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Geração e Élite
«Assim, serão
considerados como pertencentes à Geração de 70 sobretudo os que a ‘geraram’ no
plano das ideias e não os que a ela eventualmente aderiram, prolongando-a
historicamente. Isto significa que à Geração de 70 pertencem, antes de mais,
Antero de Quental, Eça de Queirós e Oliveira Martins. Nesta perspectiva, só
secundariamente a ela pertencerão Ramalho Ortigão e, ainda mais secundariamente,
um Teófilo Braga, um Gomes Leal, um Guerra Junqueiro, um Jaime Batalha Reis, um
Guilherme de Azevedo, um Alberto Sampaio ou ainda um Adolfo Coelho, pedagogo
eminente, ou um Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras, os quais,
no entanto, participaram nas primeiras “conferências
do Casino”.
Em suma, haverá uma
escolha rigorosa em função das obras criadas e das repercussões culturais dessas
obras na sua época e actualmente. Uma revolução cultural é, sem dúvida, feita
de múltiplas contribuições, mais ou menos perduráveis. Mas raríssimos serão,
afinal, os seus verdadeiros mentores, aqueles que, formando uma ‘élite’ como iniciadores, ficam para a
posteridade, não só no confinado domínio da cultura portuguesa como, sobretudo,
no mais vasto domínio do grande saber universal.
A Geração de 70 e a Burguesia
«fin-de-siècle»
«Para um homem, o ser
vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou,
mas do ideal íntimo a que aspirava».
Eça de Queirós, in Cartas inéditas
de Fradique Mendes e mais páginas esquecidas.
Ao analisarmos o período
da história de Portugal em que nasceram, viveram, criaram as suas obras e morreram
os representantes principais da chamada Geração de 70, haverá que evocar antes
de mais os elementos históricos de base da Regeneração.
Período que vai, grosso
modo, de 1851, isto é, da revolta militar que levou ao poder o marechal
Saldanha, até à proclamação da República, em 1910, a Regeneração divide
efectivamente o século XIX português em duas partes distintas. Ela separa o
período de ideias revolucionárias do primeiro romantismo de Herculano e de
Garrett, um período em que predomina a instabilidade política, social e
económica, do período que se caracterizou essencialmente por uma estabilidade ligada
intimamente ao pré-industrialismo. O mentor desse pré-industrialismo não foi só
António Maria Fontes Pereira de Melo, esse político da industrialização que
criou em 1852 o Ministério das Obras Públicas, do Comércio e da Indústria, que
mandou construir quatrocentos quilómetros de estradas, uma dezena de pontes e a
primeira linha do caminho de ferro, entre Lisboa e o Carregado (1856), e
que deu igualmente um impulso decisivo ao ensino técnico, agrícola e
industrial.
O mentor desse
pré-industrialismo foi também o próprio rei Pedro V (1853-1861), o qual, apesar
da sua breve existência, soube como nenhum outro voltar-se para o futuro,
criticando com lucidez o presente, isto é, o espírito retrógrado da sociedade
portuguesa de então. Prova-o, por exemplo, o que Pedro V diz sobre essa
sociedade numa carta escrita em francês ao Príncipe Alberto:
- ‘...une société profondément démoralisée par le souvenir cuisant de son ancienne grandeur et par la vue de sa déchéance, vieillie par une enfance de plusieurs siécles, ayant perdu son temps et voulant le regagner tout d’un coup, écrasée par sa chute envers le passé et envers l’avenir’.
Opondo-se, pelas suas
exigências intelectuais e éticas, ao pragmatismo burguês, ao mercantilismo sem escrúpulos
de Fontes Pereira de Melo, o rei Pedro V nem por isso acreditou menos do que
ele no progresso.
Ora, como se processou e
quais foram as consequências desse progresso em que se empenhou a burguesia
pré-industrial portuguesa da Regeneração até ao final do século XIX?
Três mulheres no poço, Picasso,
1921
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Antes de mais, notem-se
os inconvenientes desse pretenso progresso, rigorosamente apontados por António
Sérgio, isto é:
- ‘O regresso à política do Transporte, quando o necessário, afinal, era reformar e reforçar a actividade da Produção. O caminho de ferro, levando subitamente às nossas aldeias a produção estrangeira mais barata, tinha como resultado prejudicar a nossa, já que lhe não davam, a esta, incentivos e aperfeiçoamentos que a habilitassem a superar os efeitos daquele progresso das comunicações’.
O que significa que,
pervertida a intenção revolucionária, anuladas as grandes reformas liberais de Mouzinho
da Silveira, o país foi dominado pelos vícios do parasitarismo económico da
burguesia capitalista, isto sem sequer se aproveitar da grande expansão da produção
industrial que caracterizou a segunda metade do século XIX nos países mais
desenvolvidos da Europa». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma
Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,
Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT