sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os Mais Antigos Documentos escritos em Português. Avelino J. Costa. «… que se têm de rejeitar as opiniões dos dois abalizados mestres e defender que o ‘Auto de partilhas’ nem é um original de 1192 nem uma falsificação do século seguinte, mas a versão de um original latino de 1192 feita em fins do séc. XIII»


1192 Março. Auto de partilhas entre Rodrigo Sanches e seus irmãos Vasco, Mendo e Elvira
jdact

Os Mais Antigos Documentos Escritos em Português. Revisão de um problema histórico linguístico
«Escudado na autoridade incontestável do ilustre diplomatista, escrevi, a 8 de Janeiro de 1959, uma carta a Feliciano Ramos a expor as razões que me levavam a considerar o ‘Auto de partilhas’ de 1192 uma cópia tardia e sem valor para documentar o português do séc. XII.
Os especialistas foram aceitando a minha opinião que, em 1961, L. Lindley Cintra veio reforçar com dados gráficos e filológicos, na sua comunicação: ‘Les anciens textes portugais non littéraires. classement et bibliographie’, apresentada ao colóquio realizado em Estrasburgo, de 30 de Janeiro a 4 de Fevereiro de 1961, sobre ‘Apport des anciens textes romans non littéraires à la connaissance de la langue du Moyen Age’. Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado suprimiram também o ‘Auto de partilhas’ na 2ª ed. e seguintes dos ‘Textos Portugueses Medievais’, tendo de vencer certa oposição oficial, por ser um texto recomendado nas ‘observações’ ao programa do português para o 3º ciclo dos liceus.

Soube depois que já antes de mim tinha havido quem pusesse em dúvida a autenticidade do ‘Auto de partilhas’, apresentando-o como uma versão dos fins do séc. XIII. Refiro-me ao organizador dos ‘Documentos para a Historia Portugueza’ que, ao imprimir este documento, lhe antepôs esta observação:
  • ‘Se a verdadeira data deste documento, não he a Era M.CCC.XXX., póde suppor-se copia e traducção do original latino, feita no seculo seguinte, na qual se conservarão sómente os principios, e fins do antigo autographo’.
Apesar de Gama Barros ter publicado esta observação, os sucessivos editores e comentadores do ‘Auto de partilhas’ continuaram a apresentá-lo como o mais antigo diploma redigido em português e até serviu de baliza extrema para a tese de Norman P. Sacks, ‘The latinity of dated documents in the Portuguese territory’, que vai desde o século VIII precisamente até 1192.
Firmavam-se na opinião do mestre João Pedro Ribeiro que defendeu a autenticidade do ‘Auto de partilhas’ ao escrever:
  • ‘nem duvido da veracidade de dous documentos, únicos em vulgar, anteriores ao reinado do Senhor D. Affonso III, que até o presente tenho descoberto. O 1.º he huma ‘Noticia’ particular de Lourenço Fernandes, que se conserva no cartorio do mosteiro de Vairão. O segundo existe no mesmo cartorio e tem a data de Março da Era 1230’.
Reforçou a sua opinião sobre a autenticidade do ‘Auto de partilhas’, ao escrever a seguinte nota autógrada ao lado da observação do abade de Lustosa: ‘Veja-se Merino, Paleogr., p. 192, qure traz hüa escriptura com a concluzão latina, e a dá por original. Tal reputo esta, e não versão’. Com estas últimas palavras João Pedro Ribeiro é bem categórico, o ‘Auto de partilhas’ é um original e não uma versão.

Na resposta que me enviou em Dezembro de 1958, Rui de Azevedo sugeriu que o ‘Auto de partilhas’ seria uma falsificação. Mais tarde, pronunciou-se abertamente por esta: ‘L'Auto de partilhas est donc sürement une falsification de la fin du XIII siècle ou même du XIV’.
Pelas razões a seguir expostas julgo que se têm de rejeitar as opiniões dos dois abalizados mestres e defender que o ‘Auto de partilhas’ nem é um original de 1192 nem uma falsificação do século seguinte, mas a versão de um original latino de 1192 feita em fins do séc. XIII. As mesmas razões levam a rejeitar a hipótese de se poder tratar de um original da Era M.CCC.XXX (ano de 1292) sugerida na observação do organizador dos ‘Documentos para a Historia Portugueza’». In Avelino de Jesus da Costa, Os Mais Antigos Documentos Escritos Em Português, Revisão de um problema Histórico linguístico, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Revista Portuguesa de História, Coimbra, 1979.

continua
Cortesia da U. de Coimbra/JDACT