segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Salvaterra de Magos. Em torno do Foral: A Génese dum Concelho. «Apenas em 1294, o concelho de Santarém concedeu a posse e propriedade do Paul de Magos a D. Dinis, doação à qual se seguiu a renúncia de algumas lezírias, até aí na posse do concelho»

Cortesia de tomaracidade

Com a devida vénia a Hermínia V. Vilar e o concelho de Salvaterra de Magos da Pré-História ao século XVIII.

A ocupação e rentabilização do espaço
«A região onde Salvaterra de Magos se veio a implantar e a desenvolver, principalmente, a partir de finais do século XIII, constituía já, nas décadas anteriores, um espaço privilegiado de ocupação humana e de produção cerealífera. Ao longo das margens irrigadas do Tejo, nas vários campos e parcelas que se estendiam em paralelo ao leito, ciclicamente transbordável, deste curso fluvìal, cultivavam-se os cereais, tão profusamente consumidos no período medieval.
Nessa zona polarizada em torno do Tejo, enquanto eixo vivificador do rentabilidade das suas margens e eixo de comunicação, por excelência, intra e inter-regional, cedo se estruturou um pólo, que procurou, em paralelo, catalizar a actividade económica e assumir-se como o centro político duma região.

D. Dinis
Cortesia de flickr
Na verdade, Santarém apresentou-se no decurso destes séculos, como o principal centro urbano desta zona, aonde afluíam muitos dos produtos produzidos na região que lhe ficava a montante e a jusante, muitas vezes sob o aspecto de foros cobrados pelas instìtuições religiosas e pelos membros da nobreza ou da oligarquia locol que aí residiam, e que detinham terras nos campos em redor.
Como seria de esperar, a rentabilidade desta região provocou um retalhar da sua superfície em propriedades detidas pelas mais diversos entidades. Aí coexistia o rei proprietário, através dos seus numerosos reguengos, com o nobre de corte como Estevão Eanes ou João Peres de Aboim, e com o mercador ou cavaleiro sediado em Santarém, sem esquecer as numerosas instituições religiosas que aí detinham bens, num
eixo que compreendia e que se estendia ao longo do curso do Teio, regra geral, até aos campos da Golegã. Com efeito, de entre as igrejas e conventos que aí possuíam uma ou mais parcelas, dois grupos se parecem poder destacar, de ocordo com um critério de localização:
  • as instituições sediadas em Lisboa, como o mosteiro de Chelas e o de S. Vicente de Fora, entre outras,
  • as instaladas em Santarém, com realce para os conventos de Sta. Clara e de S. Domingos, além das diversas colegiadas da vila.
No fundo, rivalizavam por uma zona que os dois núcleos urbanos também disputavam, numa luta de contornos administrativos e económicos, concretizada nas pequenas disputas territoriais que, invariavelmente, se colocavam.

Paul de Magos
Cortesia de flickr
Contudo, a luta não compreendia apenas o enfrentamento entre proprietários e interesses. A outra frente de conflito colocava-se ao nível da luta contra o elemento natural, representado pela entrada da água do Tejo nos terrenos e consequente alagamento, que impedia o seu cultivo. O aumento da área cultivada nesta região implicou grandes obras de drenagem das zonas mais alagadiças e que, entre os finais do século XIII e o decurso do XIV, foram enxutas e exploradas.
Especificamente, ao Paul de Magos, base onomástica do povoação de Salvaterra, este pertencia, no início de Duzentos, ao concelho de Santarém. A par de outros paúis, charnecas e lezírias, como as de Alcoelha, Atalaia e e Freceira, o concelho de Santarém explorava também o Paul de Magos, localizado na margem oposta do Tejo, acima de Benavente.
Apenas em 1294, este concelho concedeu a posse e propriedade deste Paul a D. Dinis, doação à qual se seguiu a renúncia de algumas lezírias, até aí na posse do concelho». In Hermínia V. Vilar, o concelho de Salvaterra de Magos da Pré-História ao século XVIII, edição da CM de Salvaterra de Magos.

Continua.
Cortesia e Hermínia Vilar/CMSalvaterra de Magos/JDACT

O Reino de Aragão: «Fernando e Isabel, os Reis Católicos, subiram ao trono, proclamaram a união dinástica de Aragão e Castela. Depois, a história de Aragão confunde-se com a de Espanha, designação a partir do reinado de Carlos de Habsburgo (1516)»

Cortesia de olharparaver

O Reino de Aragão
«Antiga província romana, depois integrada no reino visigótico, Aragão sofreu, no século VIII, a conquista muçulmana. Neste período, durante uma ofensiva de Carlos Magno contra os Mouros, os cristãos que habitavam junto do Rio Aragão foram incentivados pelo rei franco a ocupar os territórios onde viviam e outros circundantes. Estas terras constituiriam, mais tarde, o reino de Aragão, no Nordeste de Espanha:
  • entre a Catalunha, a leste;
  • Navarra, a oeste;
  • Castela, a oeste e a sul, tal como Valência e regiões árabes;
  • a norte, separada pelos Pirenéus, a França.
Aragão tornou-se reino independente em 1035, com Ramiro I, que dilatou o território na luta contra os Árabes.

Zaragoza
Cortesia de bibaluz 
Em 1096, Pedro I tomou Huesca e em 1118 Afonso I, seu irmão e sucessor, conquistou Saragoça: o vale do Ebro passou a ser cristão e aragonês. Com o casamento, em 1137, de Petronilha, filha de Ramiro II, irmão de Afonso I, com o conde de Barcelona, Raimundo Berenguer IV, deu-se a união de Aragão com a Catalunha. O reino de Aragão, com este matrimónio, ganhou notoriedade e projecção na Península Ibérica cristã. A tradição e potência marítima da Catalunha, Barcelona era um dos maiores portos medievais, propiciava a Aragão o estatuto de grande nação da Cristandade medieval, poderosa no Mediterrâneo e rival de Génova.

Após um forte contra-ataque árabe, Aragão e Castela acordaram, no Tratado de Cazorla (1179), em dividir entre si os territórios árabes a conquistar. Em 1228, Aragão dominava totalmente a Catalunha e as Baleares (Maiorca, Ibiza, etc.) e em 1238 conquistava Valência, outro porto importante no Mediterrâneo.
Em 1282, apoderava-se da Sicília, na posse dos franceses, que invadiram Aragão em 1285, sendo derrotados por Pedro III, soberano que dominou também levantamentos dos muçulmanos e dos nobres catalães. Cedeu, porém, algum poder à União Aragonesa, uma associação da nobreza e de representantes de certas cidades. Em 1342-44, reincorporaram-se as Baleares no reino aragonês, por acção de Pedro IV, que também conquistou o Roussillon e a Sardenha aos franceses e venceu a União Aragonesa em 1348. Impôs-se também na Sicília e na Grécia, em Atenas e Neopatras.

