanto tormento
Cuidaria alegre ser.
Mas, se não me querem crêr
Olhos, que tão mal me ferem,
Que farei para me crerem?

É claro que o poeta não se atreveria a fazer directamente uma declaração de amor à infanta. Era um passo por demais arriscado, apesar da disposição de espírito em que ele se encontrava e que tão bem descrita se acha na canção 11:

Aqui o adivinhar e o ter por certo
Que era verdade quanto adivinhava;
..................................................................
Dar ás cousas que via outro sentido.


Cortesia de arqnet
Mas há, entre as poesias de Camões, algumas que poderiam muito bem ter sido escritas para serem recitadas na presença da ilustre senhora e em que não seria difícil descobrir uma intenção reservada.
Lêam-se, por exemplo, estas redondilhas:

Cantiga alheia
Pastora da serra,
Da serra da Estrella,
Perco-me por ella!

Voltas
Nos seus olhos bellos
Tanto Amor se atreve,
Que abrasa entre a neve
Quantos ousam vê-los.
Não solta os cabellos
Aurora mais bella.
Perco me por ella!

Não teve esta serra,
No meio da altura,
Mais que a formosura,
Que nella se encerra.
Bem ceo fica a terra,
Que tem tal estrella.
Perco-me por ella!

Sendo entre pastores
Causa de mil males,
Não se ouvem nos vales
Senão seus louvores.
Eu só, por amores,
Não sei fallar nella:
Sei morrer por ella!

De alguns que, sentindo
Seu mal vão mostrando,
Se ri, não cuidando
Que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
Só meus males della,
Perco-me por ella!

Se flores deseja
Por ventura, bellas,
Das que colhe — dellas
Mil morrem de inveja.
Não ha quem não veja
Todo o melhor nella.
Perco-me por ella!

Se na agua corrente
Seus olhos inclina,
Faz a luz divina
Parar a corrente.
Tal se vê, que sente
Por ver-se a agua nella.
Perco-me por ella!

Cortesia de historia8
Note-se também como ele insinua que, para o amor, não há diferenças sociais, por maiores que pareçam:

Mote
Descalça vai pela neve:
Assi faz quem Amor serve.

Voltas
Os privilegios que os reis
Não podem dar, póde Amor,
Que faz qualquer amador
Livre das humanas leis.
Mortes e guerras crueis,
Ferro, frio, fogo e neve,
Tudo soffre quem o serve.

Moça formosa despreza
Todo o frio e toda a dôr.
Olhai quanto pode Amor,
Mais que a própria natureza!
Medo nem delicadeza
Lhe impede que passe a neve.
Assi faz quem Amor serve.

Por mais trabalhos que leve,
A tudo se off’receria.
Passa pela neve fria.
Mais alva que a própria neve;
Com todo frio se atreve.
Vede em que fogo ferve
O triste que Amor serve!

de Maria Helena Ventura
Cortesia de illusionarypleasure
É também este o tema do Auto de Filodemo, que o poeta naturalmente leu ou tencionava ler no paço de Santa Clara.

Eis como principia o argumento:

«Um fidalgo português, que acaso andava nos reinos de Dinamarca, como, por largos amores e maiores serviços, tivesse alcançado o amor de uma filha de el-rei, foi-lhe necessário fugir com ela em uma galé, porquanto havia dias que a tinha prenhe. E de feito, sendo chegados à costa de Espanha, onde ele era senhor de grande património, armou-se-lhe grande tormenta, que, sem nenhum remédio, dando a galé à costa, se perderam todos miseravelmente, senão a princesa, que em uma tábua foi à praia: a qual, como chegasse o tempo de seu parto, junto de uma fonte pariu duas crianças, macho e fêmea; e não tardou muito que um bom pastor castelhano, que naquelas partes morava, ouvindo os tenros gritos dos meninos, lhe acudiu, a tempo que a mãe já tinha expirado. Crescidas, em fim, as crianças debaixo da humanidade e criação daquele pastor, o macho que Filodemo se chamou, à vontade de quem os baptizara, levado da natural inclinação, deixando o campo, se foi para a cidade, aonde, por musico e discreto, valeu muito em casa de D. Lusidardo, irmão de seu pai, a quem muitos anos serviu, sem saber o parentesco que entre ambos havia. E, como de seu pai não tivesse herdado nada mais que os altos espíritos, namorou-se de Dionysa, filha de seu senhor e tio, que, incitada ao que por suas obras e boas partes merecia, ou porque elas nada engeitam, lhe não queria mal».

