quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Infanta D. Maria de Portugal. As suas Damas: «Em criança e na flor da idade viu refulgir diante de seus olhos a coroa de França, foi escolhida repetidas vezes para o trono imperial, orbis destinata imperio, e outras tantas para o império de Espanha. Acariciando sempre, no íntimo do coração, este último projecto, ficou ainda assim innupta, uma triste sempre-noiva»

Cortesia de wook

Com a devida vénia a Carolina Michaelis de Vasconcelos e a Enclave de Reabilitação Profissional da Biblioteca Nacional, Novembro 1994, edição facsimilada, WOOK, ISBN 972-565-198-7

Mulheres Ilustres de Portugal
«A Infanta D. Maria é figura digna de atenção debaixo de vários aspectos. De sangue real, herdeira da coroa, se não morresse um ano antes da catástrofe de Alcacer-Quibir, pertence à história e teve biógrafos conscenciosos.
Em criança e na flor da idade viu refulgir diante de seus olhos a coroa de França, foi escolhida repetidas vezes para o trono imperial, orbis destinata imperio, e outras tantas para o império de Espanha. Acariciando sempre, no íntimo do coração, este último projecto, ficou ainda assim innupta, uma triste sempre-noiva. Este estado trágico-cómico que lhe foi imposto, mas que a final aceitou com sublime altivez, aparentando tê-lo escolhido livremente, despertou a dolente simpatia dos coevos.
Latina, blas-bleu, ou antes virago, no nobre sentido que a Renascença italiana deu ao malvisto palavrão, faz excepção à regra comum, tomando lograr na tribuna pouco povoada das eruditas portuguesas. Dotada também neste caso pela educação que lhe deram, não renegou, mas antes aceitou, submissa e grata, essa sorte que o tempo e as condições mesológicas que lhe haviam talhado.

Cortesia de cantodaterra
Mas no fim de contas, não sei se a despeito dessas circunstâncias ou devido a elas, a princesa erudita fica  a pouca ou nehuma distância do ideal comum, da mulher forte, exaltada pelos hagiógrafos portugueses, ou antes da Vierge forte. Será por causa da heróica  abnegação e paciência com que tomou sobre si a dupla empresa de solteira e sábia que não escolhera? ou por motivo dos amargos desgostos que fada alguma lhe havia profetizado no berço? ou enfim pela parte activa que teve na cruzada do bem, e pela pureza exemplar da sua conduta?
Três vezes ilustre, no campo da história, república das ciências e artes, e na constelação das virtudes.
E para que nada lhe falte podíamos colocá-la igualmente na quarta categoria, entre as Inspiradoras. Não só porque em pleno renascimento, na era camoniana da literatura portuguesa que é ao mesmo tempo a idade áurea do humanismo, serviu de assunto a numerosos poetas e prosadores, em vernáculo e latim, mas também, porque foi amada, se a fama não mente, com paixão extremosa por um fidalgo da corte, parente daquele outro namorado que, um século antes, de Amador de uma Infanta, se havia transformado em santo Frei Amador.

Cortesia de jornaldascaldas
O facto em si não pode ser comprovado. É mesmo muito provável que seja mera lenda, como a loucura de Bernardim Ribeiro pela Infanta D. Beatriz. Mas a ser verdade, não prejudicava em nada a puríssima fama de D. Maria, nem ia de encontro ao que sabemos dos costumes da época e em geral do génio amoroso dos antigos portugueses, da sua constelação natural apurados no amor, a ponto de ser quasi costume entre eles o quererem impossíveis e o morrer, matar, ou enlouquecerem de mágoa amorosa.
A quem objectar que a corte de D. João III e D. Catarina, introdutores e fautores fanáticos da «maldita» Inquisição e da Companhia de Jesus, era antes que tudo escola de santa doutrina, respondo que nem por isso deixou de ser o que fora nos séculos anteriores: escola de fina galanteria, de onde saíram mestres e modelos na arte de amar; e selva de aventuras românticas onde se desenrolaram inúmeros dramas de amor.
Ao dito de D. Francisco de Portugal sobre as damas portuguesas podia, quem quisesse, opôr o de outro observador não menos sagaz, o mote: son enamoradas porque son discretas ou, virado ao invés, son discretas porque son enamoradas, apontando, além da Religiosa de Beja, muitos exemplos comprovativos de que os exercícios espirituais, longe de embotarem, exaltam às vezes aquela sensibilidade intensa de alma que aproxima o amor português (não meramente sensual e de cabeça, como costuma ser o da raça latina, mas profundo e de coração) ao dos eslavos e germânicos, embora com mais frequência resulte funesto.

Cortesia de bertrand
Amor de perdição, e não de salvação.
A índole amorosa dos portugueses não é assunto destas páginas. Nem é da Infanta namorada (potência incógnita, se existiu), é de uma vítima da política, de uma princesa que procurou e encontrou o seu consolo nas letras. Incidentalmente direi alguma coisa das duas principais companheiras e mestras de estudo Joana Vaz, Luísa e Angela Sigea, as mais conhecidas entre as eruditas que cercavam a Infanta.
Hortência de Castro não pertence directamente ao círculo palaciano. Vivendo longe de Lisboa na capital alentejana e em Vila Viçosa, apresenta aspecto menos cortês e mais académico. Pelo saber clássico é todavia irmã gémea das que brilharam no paço real e no da Infanta.

Continua.
Cortesia de wook/JDACT