Cortesia de torredahistoriaiberica
Em 1356-59, Pedro IV de Aragão envolveu-se, desastrosamente, numa guerra com Castela, instigado pelos franceses, que depois tomam o partido dos castelhanos, mas sem o apoio da nobreza aragonesa.
Em 1395 ficou vago o trono de Aragão. Com o acordo político do Compromisso de Caspe, a Coroa passou para Fernando de Antequera, de Castela, eterna rival dos aragoneses. Sob o nome de Fernando I de Aragão, reinou a partir de 1412, enfraquecendo a dinastia aragonesa e preparando a união com Castela. Seu filho, Afonso V, ainda conquistou o reino de Nápoles.

Em 1469, Fernando II, seu filho e herdeiro, desposou Isabel I de Castela, herdeira de Henrique IV, dando-se um passo definitivo para a unificação dos dois reinos. Dez anos mais tarde, com a morte de João II, seu filho, Fernando e Isabel, os Reis Católicos, subiram ao trono, proclamando-se a união dinástica de Aragão e Castela. Depois desta data, a história de Aragão confunde-se com a de Espanha, designação oficial a partir do reinado de Carlos de Habsburgo, iniciado em 1516. A língua aragonesa fundir-se-á com o castelhano, bem como os costumes e tradições.

Cortesia de historiarn
Aragão era, na Idade Média, famosa pela liberdade das suas instituições políticas, bem como pela limitação do poder real, conseguida devido à luta da União Aragonesa e aos privilégios das cidades, os fueros, base da autonomia administrativa dos municípios aragoneses, de que ainda perduram alguns resquícios. De Aragão é originária a Rainha Santa Isabel, filha de Pedro III e de Constança da Sicília e mulher do soberano português D. Dinis». In Infopédia. Porto Editora, http://www.infopedia.pt/$reino-de-aragao.

Cortesia de Infopédia/JDACT

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Alfredo Alves: D. Henrique o Infante. Memória Histórica. Parte III. A caça e as regras da montaria. A Cavalaria e as canções de gesta


Cortesia de paulocampos 

«A sua educação física, como a de todos os mancebos da época, era um aprendizado nos exercicios arriscados da caçaa para os lances dos combates, em que se ganhava a espada ambicionadissima da sagrada Cavalaria. A caça ou montaria era a predilecta distração na Idade Média, de todo o que sentia nos braços a valentia e a força. Caçadas perigosíssimas aos ursos e javalis foram o tema de várias canções de gesta e de fabliaux. Casava-se a galanteria com o perigo; o prémio de quem alcançasse dar morte a um urso, ou conseguisse trazer as mãos um corvo branco, era um beijo nos lábios da mais formosa dama que aparecesse na excursão venatória. Ser bom caçador era uma das principais qualidades de qualquer nobre ou cavaleiro. D. João na sua adolescência, tendo por aio Nuno Freire de Andrade, ainda parente de sua mãe Tereza Lourenço de Andrade filha de Gil Rodrigues de Valadares, habituara-se com ele às montarias arriscadas ao javardo e ao lobo, e na fadiga desses exercícios dava a elasticidade do aço aos sens músculos sadios e educava o ânimo no labor de perseguir e combater; por isso foi um caçador experimentado, que chegou a compilar várias regras de monteria, em um livro que andava em sua recamara. E então com os filhos Duarte, Pedro e Henrique e muitas vezes o bastardo Afonso (ou João Afonso) percorria, alegre, seguido de seus monteiros e lebreus os montados e tapadas a perseguir o javali e o cervo.

Cortesia de guerradarestauração
Dava regras aos filhos, ele, que se podia considerar um mestre na arte. A caça grossa deveria ser morta a flecha aguda; as lebres, com um virotão terminado por uma masseta; aos patos bravos devia-se enganar com a armadilha da vaca artificial, como que pastando no arrelvado das insuas; os lobos tinham de ir cair, famintos, em um cercado, atraídos pelo cheiro de presunto, lá posto no centro, como engodo. E animava-os nas correrias; citar-lhes-ia, talvez, o caso, que Froissart refere, de Eduardo III, de Inglaterra, atravessar a França seguido de 30 falcoeiros e 240 cães. Podia-se comparar D. João I no gosto da monteria a D. Afonso XI, de Castella, que em 1340 fez redigir um Libro de Monteria, inspirado decerto no célebre Livro do Rci Modus, o mais antigo repositório de regras aos confrades de Santo Huberto, bispo de Liege. Caçava-se também com falcoes; era o modo predilecto das donas e donzelas irem à monteria; nas suas facanêas, levadas de rédea pelos pagens, elas cavalgavam, armadas de sorrisos, com a preciosa ave em punho, pronta a ser despedida sobre a caça como um virote.
Eram estimadissimos, então, os falcões; os melhores vinham da Suécia, da Islândia, de Marrocos, da Turquia. Citava-se com inveja o caso de Bajazet ter mostrado aos prisioneiros da batalha de Nicopolis umas 7 mil daquelas aves. Tinham estas verdadeiros apaixonados; o seu voo arrojado e certeiro, como uma frechada, entusiasmava os entendedores:


Qui auroit la mort aux dents
Il revivroit d'avoir tel passe-temps!
 
chegara a escrever Guilherme Crétin, poeta de Luiz XII.

Cortesia de guerradarestauracao
Eram próprios da época os torneios; desde 1066, em que Godofredo de Pailly os idealizou, serviam eles de bom aprendizado nas armas aos mancebos que tinham por destino o combater. Assaltantes e mantenedores giravam nas liças; altivos em suas armaduras, correctos em seus meneios, fuzilando raios de espadas e estrondeando em choques violentíssimos, com seus pendões ao vento e seus olhares na dama dos pensamentos, velavam a rudeza dos seus feitos com um sendal de poesia: o culto ariano do belo e do frágil, personificado na mulher. Nesses torneios, que se repetiam nas solenidades de mais importância, educaram-se também os Infantes de Aviz.
À epoca era ainda de Cavalarias; havia pouco tempo que aos nove preux já consagrados:
  • Machabeu,
  • Josué,
  • David,
  • Alexandre Magno,
  • Heitor,
  • Júlio Cesar,
  • Karl, o Magno,
  • Godofredo de Bouillon,
  • Beltram,
  • se acrescentara um décimo, Duguesclin.
A Cavalaria ainda era um sacerdócio da guerra; aureolava-se com a generosidade e as suas armas deviam defender todo o que se afundasse na tristeza do desamparo.
O espírito cavalheiresco caía no fervido tumultuar das paixões como uma aspersão de água benta na fronte de um réprobo; era como uma aragem que descesse do céu a varrer os miasmas que ao de cima de um pântano se alastravam, nas almas. O seu móbil não seria todo ideal, contudo ele foi um protesto reabilitador da Humanidade. E nesse espírito que vêm acolher-se as correntes de tradicões indo-europeias, que se transfundem nas almas, de geração a geração, como o sangue de organismo a organismo; e essas tradições combinadas com a Ideia Cristã, que por assim dizer criou uma nova raça humana, desenvolvem-se gradualmente nas Epopeias. Aquelas começam no mar dos povos a surgir assim como, longe da costa, afloram a superficie do Oceano as espumas precursoras das vagas, que se formam depois e rolam na praia com estampido formidável.