CENA I
Filodemo, só.

Triste do que vive amando,
Sem ter outro mantimento
Que estar só phantasiando!
Só ua cousa me desculpa
Deste cuidado que sigo:
Ser de tamanho perigo,
Que cuido que a mesma culpa
Me fica sendo castigo.
……………………………….
Ora bem, minha ousadia,
Sem asas, pouco segura:
Quem vos deu tanta valia,
Que subais a phantasia
Onde não sobe a ventura?
Por ventura eu não nasci
No mato, sem mais valer,
Que o gado ao pasto trazer?
Pois donde me veio a mi
Saber-me tão bem perder?
Eu, nascido entre pastores.
Fui trazido dos curraes
E dentre meus naturaes

Para casa dos senhores,
Donde vim a valer mais.
E agora logo tão cedo
Quis mostrar a condição
De rústico e de villão!
Dando-me ventura o dedo,
Lhe quero tomar a mão!...
Mas oh! que isto não é assi,
Nem são villãos meus cuidados,
Como eu delles intendi;
Mas antes, de sublimados,
Os não posso crer de mi.
Porque, como hei eu de crer
Que me faça minha estrella
Tão alta pena soffrer,
Que somente pola ter
Mereço a gloria della?

CENA II
Filodemo, só.

Ah! senhora, que podeis
Ser remédio do que peno!
Quão mal ora cuidareis
Que viveis e que cabeis
Num coração tão pequeno!

Se vos fosse apresentado
Este tormento em que vivo,
Creríeis que foi ousado
Este vosso — de criado —
Tornar-se vosso captivo?

CENA IV
Filodemo, cantando.

Adó sube el pensamiento,
Seria una gloria imensa,
Si allá fuese quien lo piensa.

Falla.
Qual espirito divino
Me fará a mi sabedor
Deste meu mal : — se é amor,
Se, por dita, desatino?
Se é amor, diga-me qual
Póde ser seu fundamento,
Ou qual é seu natural,
Ou porque empregou tão mal
Um tão alto pensamento?
Se é doudice, como, em tudo,
A vida me abrasa e queima?
Ou quem viu num peito rudo
Desatino tão sisudo,
Que toma tão doce teima?
Ah! senhora Dionysa,
Onde a natureza humana
Se mostrou tão soberana!
O que vós valeis me avisa,
Mas o que eu peno, me engana!


Cortesia de paulocampos 
Lêa-se também no acto II, cena 2ª, o diálogo entre Filodemo e Duriano.

«Filodemo... Já vos dei conta da pouca que tenho com toda a outra cousa que não é servir a senhora Dionysa; e posto que a desigualdade dos estados o não consinta, eu não pretendo della mais que o não pretender delia nada, porque o que lhe quero, comsigo mesmo se paga ; que este meu amor é como a ave phenix, que de si só nasce, e não de outro nenhum interesse.

Duriano. Bem praticado está isso, mas dias ha que eu não creio em sonhos.

Filodemo. Porque ?

Duriano. Eu vo-lo direi : porque todos vós outros, os que amais pela passiva, dizeis que o amador, fino como o melão, não ha de querer mais de sua dama que amá-la; e virá logo o vosso Petrarca e o vosso Pietro Bembo, atoado a trezentos Platões, mais çafado que as luvas de um pagem de arte, mostrando razões verisimeis e apparentes, para não quererdes mais de vossa dama que vê-la, e, ao mais, até fallar com ella. Pois inda achareis outros esquadrinhadores de amor mais especulativos, que defenderão a justa, por não emprenhar o desejo; e eu (faço-vos voto solemne), se a qualquer destes lhe entregassem sua dama, tosada e apparelhada entre dous pratos, eu fico que não ficasse pedra sobre pedra. E eu já de mi vos sei confessar que os meus amores hão de ser pela activa, e que ella ha de ser- a paciente e eu agente, porque esta é a verdade. Mas comtudo vá vossa mercê co a historia por deante.

