1192 Março. Auto de partilhas entre Rodrigo Sanches e seus irmãos
Vasco, Mendo e Elvira
jdact
Os Mais Antigos Documentos Escritos em Português. Revisão de um
problema histórico linguístico
«Escudado na autoridade incontestável do ilustre diplomatista, escrevi, a 8 de Janeiro de 1959, uma carta a Feliciano Ramos a expor as
razões que me levavam a considerar o ‘Auto
de partilhas’ de 1192 uma cópia tardia e sem valor para documentar o português
do séc. XII.
Os especialistas foram aceitando a minha opinião que, em 1961, L.
Lindley Cintra veio reforçar com dados gráficos e filológicos, na sua
comunicação: ‘Les anciens textes portugais non littéraires. classement et
bibliographie’, apresentada ao colóquio realizado em Estrasburgo, de 30 de
Janeiro a 4 de Fevereiro de 1961, sobre ‘Apport des anciens textes romans non
littéraires à la connaissance de la langue du Moyen Age’. Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado suprimiram também o ‘Auto de partilhas’ na 2ª ed. e seguintes
dos ‘Textos Portugueses Medievais’,
tendo de vencer certa oposição oficial, por ser um texto recomendado nas ‘observações’
ao programa do português para o 3º ciclo dos liceus.
Soube depois que já antes de mim tinha havido quem pusesse em dúvida a
autenticidade do ‘Auto de partilhas’,
apresentando-o como uma versão dos fins do séc. XIII. Refiro-me ao organizador
dos ‘Documentos para a Historia
Portugueza’ que, ao imprimir este documento, lhe antepôs esta observação:
- ‘Se a verdadeira data deste documento, não he a Era M.CCC.XXX., póde suppor-se copia e traducção do original latino, feita no seculo seguinte, na qual se conservarão sómente os principios, e fins do antigo autographo’.
Apesar de Gama Barros ter publicado esta observação, os sucessivos
editores e comentadores do ‘Auto de
partilhas’ continuaram a apresentá-lo como o mais antigo diploma redigido
em português e até serviu de baliza extrema para a tese de Norman P. Sacks, ‘The
latinity of dated documents in the Portuguese territory’, que vai desde o século
VIII precisamente até 1192.
Firmavam-se na opinião do mestre João Pedro Ribeiro que defendeu a
autenticidade do ‘Auto de partilhas’
ao escrever:
- ‘nem duvido da veracidade de dous documentos, únicos em vulgar, anteriores ao reinado do Senhor D. Affonso III, que até o presente tenho descoberto. O 1.º he huma ‘Noticia’ particular de Lourenço Fernandes, que se conserva no cartorio do mosteiro de Vairão. O segundo existe no mesmo cartorio e tem a data de Março da Era 1230’.
Reforçou a sua opinião sobre a autenticidade do ‘Auto de partilhas’, ao escrever a seguinte nota autógrada ao lado
da observação do abade de Lustosa: ‘Veja-se Merino, Paleogr., p. 192, qure traz
hüa escriptura com a concluzão latina, e a dá por original. Tal reputo esta, e
não versão’. Com estas últimas palavras João Pedro Ribeiro é bem categórico, o ‘Auto de partilhas’ é um original e não
uma versão.
Na resposta que me enviou em Dezembro de 1958, Rui de Azevedo sugeriu
que o ‘Auto de partilhas’ seria uma
falsificação. Mais tarde, pronunciou-se abertamente por esta: ‘L'Auto de
partilhas est donc sürement une falsification de la fin du XIII siècle ou même du
XIV’.
Pelas razões a seguir expostas julgo que se têm de rejeitar as opiniões
dos dois abalizados mestres e defender que o ‘Auto de partilhas’ nem é um original de 1192 nem uma falsificação
do século seguinte, mas a versão de um original latino de 1192 feita em fins do
séc. XIII. As mesmas razões levam a rejeitar a hipótese de se poder tratar de
um original da Era M.CCC.XXX (ano de 1292) sugerida na observação do
organizador dos ‘Documentos para a
Historia Portugueza’». In Avelino de Jesus da Costa, Os Mais Antigos
Documentos Escritos Em Português, Revisão de um problema Histórico linguístico,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Revista Portuguesa de História,
Coimbra, 1979.
continua
Cortesia da U. de Coimbra/JDACT