Cortesia de wikipedia 
Pois da mesma forma, nos tempos medievos, uma ou outra palavra revelava, aqui e ali, o assuntto que de longe vinha na asa da tradição; acolhia-o qualquer espirito que o desenvolvia em uma cantilena ou chacone, assimiliva-se esta com outras idênticas, enleiavam-se todas como ramos de florestas ou como raizes vigorosas, e essas cantilenas, sons isolados, constituiam, enlaçando-se, as canções de gesta.
A canção de gesta de Rolando é vibrante como um clarim de guerra; a Diurendal, a boa espada do herói, sulca como um arado vasta gleba de muçulmanos, Ganelon é a personificação do Mal; Alda, o eterno feminino; o cunho ariano de Justiça lá vem impresso nessa primeira compilação de cantilenas, e também o Cristianismo vai chamando a si e absorvendo a composição, tornando-a uma epopeia sua». In G 286, H5A53, Porto, Typografia do Commercio do Porto, 1894.

Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT

Os Dez Mandamentos da Serenidade de João XXIII: O papa Bom, melhor, o papa da Bondade. Convocou, para surpresa de muitos, o Concílio Vaticano II, que visava a renovação da Igreja e a formulação de uma nova forma de explicar pastoralmente os dogmas ao mundo moderno

Cortesia de 4rt4

Os dez mandamentos da serenidade de João XXIII
Nas folhas avulsas dos meus «rascunhos» deparei com João XXIII conquistou-me. A minha admiração e o desejo de encontar bons exemplos no dia a dia com os amigos da brincadeira (tinha 11 anos de idade). Mais tarde, devo ter acrescentado s/d esta nota: a serenidade de João XXIII e os seus dez mandamentos.
  • 1. Só por hoje tratarei de viver exclusivamente este meu dia, sem querer resolver o problema da minha vida, todo de uma só vez.
  • 2. Só por hoje terei o máximo cuidado com o meu modo de tratar os outros: delicado nas minhas maneiras; não criticar ninguém; não pretenderei melhorar ou disciplinar ninguém senão a mim.
  • 3. Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz não só no outro mundo, mas também neste.
  • 4. Só por hoje me adaptarei às circunstâncias, sem pretender que as circunstâncias, se adaptem todas aos meus desejos.
  • 5. Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, lembrando-me que assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida da minha alma.
  • 6. Só por hoje praticarei uma boa acção sem contá-la a ninguém.
  • 7. Só por hoje farei uma coisa de que não gosto e se for ofendido nos meus sentimentos procurarei que ninguém o saiba.
  • 8. Só por hoje  farei um programa bem completo do meu dia. Talvez não o execute perfeitamente, mas em todo o caso, vou fazê-lo. E me guardarei bem de duas calamidades: a pressa e a indecisão.
  • 9. Só por hoje ficarei bem firme na fé, de que a Divina Providência se ocupa de mim, como se existisse somente eu no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário.
  • 10. Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de gozar o que é belo e não terei medo de crer na bondade.
O papa Bom, melhor, o papa da Bondade. Convocou, para surpresa de muitos, o Concílio Vaticano II, que visava a renovação da Igreja e a formulação de uma nova forma de explicar pastoralmente os dogmas ao mundo moderno. No dia 3 de Setembro de 2000, João XXIII foi declarado Beato pelo papa João Paulo II.

JDACT

Oliveira Martins. A corte de D. Manuel: Parte I. A Embaixada ao Papa. «Era uma procissão magnífica, e o fausto espectaculoso do rei português conseguiu deslumbrar essa corte de Leão X onde se reuniam os primores da civilização da Europa...Um elefante recamado de xairéis preciosos levava, na sua torre, o cofre onde ía o pontifical oferecido por D. Manuel ao papa...»

Cortesia de leiloes

A corte de D. Manuel
«A conquista da Índia encheu de ambições o ânimo ostentoso do rei D. Manuel. Queria também figurar entre os primeiros soberanos da Europa, intervir de um modo conspícuo na política internacional, e para isso resolveu mandar a Roma uma embaixada, tão faustosa que deslumbrasse o mundo. Ao Salomão papal enviava o imperador de Sabá um tributo de cortesia, que era ao mesmo tempo um escudo de pretensões. Menos de quatro séculos andados tinham bastado para que o rei de Portugal, o antigo humilde vassalo da Igreja, se apresentasse hoje, não aos pés, mas em frente do trono papal, vestindo o manto roçagante de um império constelado pelas coroas do Oriente.
O rei de Portugal queria que se prosseguisse no Concílio de Latrão, na reforma dos abusos da Igreja, porque «desde o tempo do papa Alexandre VI havia na corte de Roma muita soltura de viver e se dava dissimuladamente licença a todo o género de vício, de maneira que grandes pecados se reputavam por veniais», diz Góis. «Amoestar o papa, continua, e pedir-lhe que quisesse pôr ordem e modo na dissolução de vida e costumes e na expedição de breves, bulas e outras coisas que em a corte de Roma tratavam, do que toda a Cristandade recebia escândalo», eis aqui a causa de uma embaixada anterior, e um motivo também da ostentosa missão de agora.

Cortesia de doportoenaoso
Queria, porém, mais el-rei que se lavrasse entre os príncipes cristãos uma liga contra o Turco; queria ainda que o clero português  contribuísse com uma colecta para as despesas da Índia; e que o padroado de todas as igrejas do Oriente ficasse à Ordem de Cristo, cujo mestrado andava com a coroa portuguesa. Sobretudo, o rei queria mostrar ao mundo o que valia e o que podia, ostentando a sua riqueza em Roma, aí onde o seu embaixador tinha de pagar tudo a peso de ouro, salvo os mártires. Miguel da Silva anunciava a oferta de uma canonização grátis.
A embaixada, confiada a Tristão da Cunha, partiu de Lisboa em Janeiro (1514), e foi recebida em Roma em Março. Era uma procissão magnífica, e o fausto espectaculoso do rei português conseguiu deslumbrar essa corte de Leão X onde se reuniam os primores da civilização da Europa.
Partiram, primeiro da porta del Populo, 300 cavalos guiados à rédea por outros tantos azeméis, vestidos de seda, e os cavalos cobertos por mantos de brocado com franjas de ouro. 
Seguia logo a turba da criadagem, e após ela os portugueses de Roma, seculares e eclesiásticos. Depois iam os parentes dos embaixadores, ostentando o luxo desvairado desses tempos: chapéus de plumas bordados de pérolas e aljôfar, grossos colares e cadeias de ouro cravejados de pedras preciosas, armas tauxiadas com embutidos e lavores, sedas, veludos, rendas, anéis; montando cavalos de raça, ornados de fitas e jaezes de preço.

