Cortesia de libraryuniversityoftoronto
NOTA: Texto na versão original
«É este por sem duvida o mais antigo exemplo de prostituição legal que a historia nos pode apresentar, pois que o facto referido por Moysés com todas as circumstancias que o caracterisam, remonta ao século XXI antes de Christo.
Vemos já a prostituta hebreia sentada á beira dos caminhos para se entregar ao primeiro viandante que a sollicite. Era este desde a mais remota antiguidade o papel que desempenhava a prostituição entre os hebreus. Os livros santos estão cheios de passagens que nos mostram as encruzilhadas dos caminhos como uns mercados do mais infame dos commercios, como umas feiras de meretrizes, que, envoltas n’um amplo veu, como n'um sudário, ou estavam inertes para alli, ou vestidas e adornadas com trajos e atavios deshonestos, queimando perfumes, entoavam voluptuosos cantos ao som da lyra, da harpa ou do pandeiro, e dançavam ao compasso da flauta e de outros instrumentos.
Não eram hebreias a maior parte das meretrizes, pois que a Escriptura lhes chama ordinariamente mulheres estrangeiras. Eram syrias, egypcias, babvlonias, que sobresaiam na arte lúbrica de excitar os sentidos. A lei mosaica prohibia expressamente ás mulheres hebreias de servirem de auxiliares da prostituição, posto o auctorisasse a respeito dos homens, uma vez que não o condemnava. Explica-se, pois, como as mulheres estrangeiras não tinham o direito de prostituir-se no recinto das cidades, e porque motivo os caminhos públicos tinham o privilegio de servir de asylo a estas leviandades.
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Não houve excepção n'estes costumes, senão em tempo de Salomão, que permittiu ás cortezãs o estabelecerem-se nas cidades. Nem antes nem depois d'esta regra se encontravam nas ruas de Jerusalém. Viam-se apenas sentadas como em vil e infame leilão ao longo dos caminhos, onde erguiam as suas tendas cobertas de pelles ou de panos de cores vivas. Quinze séculos depois da aventura de Thamar, dizia o propheta Ezequiel na sua linguagem symbolica:
- «Tu estabeleceste, oh Jerusalém! um lupanar em cada encruzilhada; arvoraste em cada caminho a bandeira da tua deshonra, e fazendo o mais abominável emprego da tua belleza, entregaste-te a todos os que passavam».
A permanência dos hebreus no Egypto, onde os costumes estavam tão corrompidos, acabou de prevertel-os, fazendo-os retroceder ao estado da natureza. Viviam n'uma promiscuidade vergonhosa, quando Moysés os arrancou da escravidão e lhes deu um código de leis religiosas e politicas. Conduzindo-os á terra da promissão, teve necessidade de recorrer a uma penalidade terrível para conter os excessos da corrupção moral que deshonrava o povo de Deus.
O legislador fez-lhe ouvir do alto do Sinay estas palavras que o Senhor pronunciou em meio de relâmpagos e trovões : — Não fornicarás! Não desejarás a mulher do teu próximo!
Em seguida, o legislador não teve escrúpulo de regular em nome de Jehovah as formas de uma prostituição, que fazia essencialmente parte da escravatura.
- «Se alguém vendeu como escrava uma sua filha, diz Moysés, esta não poderá abandonar o serviço do seu senhor á imitação dos outros servos. Se desagradar a seu senhor, este que a expulse, mas não terá poder para a vender a estrangeiros, se quizer desemharaçar-se d'ella. Se tomar outra, proverá ao dote e ao vestido da sua escrava e não lhe negará o preço do seu pudor. Faltando a estas condições, a escrava sahirá da sua escravidão sem dever cousa alguma ao seu senhor».
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Esta passagem, que os commentadores entenderam de diversos modos, prova á evidencia que entre os hebreus, pelo menos antes da redacção definitiva das tábuas da lei, o pae tinha o direito de vender sua filha a um senhor, que fazia d'ella sua concubina pelo tempo determinado no contracto da venda.
Vê-se também n'esta singular legislação que a filha vendida d'este modo em proveito de seu pae não obtinha nenhuma vantagem pessoal pelo sacrifício a que se obrigava, excepto no caso em que o senhor, depois de a ter promettido a um filho seu, quizesse substituil-a por outra concubina. Fica, pois, claramente estabelecido que os hebreus traficavam entre si com a prostituição de seus filhos. Moysés, o sábio legislador que fallava aos hebreus pela bocca de Jehovah, dirigia-se a peccadores incorregiveis, e teve de deixar-lhes por prudência, e como indemnisação do que lhes tirava, a liberdade de terem commercio com meretrizes estrangeiras. No emtanto, foi intransigente com a sodomia e a bestialidade.
- «O que tiver relações carnaes com uma besta de carga, será punido de morte», diz elle no Êxodo, cap. XXII;
- «Não terás relações sexuaes com um homem como com uma mulher, diz ainda o legislador no Levitico, cap. XVIII, porque é uma abominação;
- «Não cohabitarás com as bestas nem te mancharás com ellas;
- «A mulher não se prostituirá com um animal, nem se misturará com elle, porque é uma abominação.
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No emtanto, ao passo que fallava d'estas abominações, Moysés, desculpa os hebreus, que não as tinham inventado e que as commettiam a exemplo, de outros povos.
- «Os povos que eu aparto do vosso lado, diz o caudilho de Israel, estão manchados por todas as torpezas sensuaes. A terra que habitam está maldita, e eu vou castigar a sua iniquidade, e a terra tragará os seus habitantes».
Moysés, que conhece a obstinação do seu povo nos seus infames costumes, junta a ameaça aos rogos, para vêr se consegue pôr um freio salutar aos desarranjos dos sentidos. «Todo aquelle que tiver feito uma só destas abominações será tirado do meu povo».
Todavia não era isto ainda bastante para intimidar os culpados, e o legislador insiste muitas vezes na penalidade que se lhes deve applicar:
- «Os dois auctores da abominação morrerão igualmente apedrejados ou queimados, o homem e a besta, a besta e a mulher, o varão e o seu cúmplice varão».
Moysés tinha, pois, previsto que o sexo feminino podia também entregar-se a similhante monstruosidade, e recommendava constantemente aos israelitasa necessidade de não se parecerem com os povos que ia expulsar da terra de Chanaan.
O fim evidente da lei de Moysés era impedir quanto fosse possivel que a raça hebreia degenerasse, em consequência dos excessos que já lhe haviam viciado o sangue e empobrecido a natureza. Estes excessos sensuaes acarretavam de mais a mais um grande prejuizo ao desenvolvimento da população e á saúde publica. Taes foram, por certo, os dois principaes motivos que determinaram o legislador a não tolerar a prostituição legal senão entre as mulheres estrangeiras. Entre as mulheres do seu povo prohibia-a absolutamente (23)». In Pedro Dufour, História da Prostituição em todos os Povos do Mundo, Typ da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Pateo do Aljube 5, 1885, Library University of Toronto, May 23 1968, Lisboa.
Cortesia de Library University of Toronto/JDACT