Filodemo. Vou, porque vos confesso que neste caso há muita duvida entre os doctores. Assi que, vos conto que, estando esta noite com a viola na mão, bem trinta ou quarenta legoas pelo sertão dentro de um pensamento, senão quando me tomou á traição Solina; e, entre muitas palavras que tivemos, me descobriu que a senhora Dionysa se levantara da cama por me ouvir e que estivera pela greta da porta espreitando quasi hora e meia.

Duriano. Cobras e tostões, sinal de terra. Pois ainda vos não fazia tanto ávante.

Filodemo. Finalmente, veio-me a descobrir que me não queria mal, que foi para mi o maior bem do mundo…

Duriano … Boas esperanças ao leme, que eu vos faço bom que, ás duas enxadadas, acheis agoa».


Camões estava chegado à fase da audácia. Eis como ele agora raciocina:

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a fortuna a ousadia,
Porque sempre a encolhida covardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime firmamento,
A estrella nelle encontra, que lhe é guia;
Que o bem que encerra em si a phantasia,
São umas illusões que leva o vento.

Abrir-se devem passos á ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os principios somente a sorte os move.

Atrever-se é valor e não loucura.
Perderá, por covarde, o venturoso
Que VOS vê, se os temores não remove.
(Soneto 132)

Mote (alheio)
Tudo póde uma affeição.

Glosa
Tem tal jurdição Amor,
Na alma donde se aposenta
E de que se faz senhor.
Que a liberta e isenta
De todo humano temor.

E com mui justa razão,
Como senhor soberano,
Que amor não consente dano.
E pois me soffre tenção,
Gritarei por desengano:
Tudo póde uma affeição!


Cortesia de hid0141
Resolvido o enamorado poeta a fazer-se entender da infanta, não tardaria muito, podemos supô-lo, que esta lhe não percebesse os intuitos.

E sem querer dizer que o meio empregado por Camões fosse uma declaração escrita, o que é certo é que mais de uma das suas poesias se pode considerar como para isso destinada. Leiam-se, por exemplo, estas oitavas (epistola IV).

Continua, numa próxima oportunidade! JDACT



Cortesia do Arquivo Histórico/Universidade de Coimbra/PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/JDACT


A Questão Coimbrã, 1865: A defesa de uma poesia actual, objectiva e socialmente empenhada, que tivesse como referência os contributos da ciência e da filosofia e as leis da evolução histórica

Feliciano de Castilho
Cortesia depedraformosa
A Questão Coimbrã

Em 1865, António Feliciano de Castilho, mentor de um grupo de escritores da geração ultra-romântica portuguesa, teceu grandes elogios a duas obras de poetas ultra-românticos, D. Jaime, de Tomás Ribeiro (1863) e Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas (1865), ao mesmo tempo que fazia comentários depreciativos em relação à poesia de Antero de Quental e de Teófilo Braga, dois jovens poetas que despontavam na cena literária.
Estes dois últimos pertenciam a um grupo de estudantes de Coimbra que se encontrava longe dos meandros do poder político e da corte literária de Castilho e tinha concepções literárias opostas ao ultra-romantismo. Tanto um como o outro responderam a Castilho de um modo desabrido e contundente, desencadeando polémica nos meios literários. Muitos escritores se envolveram na questão, uns a favor de Castilho, outros alinhando com os poetas conimbricenses.


Cortesia de purl e lutadoresdarepublica
Para os novos intelectuais (a chamada Geração de 1870), atentos às ideias e acontecimentos europeus e actualizados do ponto de vista estético, científico e filosófico, a arte, e sobretudo a poesia, devia contribuir para a mudança das mentalidades com vista à realização da revolução social. Defendiam, para o efeito, uma poesia actual, objectiva e socialmente empenhada, que tivesse como referência os contributos da ciência e da filosofia e as leis da evolução histórica.

A Geração de 1870
Cortesia de rakumis
A Questão Coimbrã, tal como as Conferências do Casino, inserem-se num processo mais vasto de liquidação do subjectivismo e sentimentalismo ultra-romântico, de combate à influência do catolicismo e de desgaste do regime político vigente (monarquia constitucional). A Geração de 1870 deu um contributo fundamental à renovação da cultura e da mentalidade portuguesas do século XIX, deixando trabalhos marcantes nos campos da literatura, do pensamento e da história, entre outros.