Cortesia de jorieos
Eram mais de 50 os fidalgos; e atrás do brilhante esquadrão via-se, primeiro, uma companhia de besteiros de cavalo, depois os oficiais da casa do papa, com a sua guarda de honra de archeiros suíços e lanceiros gregos, a pé. A cavalo, os músicos da embaixada portuguesa e trombeteiros e charameleiros do papa, reunidos, abriam a segunda metade, mais singular, do préstito capitaneada pelo estribeiro do rei, Nicolau de Faria, que montava um cavalo cujos arreios eram esmaltados de ouro cravejado de pérolas.
Um elefante recamado de xairéis preciosos levava, na sua torre, o cofre onde ía o pontifical oferecido por D. Manuel ao papa; e um naire da Índia, vestindo os seus trajes de seda, ía governando o animal dócil «tão formoso, sendo mui feio, que era coisa gentil de se ver». Depois do elefante, num cavalo da Pérsia, montado por um caçador de Ormuz, ía deitada na anca uma onça domesticada. Estes animais, 2 leopardos em carros, encerrados em gaiolas, e o pontifical magnífico eram as páreas que, dos seus domínios orientais, o rei enviava ao papa. Morreu noutra viagem o rinoceronte, destinado a representar a África, mas foi depois empalhado para Roma; não chegando porém lá as quintaladas de cravo, de pimenta, de canela, de gengibre, de malagueta, carregação da nau que naufragou em Génova.

Cortesia de avosices
Depois das páreas, a embaixada formava um grupo deslumbrante de riqueza. Garcia de Resende, o secretário, era seguido pelo rei de armas de Portugal, com a sua cota vestida, e pelos maceiros do papa, que precediam os embaixadores. Tristão da Cunha a cavalo «tão posto e poderoso com seu chapéu de pérolas que matava todos de gentileza» vinha entre o duque de Bari e o governador de Roma; Diogo Pacheco entre o bispo Alberto Cáspio; e João de Faria entre o bispo de Nápoles e o sábio Guilherme Budeo, embaixador do rei de França. Depois seguiam os embaixadores de Castela e de Inglaterra, da Polónia, de Veneza e de Milão, de Luca e de Bolonha, cada um com  com seu bispo ao lado, e marchando em coluna, aos pares.
Havia séculos, desde o antigo Império, que a Itália não vira um elefante, e a novidade espantosa, correndo por toda a península, trouxera gente de muito longe. Havia quem estivesse em Roma desde meses esperando o grande dia, e as ondas do povo alastravam o chão ansiosas: «Não sei contar a V. A. por onde vim, que eu não via outra coisa senão gente, sempre gente». O dia amanhecera chuvoso, mas aclarou depois, e nas ruas, nos palanques, nos telhados das casas, nos balcões, por toda a parte, o negrume do povo se estendia a perder de vista». In História de Portugal, Oliveira Martins, Europa-América edição nº 140823/5304, adquirido em Janeiro de 1993.

Cortesia de Europa-América/JDACT

Oliveira Martins: O Princípe Perfeito. Prefácio, Parte I. « ...D. Afonso V armara cavaleiro o Príncipe D. João. Fora ali, em frente do cadáver ensanguentado e ainda quente do Conde de Marialva...»

D. Afonso V
Cortesia de madeiragenealogy

«A referência à estada de Oliveira Martins em Branc'Annes deu-nos ensejo para indicar, em traços muito gerais, o conteúdo do capitulo primeiro da história do Principe Perfeito. A publicação, por inteiro, d'esse precioso trecho litterário dispensava nesse momento, e dispensa agora, referência mais extensa e minuciosa à matéria que o compõe. Não sucede, porém, o mesmo pelo que respeita ao que viriam a ser os onze capitulos seguintes. Para se poder formar uma noção menos incompleta da obra toda, torna-se mister desenvolver a indicação dos assuntos que os constituiriam, e referir a ordem porque estes ali seriam expostos.
É o que intentamos fazer, ocupando-nos seguidamente do capitulo segundo.
Deveria proseguir e ultimar-se nele a história de D. Afonso V. O episódio castelhano da vida deste monarca ficara narrado no capitulo lº. Da sua menoridade tratára-se com larguesa nos Filhos de D. João II. Somente restava pois, para rematar o quadro, narrar a viagem a França, os últimos e tristes anos do reinado e a morte do infeliz monarca nos paços de Sintra, onde o colhera a peste, da qual em vão tentara fugir abandonando Lisboa precipitadamente. Os elementos congregados por Oliveira Martins para este capitulo 2.º fazem crer que ele iria de par em pitoresco, se os não excedesse, com qualquer dos seus trabalhos anteriores do mesmo género.

Cortesia de expressodalinha
Seriam a nobre epopeia africana, e o clarão das vitórias de Marrocos, o que lhe engrandeceria, iluminando-se as primeiras páginas. Os revezes da fortuna, as amargas humilhações, o abatimento do régio ânimo de Afonso V, descritos no capitulo 1.º, evocavam, com efeito, por contraste natural e espontâneo, a lembrança de um passado de tamanhas glorias. Por isso também, e com o intuito de projectar luz mais forte sobre oposição tão dramática, é que o capitulo se iniciaria descrevendo o regresso triunfal de D. Afonso V da mais brilhante de todas essas expedições, aquela que dera em resultado tomarmos Arzilla,e render-se-nos Tanger.
À frente de 338 velas, reunidos sob as suas ordens para cima de 24.000 homens, o rei português por duas vezes assaltara, com efeito, a primeira daquelas praças, que cedera a essa dupla investida. Tanger abrira logo depois e espontaneamente as suas portas, havendo os mouros evacuado a cidade ao aproximar-se a onda invasora das hostes de Portugal. Fora em Arzilla, depois de assaltada e tomada a grande mesquita, que D. Afonso V armara cavaleiro o Príncipe D. João. Fora ali, em frente do cadáver ensanguentado e ainda quente do Conde de Marialva, patentes os fundos golpes rasgados pelos alfanges dos mouros nas carnes de D. João Coutinho, que o rei exclamara, apontando para tão heróicos restos:
  • «Filho, prasa a Deus que haja por seu serviço serdes vós tão bom cavalleiro como o foi este, cujo corpo aí vedes jazer morto com muitas feridas, que por serviço de Deus e meu hoje recebeu»
 e beijando-o logo após na face, o levantara.

