segunda-feira, 5 de março de 2012

Estudos de Cultura Portuguesa. Craveiro da Silva. «Qualidades sobretudo na transparência e sinceridade da sua inteligência indagadora e filosófica lançada à busca de solução para o problema social e depois para o seu problema pessoal, profundamento humano e “carências e limitações” originadas em grande parte, a meu ver, do seu autodidatismo em filosofia»

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Antero de Quental. Filósofo
Breves sinais biográficos de introdução

«Antero de Quental nasceu em Ponta Delgada a 18.4.1842 e faleceu na mesma cidade a 11.9.1891. Em 1858, com 15 anos, Antero de Quental inscreveu-se como aluno na Universidade de Coimbra, em Direito, assunto que pouco o interessou. Perdeu a fé cristã em que fora educado e lançou-se na leitura de autores como Quinet, Renan, Michelet, Taine, Littré, Heine, Fenerbach, Bucher…
Pertenceu à ‘Sociedade do Raio’, movida contra certa tradição académica e contra o reitor; discursou em nome da academia para saudar o príncipe herdeiro de Itália mas como um dos amigos de Garibaldi, libertador da sua pátria. Promoveu a ‘Rolinada’ em 1864, protesto dos estudantes em forma de êxodo para o Porto “berço da liberdade portuguesa”. Considerava com simpatia os movimentos progressistas da Polónia e da Itália e atacava o ‘conservador’ Napoleão III. Enfim foi um estudante irrequieto e combativo, chefe inovador do grupo, pouco interessado no curso, mas de grande curiosidade intelectual, todo virado para as novidades da Europa, nem sempre coerentes como ele próprio advertirá mais tarde. Baste a indicação destes factos para surpreendermos certas tendências e características culturais da sua juventude.
Em fins de 1863 concluiu as “Odes Modernas”, publicadas depois em 1865, com segunda edição em 1875, e nelas se manifesta, com mais adultez e sucesso, o seu espírito poético envolto em ideias revolucionárias e socialistas (1863-1875). Nas “Odes Modernas” rompe com o passado romântico, religioso e cultural, numa ânsia demolidora e lança um pregão de vaga mas veemente expressão humanitária. 

Hegel
Cortesia de wikipedia

Interveio na célebre Questão Coimbrã escrevendo “Bom-senso e bom gosto” (2.11.1865) e a “Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais” (Dezembro de 1865) em que, deixando Castilho e tutelas literárias, anuncia ‘uma nova era de pensamento’.
Neste tempo, as influências culturais, do humanitarismo socialista de Proudhon e da perspectiva filosófica de Hegel (deste, a princípio, através de intérpretes como Vera, Rémusat) intervieram decisivas no despertar e na evolução do seu pensamento.
De 1874 a 1880 sofre longa doença de nervos (nevrose) em cujo diagnóstico parece que nenhum médico acertou cabalmente, nem Charcot em Paris, nem depois a opinião de médicos eminentes tem sido concorde. Essa doença levou-o porém, a uma alimentação deficiente, a passar o mais possível deitado de costas, a uma tensão depressiva e a certa irritabilidade, à dificuldade de concentração no trabalho intelectual. Caiu então num sentimento de pessimismo que por vezes o conduziu a ideias fixas, a certo aniquilamento pessoal e até, várias vezes, à ideia de suicídio como o confirmam os seus amigos íntimos. Esta situação complicava-se com dúvidas e problemas filosóficos em luta dentro de si mesmo e de leituras de pensadores cujos livros lia com interesse e paixão embora às vezes tivesse de os abandonar por fadiga e então descansasse com a leitura mais amena de romances. O melhor testemunho deste período e do seguinte são principalmente as suas cartas a Oliveira Martins com quem confidenciava seus planos, leituras, encontros culturais e projectos. Nestas cartas, sem esquecer as recentemente encontradas e publicadas, também surge e se explica melhor a fase final do seu pensamento, expresso significativamente nas “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX” em que concretiza, de algum modo, o desfecho filosófico da sua vida e pesquisa cultural.

Kant
Cortesia de wikipedia
  
A figura de Antero só se elucida e compreende situada nas vicissitudes do seu século, fértil em perspectivas inovadoras, ainda que por vezes contraditórias, na interpretação do homem e da vida social, em luta contra saberes e práticas passadiças que arrastavam a mediocridade duma cultura formalista e geralmente desactualizada entre nós.
O lema da Revolução Francesa era vasto e utópico mas por isso mesmo avassalador. Portugal permaneceu, a princípio, demasiado tempo à margem desse programa já por causa das devastadoras invasões napoleónicas e inglesas e do miguelismo sem acerto que se lhe seguiu e as consequentes revoluções de 182l e 1834. Por outro lado, a Universidade, se gerou alguns cientistas menos vulgares, caiu num eclectismo que não deu vitalidade e inovação ao ‘Pensamento’. Quer dizer: Portugal económica e culturalmente quase parou, enquanto a Europa inovava; em França com a crença positiva no valor da ciência e do humanitarismo e sobretudo na Alemanha com uma das épocas mais brilhantes da evolução do pensamento e da filosofia desde Kant e Hegel
Antero de Quental, à frente da sua geração de70, a que pertenciam Eça de Queirós e Oliveira Martins, lançou a sua mensagem de ruptura (ele dizia Revolução) onde ecoavam as qualidades e as carências da sua personalidade rica e vigorosa:
  • qualidades sobretudo na transparência e sinceridade da sua inteligência indagadora e filosófica lançada à busca de solução para o problema social e depois para o seu problema pessoal, profundamento humano e “carências e limitações” originadas em grande parte, a meu ver, do seu autodidatismo em filosofia e das condições precárias da sua saúde.
In Estudos de Cultura Portuguesa. Lúcio Craveiro da Silva, Universidade do Minho, Centro de Estudos Humanísticos, Colecção Hespérides, Filosofia, 2002, ISBN 972-8063-14-8.

 Cortesia da U. do Minho/JDACT