Cortesia de portugaltchat/JDACT

Ramalho Ortigão: «Não, a vida não é uma festa permanente e imóvel, é uma evolução constante e rude. O escritor plástico»


Caricatura de Bordalo Pinheiro
(1836-1915)
Porto
Cortesia delagash  

José Duarte Ramalho Ortigão foi um escritor português. Dedicou-se ao jornalismo, na função de crítico literário, e à produção de folhetins no «Jornal do Porto».
Matriculou-se com a idade de catorze anos no curso de Direito da Universidade de Coimbra, começando a leccionar francês no colégio dirigido por seu pai, o Colégio da Lapa, pouco tempo depois e no qual lhe sucedeu em 1860.
Interveio na célebre Questão Coimbrã (1865), defendendo António Feliciano de Castilho, por meio do folhetim «Literatura de Hoje» batendo-se em duelo com Antero de Quental em razão disso.
Em 1868 veio para Lisboa como oficial da secretaria da Academia de Ciências, estabelecendo uma ligação com Eça de Queirós e com o grupo das Conferências do Casino. Em 1870 começa a publicação, no «Diário de Notícias», em folhetins, do Mistério da Estrada de Sintra, em parceria com Eça. Este convívio com Eça deve ter conduzido à sua adesão ao realismo.

Cortesia de stellapsicanalise
Desde 1871 começa a publicar com Eça, «As Farpas», definidas como panfletos de oposição social e política pelo riso que são publicadas mensalmente. Ramalho Ortigão edita, mais tarde (de 1887 a 1891), «As Farpas», por temas. Nestes escritos salienta-se o pendor didáctico da sua sátira política e social dentro do critério positivista mas sem renunciar aos valores patrióticos, a que acedeu, deixando o seu inconformismo revolucionário, e que o tornou figura de destaque na geração nacionalista que conduziu ao Integralismo Lusitano.
A partida de Eça levou-o a ser mais influenciado por Téofilo Braga.

Para além da crítica humorada, que leva a cabo em As Farpas, é de salientar a autoria de livros de viagens como, por exemplo, A Holanda (1885) e John Bull (1887) em que capta uma grande variedade de cores, feitios e movimentos do mundo dos sentidos em feiras e arraias e também em locais pitorescos e que fazem dele um «escritor plástico». Importante referir ainda o notável e intuitivo dom de crítica de arte, o primeiro que aparece em Portugal, e que é patente em muitas páginas dos seus livros, como na sua obra O Culto da Arte em Portugal, de 1896.



Cortesia de tlaxcala, purl e arteeletra
Obras
  • O Mistério da Estrada de Sintra (com Eça de Queirós);
  • 1870-71 - Correio de Hoje;
  • Em Paris;Biografia de Emília Adelaide Pimentel;
  • 1871-72 - As Farpas (com Eça de Queirós);
  • 1871-1882 - As Farpas;
  • 1875 - Banhos de Caldas e Águas Minerais;
  • 1876 - As Praias de Portugal;
  • Teófilo Braga: Esboço Biográfico;
  • Notas de Viagem;
  • Pela Terra Alheia: Notas de Viagem;
  • A Lei da Instrução Secundária na Câmara dos Deputados de Portugal;
  • 1883 - A Holanda;
  • 1887 - John Bull - Depoimento de uma testemunha acerca de alguns aspectos da vida e da civilização inglesa;
  • 1896 - O Culto da Arte em Portugal;
  • 1908 - D. Carlos o Martirizado;
  • 1911-14 - Últimas Farpas;
  • 1914 - Carta de um Velho a um Novo.
Cotesia de wikipédia/Dicionário Histórico/CITI/JDACT

Museu Nacional Soares dos Reis: Exposição TRANSPARÊNCIA-ABEL SALAZAR E O SEU TEMPO, UM OLHAR. O afastamento da vida académica permite-lhe desenvolver uma produção artística variada na temática e na expressão plástica

(1889-1946)
Guimarães
Cortesia do Correio do Porto

Cortesia de aarteemportugal

Um Projecto da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
Organização: Museu Nacional Soares dos Reis; Casa-Museu Abel Salazar; Reitoria da Universidade do Porto.