Cortesia de portugalliae
Compreendem-se por tudo isso bem os sentimentos com que a Infanta D. Joana, a Princesa Santa, a quem o pai confiara o reino antes de embarcar para África, sairia dos seus paços em Lisboa ao encontro dos heróis. Revestira-se ela de custosas galas, adornara-se com as pedrarias mais finas como cumpria em momentos de tamanho fausto, mas, sempre firme na piedade, «mandara fazer para a ocasião um hábito de veludo verde rico» assim o narra o cronista Nicolau Dias:
  • . . . porque vestidíi de firme esperança que em Deos tinha, confiava que aquella vez se cumpririam seus desejos. Vestiu-se muito ricamente, e com muita pedraria, de junto da carne levava o áspero cilicio, e camisa de lãa, e acompanhada de todas suas donzellas, de todos os mais officiaes, de pessoas de sua casa, como convinha a seu real estado, encomendando-se primeiro muito a nosso Senhor, sahio com sua tia a senhora dona Felipa irmã da Rainha sua may, a receber el Rey seu pay, e ao Príncipe seu irmão, e toda sua corte, os quaes vinham com tanta festa de alegria quanta merecia a victoria que nosso Senhor teve por bem de lhes dar.
Chegara a apoteose, o momento capital da vida, o remate solene dos triunfos de D. Afonso V, o Africano. E para explicar a primeira, cabia bem fazer então a narrativa destes. Oliveira Martins era assim naturalmente impelido a historiar a expedição de Alcácer-Ceguer em 1458, na qual ainda tomara parte o Infante Navegador, e com o Rei e seu tio, D. Fernando, Duque de Viseu e de Beja, o Marquês de Valença e tantos outros representantes da maior e melhor fidalguia do reino, capitaneando para cima de 26000 homens embarcados em 280 naus, galés e outros navios.  E como sequência a essa narrativa, viria igualmente a da primeira expedição malograda a Tanger, e a da grande e final empresa de Arzilla, coroada
de êxito tão completo, e assinalada pelo triunfo mais cabal.
Após essa narração tão animada pela riqueza de episódios heróicos e reveladores da exuberante seiva nacional, é que seria descrita a peregrinação a França do Rei vencido nos campos de Toro. A viagem fizera-se pelo Mediterrâneo com receio das armadas de Castela, que facilmente poderiam atacar, próximo ás costas da Galiza ou no golfo de Biscaya, a rota que transportara o Rei. Do sul da França seguira o soberano até à cidade de Tours onde Luiz XI o viera visitar à sua pousada «sem nunca ter querido que El-Rei D. Afonso o procurasse na dele, e lhe fizera grandes oferecimentos, que todos arrebentaram em falsidades e enganos».

Cortesia de voltanahistoria
Foi em Novembro de 1476 que se realizou a conferência entre ambos os soberanos, nos termos seguintes, extractados da crónica de Ruy de Pina:
  • Avysado El-Rey D. Afonso, do dia em que El-Rey de França o queria vir ver, vistiosse em vistiduras onestas e Reaes, com propósito de a pée sair, e o tomar na rua, ou ao menos nas escadas dos paços; mas El-Rey de França de reavisado pelo nisso impedir mandou a El-Rey diante dous seus parentes grandes senhores e muy gentis homens, os quaes em El-Rey aballando para sair, cortesmente o detiveram, dizendo que repousasse. Porém, como elles entenderam que El-Rey de França era entrado na salla deram logar que El-Rey D. Afonso saisse, e ambos os Reys, se ajuntaram no meo da salla e com os barretes nas mãos se abraçaram ynclinados os giolhos muy baxos. E tendo El-Rey de França asy abraçado El-Rey, com os olhos no Céu disse que dava muitas graças a Nossa Senhora e a Monseor S. Martym, porque a hum tão prove homem como elle era, fizeram tanta mercêe. Que a seu Reyno e casa o viesse ver e visytar hum tamanho Rey, que elle sempre desejara tanto de ver, e ter por irmaão e amigo, e que porém elle nem cresse que era vindo em Reyno estranho, mas no próprio seu ; porque assy se faria n'elle todo o seu prazer e serviço, como nos de Portugal. E com isto acabado se recolheram aa Camará a entrada da qual, sobre quem se cobreria e entraria primeiro ouve entre ambos grandes e louvados debates. E em fiym El-Rey D. Afonso e deu por vencido, dizendo que havia por milhor ser-lhe bem mandado, que cortes.
Iludido por tão refalsadas exterioridades, o rei português prosseguira na sua viagem, dirigindo-se para a corte de Borgonha.

Continua.
Cortesia de Oliveira Martins/JDACT

Rosália de Castro: Cantares Galegos. «Cantarte hei, Galicia, teus dulces cantares, que así mo pediron, na beira do mar. ...que así mo pediron, que así mo mandaron, que cante e que cante na lengua que eu falo»

Cortesia de europealacarte

Has de cantar

Has de cantar,
menima gaiteira;
has de cantar,
que me morro de pena.

Canta menina,
na beira da fonte;
canta dareiche
bolinhos do pote.

Canta menina ,
com brando compás,
dareiche unha proia
da pedra do lar.

Papinhas com leite
também te darei;
sopinhas com vinho,
torradas com mel.

Batatas assadas
com sal e vinagre,
que sabem a nozes,
Que ricas que sabem!

Que festa, rapariga,
se cantas faremos ...!
Festinhas por fora,
festinhas por dentro.

Canta, se quiseres,
rapaza do demo;
canta, se queres,
dareiche um mantelo.

Com som da gaita,
com som da pandeira,
te peço que cantes,
rapariga morena.

Com o som da gaita,
com o som do tambor.
te peço que cantes,
menina, por Deus. 

