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«Diziam os Gregos que o homem é um animal ‘político’, o que significa
que é um animal social, porque político deriva de ‘polis’, palavra grega que
designa cidade. Todavia, a política não pode considerar-se uma ciência, porque
as sociedades não podem ser consideradas globalmente de fora. Cada homem é
parte da cidade, só pode observá-la parcialmente segundo o seu ponto de vista
individual e de grupo. A vida política é o encontro e o desencontro dos vários
pontos de vista e interesses. Em última análise, esse encontro e desencontro é
arbitra do pela força das armas, ou pela diplomacia, que se apoia nessa mesma
força. A sorte da guerra depende de vários factores, um dos quais é a
tecnologia dos países em conflito. Outro factor, também de primeira
importância, é a vontade colectiva dos diferentes povos, que não é possível
medir objectivamente. Um exemplo recente dessa vontade colectiva é a fundação e
sobrevivência do Estado de Israel após a Segunda Guerra Mundial.
Dessa ‘vontade’ incomensurável depende também a vida das várias nações
conhecidas: a sua extensão (parte), a sua riqueza, a sua combatividade, etc.
Mas dentro de cada nação também os pontos de vista individuais e grupais
variam, e não há qualquer maneira de os arbitrar objectivamente. Por isso a
orientação política das nações depende da força dos diferentes partidos em
luta. A relação de forças pode definir-se numericamente em alguns casos, e para
isso se realizam, em certos países, consultas de opinião que se chamam
eleições. A luta não é, decidida pela força física, mas pelo número, que é a
medida quantitativa dos grupos ou partidos concorrentes, cada um com sua proposta.
A proposta mais votada é a vencedora. Isso não significa que seja a mais
racional e objectiva, mas apenas que é, a mais desejada, ou a desejada por
maior número de pessoas.
O desejo tem que ver com a afectividade e não com a razão. Mas o número
tem uma aparência de objectividade que muitos tomam como ‘científica’, e que é
apenas quantitativa. Este método de decisão é tão ‘científico’ como os métodos
mágicos de cura usados pelos xamãs em sociedades arcaicas. Do ponto de vista científico,
as opiniões de maior número são frequentemente as mais erradas. No entanto, o número
pode servir de base convencional a uma decisão, à falta de outra melhor, e, de qualquer
modo, traz menos custos que a guerra como método de escolha. O método de
escolha do presidente dos Estados Unidos da América é preferível, nessa
perspectiva, ao da sucessão dos imperadores romanos, dependente de guerras
intermináveis, o que não significa que o resultado de um ou de outro seja o
melhor. Ambos dependem, em larga medida, do acaso.
A eleição é um método pacífico convencional, mas há outros, como, por
exemplo, a hereditariedade, em que se baseia a realeza hereditária. Mas este
tem, do ponto de vista do monarca, um fundamento instintivo, que é o sentimento
de posse, o fundamento da propriedade. Confunde-se facilmente propriedade com soberania,
o direito sobre as coisas com o direito sobre os donos das coisas. Outra
convenção é a delegação da soberania ‘divina’ ou ‘popular’ em virtude de um
pacto tácito e imaginário. A ‘realidade’ do poder de facto está fora dessas
suposições e pouco sabemos a esse respeito. As decisões colectivas, seja qual
for a sua justificação jurídica, resultam, em última análise, de um acaso
imprevisível. O jogo do acaso decorre na arena da história.
O Problema do Progresso
Os homens nunca reconheceram o acaso como agente da história. Houve em
todas as épocas teorias da história com princípio, meio e fim. Antigas teorias
da história vêm o futuro como a vitória do deus tribal. Esta é a vitória da
própria tribo, que o deus protege, e, portanto, para a tribo beneficiada, a vitória
do bem. Mas o deus tribal sofre metamorfoses ao longo do tempo. Entre os
Semitas chamava-se Jahveh ou Alah, entre os Gregos era uma equipa, Zeus e os
seus pares, os deuses celestes ou olímpicos, vencedores dos titãs, que eram os
deuses informes da Terra». In Cultura, António José Saraiva, Difusão Cultural,
1993, ISBN 709-972-154-7.
Cortesia de Difusão Cultural/JDACT