Transparência - Abel Salazar e o seu tempo, um olhar
Museu Nacional Soares dos Reis
Até 27 de Novembro de 2010

Com a devida vénia do Correio do Porto.

«Abel Salazar, médico cientista e artista plástico, é um caso singular no panorama cultural português e uma das personalidades mais prestigiadas da I República, que não pode ser avaliado somente numa perspectiva disciplinar. A exposição TRANSPARÊNCIA – ABEL SALAZAR E O SEU TEMPO, UM OLHAR, organizada em torno da sua obra plástica, pretende contribuir para uma melhor compreensão e posicionamento histórico do seu trabalho à luz do pensamento actual.
Abel Salazar não só aprofundou o estudo do corpo biológico, através da microscopia, como estreitou os laços com o corpo social através da arte, utilizando diversas técnicas: o desenho, a pintura, a escultura. Além disso, produziu uma importante obra teórica, em que convergem arte, ciência e filosofia, que organiza todo um corpo de saber. Para pensar a sua obra no presente é importante entender não só a exemplar coerência interna do seu discurso e da sua prática, como também a relação que estabelece com os movimentos artísticos mais relevantes da época, nuns casos de empatia (como é o caso do impressionismo) noutros de oposição e corte ideológico (como é o da «arte pela arte» modernista) mas nunca de completa identificação.

Cortesia de mnsr.imc-ip
 Estarão expostas cerca de duas centenas de obras de arte (pintura e desenho) da autoria de Abel Salazar e de alguns dos artistas mais relevantes do naturalismo, do impressionismo e do modernismo português, como Henrique Pousão, Silva Porto, António Carneiro, Columbano Bordalo Pinheiro, Amadeo de Souza Cardoso, Mário Eloy, Almada Negreiros, Vieira da Silva, Júlio Pomar, etc.
As obras expostas são provenientes das colecções da Casa-Museu Abel Salazar, do Museu Nacional Soares dos Reis, do Museu do Chiado, da Fundação Arpad Szenes/Viera da Silva e de colecções privadas.
O catálogo, além da documentação fotográfica da exposição e uma cronologia do tempo de Abel Salazar, contém estudos da autoria de Manuel Valente Alves, Maria do Carmo Serén e José Luís Porfírio». In Manuel Valente Alves, Comissário da Exposição.


O afastamento da vida académica permite a Abel Salazar desenvolver uma produção artística variada na temática e na expressão plástica: gravura, pintura (paisagens, retratos, ilustração da vida da mulher trabalhadora e da mulher parisiense), pintura mural, aguarelas, desenhos, caricaturas, escultura e cobres martelados (caso único entre os artistas contemporâneos).
Para Amândio Silva, Director artístico da Casa-Museu durante quase 50 anos, Abel Salazar «como pintor foi sempre um intérprete de uma realidade social do seu tempo. As variadas técnicas que sofregamente o vemos experimentar são umas das facetas mais notáveis do seu temperamento de artista e da sua capacidade polivalente».




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Cortesia de circuloarturbual

Cortesia do Correio do Porto/Museu Nacional Soares dos Reis/JDACT

Carlos de Oliveira: Um dos grandes poetas do século XX. Combina a preocupação de intervenção social com a reflexão sobre a escrita. Um escritor dotado de densidade e agudeza nos efeitos diversificados da sua leitura

(1921-1981)
Cortesia de bibliotecaimaginaria

Leitura
Quando por fim as árvores
se tornam luminosas; e ardem
por dentro pressentindo;
folha a folha; as chamas
ávidas de frio:
nimbos e cúmulos coroam
a tarde, o horizonte,
com a sua auréola incandescente
de gás sobre os rebanhos.

Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.

Perdem mais densidade;
ascendem na pálida aleluia
de que fulgor ainda?
e são agora
cumes de colinas rarefeitas
policopiando à pressa
a demora das outras
feita de peso e sombra.
Carlos de Oliveira

Filtro
O poema
filtra
cada imagem
já destilada
pela distância,
deixa-a
mais límpida
embora
inadequada
às coisas
que tenta
captar
no passado
indiferente.
Carlos de Oliveira

JDACT