JDACT

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

«Arrais» Vicente Francisco: Cantos do Tejo. «Águas correntes, águas já passadas da boa viagem todos querem parte, nem que seja ao rebolão ou que seja por má arte»

Cortesia de cantosdotejo 

Poesia em Verso
Saudades dos tempos vividos
Que já passaram, já lá vão
Com amores bem sentidos
Gravados no coração

Águas correntes, águas já passadas
Da boa viagem todos querem parte
Nem que seja ao rebolão
Ou que seja por má arte

Já tíve, agora não tenho
Por muitas era estimado
Acabou-se a minha mocidade
Já vou sendo desprezado

Dirão-me um dia a despedida
Meus amigos afastar
Já eu não podia acompanhar
A boa amizade me obriga
Mas eu a todos desejo a vida
Com meu coração já cansado

Mas enquanto eu andar podia
Por todos era estimado
O meu amigo mais antigo
A vida dele acabou

Eu depois dele nascido
Dia e noite, no mundo estou
Vivendo, sofrendo e aprendendo
Comendo o pão de cada dia

Mas enquanto habalhar podia
Nunca ninguém me ralhou
Se muito tens, muito vales
Se nada tens, nada vales

O melhor vinho e o amigo
É sempre, sempre o mais antigo
Chegando a hora, vaza a maré
Fica a praia descoberta
Acaba a mocidade, vem a velhice
Não há palavra mais certa
«Arrais» Vicente Francisco

Cortesia de Arrais Vicente

Salvaterra de Magos. As Cheias no rio Tejo: «Um dos maiores paradoxos da vida do Ribatejo. O Tejo leva e traz o maná para as eiras, escoadas as águas, ao fim de alguns dias, a terra fica prenha e reverdejará na Primavera seguinte»

Cortesia de meteoribatejohostzi

As cheias no rio Tejo
«As inundações do Tejo são quase tão antigas quanto o próprio rio Tejo.
Nos Invernos chuvosos uma invasão de águas do Tejo arrasa tudo à sua volta e durante dias o rio parece revoltar-se contra o Homem, inundando os campos, modificando por completo a lezíria ribatejana.

«E o rio parece assombrado! E parece que homens e animais não podem fazer outra coisa que não seja esperar. Esperar pela segunda fase do Inverno Ribatejano, a fase das enormes e catastróficas cheias do Ribatejo. Essa altura em que o rio incha como o ventre de uma grávida e paralisa tudo definitivamente, invadindo toda a campina, transbordando para as estradas, tornando o Ribatejo um túmulo aquático, suspenso no tempo» (O Inverno no Ribatejo).

As cheias são um dos maiores paradoxos da vida do Ribatejo: são boas porque fertilizam as terras e lavam os campos e são más porque destroem bens e espalham o pânico nas povoações ribeirinhas.

Cortesia desortidofino
Nos dias de cheias, o rio Tejo faz-se mar, que se estende de horizonte a horizonte, com os campos alagados, culturas destruídas, estradas cortadas, o desespero e ira dos Homens que se sentem diminutos perante esta adversidade das cheias:
  • «A água vai baixando. Deixou de chover há uns dias. Na lezíria já não há emposta mais chegada onde não tenha ido. A medida que a cheia desce, a desolação aumenta. Os troncos das árvores, a vegetação das abertas, os barracões, os paus da vedação, tudo o que as águas tocaram, envolvem-se numa cinta de barro viscoso, quase castanho, como se mãos humanas as tivessem marcado de maldição. Aluíram palheiros e arribanas. Vêem-se a boiar coelhos e galinhas das capoeiras arrombadas; e dezenas de lebres que não puderam escapar à morte da corrida com a cheia; e pássaros. Anda no ar um cheiro acre. E ameaça de mais fome. Os milhafres planam sobre um festim de miséria. Mergulham lá do alto, agarram as presas e abalam. Perdem-se no horizonte pardo» (Alves Redol Os Avieiros).
Durante dias ou semanas, as povoações ribeirinhas cobrem-se de água, mágoas e inquietações. Contudo, estas cheias possuíam um dom para fertilizar as terras destes campos, em cada cheia os solos agrícolas eram renovados e dotados de fecundidade para as colheitas:

Cortesia de cinemasapo
«O Tejo leva e traz o maná para as eiras, escoadas as águas, ao fim de alguns dias, a terra fica prenha e reverdejará na Primavera seguinte». (Micaela Soares, Cheias).
Na primeira metade do séc. XX, as cheias com maior ou menor intensidade aconteciam todos invernos e as populações da borda d'água habituaram-se a viver com elas.
A partir desta data, com a construção de barragens no rio Tejo e afluentes, as cheias ficaram mais espaçadas, mas em contrapartida tornaram-se mais violentas e destruidoras.

Salvaterra de Magos é uma vila ribeirinha que sofreu durante anos a revolta das águas do Tejo e soube adaptar-se a estes ciclos de cheias, criando para estes temporais uma espécie de «vida anfíbia», de forma a resistir e a sobreviver a estas intempéries». In As Cheias em Salvaterra de Magos, CM de Salvaterra de Magos, Março de 2010.

Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT

As Forcas do Distrito de Portalegre. Parte V: A Morte na forca e a recolha dos cadáveres

Cortesia de edicoescolibri

Com a devida vénia a Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás.

«Nas Ordenações Afonsinas e, sobretudo, nas Filipinas, encontramos bem explícitas as penas a aplicar para cada um dos crimes, não sendo, aqui, oportuna a sua referência. Importa-nos antes descrever o processo que o condenado tinha que percorrer até ao último suspiro na forca. Essa descrição encontra-se bem expressa no Compromisso da Misericórdia de Évora e na de Lisboa, que, genericamente, serviram de modelo a todas as misericórdias do País. Competia aos irmãos da Misericórdia de cada povoação acompanhar os condenados e apoiá-los até ao momento final.

Cortesia de edicoescolibri
Transcrevemos, aqui, a parte do Compromisso de Évora, de 1516, intitulada «Da maneira que se ade ter cõ os que padecem per justiça Cap XVIII»:
  • Item Quando alguma pessoa ouuer de padecer per justrça yrã da dita cõfraria os maís homens vestidos nos saios da miã que poderem seer dos quaes hum leuara a cruz cõ o pendão de nosa sõra diãte e dous yram diante e dous yram nas ylhargas delle cõ senhas tochas nas mãos acesas E de trás yra outro cõ ho crucifixo cõ outras duas tochas acesas nas mãos de cada cabo E detraz do crucifíxo yrã os mais penitentes que quiserem fazer pendença assy por seus pecados porque nã a hy nhum que nã seja pecador como tãbem por prouocarem o padecente a cõtriçam e arependimento de seus pecados os quaes todos estará a porta de fora da cadea esperado pollo padecente.
  • ( … )
  • E a mesma maneira se terá acerca dos quee per justiça forem esquartejados cujos quartos sam postos as portas da cidade E assy cõ os membros daquelles em que se faz justiça que estam no pelourínho ou em outras quaesquer partes Os quaes depois dee feita a justiça a três dias yram os ditos ofliciaes com a mais deuaçam que poderem pollos ditos membros e os tirarã e trazeram a enterrar ao cemitério da deã cõfraria E se allguuns per justiça morrerem queimados loguo em aquelle dia a tarde em que asy padecer o deõ prouedor mandara hum homem que per ssua devaçam o queira fazer ou ho cõtentara a dinheiro que va apanhar toda a ossada que ficar por queimar doo tall padecente e a trará em hum ramo de lemçoll pera seer enterrda e laçada em luguar sagrado em maneira que os cãees a não leuem do dito luguar onde assy padecer como se muitas vezes acõticia porque a caridade que nos nosso snõr leixoa encomendada que vsassemos cõ nossos próximos seja de todo cõprida cõ ho dito padecente. (Pereira, Gabriel, 1998: 136, 137).
Cortesia de edicoescolibri
Pelo acima descrito, observa-se a pompa e igualmente a crueldade de todo o processo que a condenação à morte implicava, sobretudo, antes dos finais do século XV data a partir da qual as Misericórdias passaram a assumir um papel controlador desta forma de justiça. Se o relato (parte…) acima apresentado é o que corresponde a uma fase já normalizada e em que o justiçado tem algum reconforto desde a saída da cadeia até ao último suspiro, só mentes férteis conseguirão imaginar o que seria o suplício dos condenados à morte, em épocas anteriores ao estabelecimento das Misericórdias.

Cortesia de edicoescolibri
O acto de clara misericórdia da recolha dos restos humanos dos que morreram nas mãos da justiça, especialmente na forca, tarefa, cometida aos irmãos das Misericórdias e bem expresso no texto do Compromisso da Misericórdia de Évora, acima apresentado, revela, igualmente, a profunda mudança de atitude de piedade e de higiene que resultou da instituição das Misericórdias. Esta recolha, efectuada no dia 1 de Novembro, vulgarmente conhecida por procissão dos ossos, mereceu da parte do famoso pregador, Padre António Vieira, um sermão intitulado Sermam ao Enterro dos Ossos dos Enforcados, que foi pregado, pela primeira vez na Igreja da Misericórdia da Baía, no ano de 1637 e, posteriormente, publicado em 1682, na cidade de Lisboa, incluído na colectânea de sermões deste pregador.

Cortesia de edicoescolibri
Neste erudito e algo herético sermão, António Vieira, para além de discorrer sobre o piedoso acto de dar sepultura aos condenados, descreve um pouco da história da pena de morte na forca, encontrando justificações nas escrituras sagradas para esse acto de justiça. Texto de elevada erudição, mas, igualmente, muito polémico, tanto do ponto de vista religioso, como em relação à aplicação da justiça, tornando-se de leitura obrigatória para quem se interessa sobre estes temas». In Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás, As Forcas do distrito de Portalegre, edições Colibri, Novembreo de 2007, ISBN 978-972-772-767-4 (obra ofertada por JC e SB em Agosto de 2008).

A amizade de JC, SB e CM.
Cortesia de Edições Colibri/JDACT

José Bizarro. Feliciano Falcão. Memória Viva: «...foi, nos fins da década de cinquenta e nos princípios da de sessenta, o mestre de civismo, o exemplo de homem culto e o professor de humanismo mais importante que encontrei na vida»

Cortesia de edicoescolibri/cmportalegre 

A Memória do Dr. Feliciano Falcão
«Era então o tempo da minha adolescência. «Em Portalegre, cidade do Alto Alentejo, cercada...», vivíamos todos a pequenez das coisas permitidas. O cerco da cidade era o cerco do país. Por todos os lados, as mesmas «Serras» de negrume bloqueando o horizonte dos dias, os mesmos «ventos» derramando o bafio das verdades impostas, os mesmos «penhascos» de ferocidade e raiva vigiando toda a veleidade de transgressão da ordem estabelecida.

Portalegre era, por então, um mundo de «silêncios, de medos e de espantos», com sentinelas a toda a volta, vociferando contra a História e o seu sentido. Proibira-se o sonho e toda a esperança se tornara clandestina. Interditara-se a vida, reduzindo-a a dimensões pré-autorizadas.

Cortesia de falcaodejade
Foi no interior desse bloqueio que, na minha juventude, com outros moços da minha idade, tive o privilégio de conhecer e entrar em convivência diária - ou antes nocturna - com alguns homens perfeitamente excepcionais, a quem os então regedores da cidade nunca tinham sido capazes de vergar as consciências nem de silenciar as vozes.
Muito acima do medo generalizado, por sobre a mediocridade das circunstâncias e arrostando as vagas de fúria dos donos do tempo e dos seus serventuários, esse grupo de homens aprendera a sonhar outra vida e ensinava a vontade e a coragem para construí-la.

Cortesia de edicoescolibri/cmportalegre
Sempre fui, de facto, um privilegiado, na medida em que, nas minhas andanças através dos anos, deparei e fui amigo de uma bela colecção de gente, de qualidades excepcionais. Mas de uma coisa tenho de há muito a certeza: Feliciano Falcão foi, nos fins da década de cinquenta e nos princípios da de sessenta, o mestre de civismo, o exemplo de homem culto e o professor de humanismo mais importante que encontrei na vida.

Cortesia de edicoescolibri/cmportalegre
Profissional de altíssima competência largamente reconhecida; despretensioso e humano até à simplicidade mais depurada; culto e empenhado como só os homens verdadeiramente cultos o podem e sabem ser; generoso e fraterno até à amizade incondicional - o Dr. Feliciano Falcão foi, seguramente, uma das personalidades mais nobres e mais ricas do século passado de que essa «nossa» cidade de Portalegre se pode e deve orgulhar». In José Bizarro, Feliciano Falcão Memória Viva, coordenação de António Ventura.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT

Os Teatros de Lisboa: Júlio C. Machado. Ilustrações de Bordalo Pinheiro. Parte III. «Em S. Carlos não há surpresas. Sabe-se de cór as óperas ... e os camarotes»

Cortesia de bordalopinheiro

O Teatro de S. Carlos

«É, não é; discussão, altercação, brincadeira.
Tudo fica em bem, acredita-se na sua palavra honrada, e dá-se-lhe o judeu.
 - É teu o judeu.
 - Obrigado!
- Vamos a ver o que fazes dele.
- Um fenómeno.
Fe-lo, judeu e fenómeno.
 
A rapaziada da geral de S. Carlos, que nesses tempos era a flor da elegância, da bravura, e da extravagância alegre - D. Álvaro, Luiz Forjaz, Manuel Browne, José Vaz de Carvalho, António Shalback, Lima da Cardiga - fez-lhe um triunfo, aplaudiu, gritou, pediu bis, e viva e viva!

Fechou o teatro no fim da estação sobre uma ovação desta rumorosa qualidade, e, quando chegou a nova época, querendo dar-se a Gazza ladra, dirigiu-se Bruni aos empresários:
  • - Senhores empresários ...
  • - Dirá.
  • - Tenho a fazer uma reclamação á empreza.
  • - Qual é?
  • - Peço um fato novo.
  • - Como, um fato novo ?
  • - Um fato novo para o judeu da Pêga.
  • - Pois o do ano passado já te não serve?
  • - Serve; mas não é próprio.
Tive grande triunfo com este papel e, além disso, para a verosimilhança da acção é necessária esta despesa; os judeus são muito agenciadores, e é útil fazer perceber ao público que este judeu em quanto o teatro esteve fechado continuou sempre a locupletar-se e está já melhor de fortuna do que estava no ano passado.

Não havia resistir a razões tão sólidas. Deu-se-lhe o fato novo!
Hoje, na terceira secção, acha-se reformado em corista, mas só aparece de vez em quando.
É económico, morigerado, paciente, e laborioso.

Cortesia de bordalopinheiro
Uniu-se pelos laços do matrimónio a uma das melhores engomadeiras de Lisboa. Tem um quintalinho ; cria galinhas, rega alfaces de procedência vária, e faz massa de tomate. É finita la musica!
Quantas glórias artísticas conheceu ele e acompanhou!

A quantos Almavivas fez elle a continência, naquela incessante romaria de celebridades em que o teatro de S. Carlos tem vivido sempre!
O Baldanza, o Miraglia, o Volpini, o Swifft, o Mirate, o Fraschini, o Mongini, o Nicolini... E agora, massa de tomate!.


Cortesia de bordalopinheiro 
Ah! S. Carlos é O teatro das tradições e das memórias. Quantas legendas naquelas tábuas, naqueles lugares de plateia, naqueles camarotes, e principalmente, naqueles camarins...

Cortesia de bordalopinheiro
As velhas costureiras, de que a mais famosa morreu há um ano, a illustre Magdalena gorda, obesa, sufocada em banhas e em rapé, criatura sem feitio que dava feitio a todas, figura sem sexo e sem idade que tinha o dom de tornar elegante qualquer prima-dona em fazendo gosto nisso :
  • as velhas costureiras têm na lembrança os fastos daquelles camarins gloriosos...
- Aqui, dizem elas, neste camarim, esteve a famosa Novello, e depois a Castellan, e a Tedesco, e a Volpini, e a infeliz Pascal-Damiani que quebrou uma perna uma noite e nunca mais se levantou da cama senão para se tratar de um ataque de loucura, e a Giovanoni, e a Fricci, e grande Alboni, a cantora por excelência, a priveligiada, a maravilha, que o Ruas nos trouxe». In Júlio César Machado, Os Teatros de Lisboa, Ilustrações de Bordalo Pinheiro, Livraria Editora Mattos Moreira, 1874, PN 2796 L5M25, Library Mar 1968, University of Toronto.

 
Cortesia de bordalopinheiro

Cortesia de Livraria Editora Mattos Moreira, 1874/Bordalo Pinheiro

Cesário Verde: «Hei de mostrar, tão triste e tenebroso, os pegos abismais da minha vida, e hei de olhá-la dum modo tão nervoso»

Cortesia de daliedaqui

Esplêndida
Ei-la! Como vai bela! Os esplendores
Do lúbrico Versailles do Rei-Sol!
Aumenta-os com retoques sedutores.
É como o refulgir dum arrebol
Em sedas multicores.

Deita-se com langor no azul celeste
Do seu landau forrado de cetim;
E os seus negros corcéis que a espuma veste,
Sobem a trote a rua do Alecrim,
Velozes como a peste.

É fidalga e soberba. As incensadas
Dubarry, Montespan e Maintenon
Se a vissem ficariam ofuscadas
Tem a altivez magnética e o bem-tom
Das cortes depravadas.

É clara como os pós à marechala,
E as mãos, que o Jock Club embalsamou,
Entre peles de tigres as regala;
De tigres que por ela apunhalou,
Um amante, em Bengala.

É ducalmente esplêndida! A carruagem
Vai agora subindo devagar;
Ela, no brilhantismo da equipagem,
Ela, de olhos cerrados, a cismar
Atrai como a voragem!

Os lacaios vão firmes na almofada;
E a doce brisa dá-lhes de través
Nas capas de borracha esbranquiçada,
Nos chapéus com reseta, e nas librés
De forma aprimorada.

E eu vou acompanhando-a, corcovado,
No trottoir, como um doido, em convulsões,
Febril, de colarinho amarrotado,
Desejado o lugar dos seus truões,
Sinistro e mal trajado.

E daria, contente e voluntário,
A minha independência e o meu porvir,
Para ser, eu poeta solitário,
Para ser, ó princesa sem sorrir,
Teu pobre trintanário.

E aos almoços magníficos do Mata
Preferiria ir, fardado, aí,
Ostentando galões de velha prata,
E de costas voltadas para ti,
Formosa aristocrata!
Cesário Verde
 
Homenagem ao poeta, quando se comemoram 156 anos do seu nascimento
(25 de Fevereiro de 1855)
 
Cinismos
Eu hei de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há de chorar, chorar enternecida!

E eu hei de, então, soltar uma risada.
Cesário Verde

JDACT

Giovanni Bellini: «Considerado como renovador da pintura da escola veneziana, movendo-a para um estilo mais sensual e policromático»

(c.1430-1516)
Veneza
Cortesia de leonidasxerxes

Giovanni Bellini, também conhecido com o nome de Giambellino, foi um pintor do Renascimento. O mais famoso de uma família de pintores de mesmo sobrenome, era cunhado e amigo de Mantegna, e teve Tiziano entre seus aprendizes. É considerado como renovador da pintura da escola veneziana, movendo-a para um estilo mais sensual e policromático. Pelo uso de cores claras de lenta secagem, Bellini criou sombras detalhadas, profundidade e ricos coloridos. As fluentes e coloridas paisagens tiveram um grande efeito no seu tempo.

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Um intervalo de poucos anos separam as pinturas para o altar-mor de Frari e a Virgem do Doge Barbariga, em Murano das obras da igreja de São Zacarias em Veneza, talvez a mais bonita e imponente de todas, datada de 1505
Os últimos dez anos da vida do mestre mostram-no cercado de encomendas do que ele pode completar. Já nos anos 1501 a 1504Isabella Gonzaga de Mântua, famosa na época e retratada, inclusivé, por Leonardo Da Vinci, teve grande dificuldade em obter de Bellini uma Madona e os Santos, hoje perdida, e que tinha sido antecipadamente paga. Albrecht Dürer, visitando Veneza pela segunda vez em 1506, conta que Giambellino era ainda o melhor pintor na cidade.

Igreja de S. Zacarias, Veneza
Cortesia de wikipedia
Seu irmão Gentile morreu em 1507, tendo Giovanni completado o quadro Prece de São Marcos que este deixara inacabado. Em 1513 era o único mestre do Salão do palácio, empregando seu pupilo Tiziano como ajudante na conservação das obras. A última obra foi Festa dos Deuses, para o duque Afonso de Ferrara, mas morreu antes de terminar, tarefa legada a seus pupilos.

Cortesia de wikipedia

Cortesia de wikipédia/JDACT