Macau, século XIX
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«Hideyoshi forjara o seu poder por ter sido capaz de sobreviver e triunfar
num período de anarquia; aprendera que a lealdade dos vassalos podia ser fugaz,
pelo que encetou uma política de afirmação do poder central, subordinação dos
senhores feudais e pela eliminação de indivíduos ou de forças que poderiam pôr
em perigo a sua autoridade.
Os cristãos demonstravam uma certa coesão interna que se sobrepunha
muitas vezes à hierarquia político-militar em que estavam inseridos; eram, além
disso, solidários para com os estrangeiros, fossem os padres, que chegaram a
governar Nagaságui, fossem os mercadores, que vinham anualmente até aí a bordo
de um navio poderoso e inexpugnável. Habituado a desconfiar de tudo e de todos,
determinado a imprimir uma dinâmica centralizadora na vida do Império,
Hideyoshi hostilizou o cristianismo logo em 1587 e colocou sob pressão os seus
generais cristãos, ao mesmo tempo que procurava garantir que os mercadores de
Macau continuavam a demandar Nagasáquí, agora que a cidade estava sob o seu
domínio directo.
Os missionários foram surpreendidos pelo édito anticristão de 25 de
Julho de 1587; a decisão inesperada do governante japonês foi seguida de um
período de perseguição à Igreja; inúmeros edifícios religiosos foram desmantelados,
e os Jesuítas acolheram-se sob a protecção dos dáimios cristãos, mas mesmo nos
seus territórios eram obrigados a mover-se discretamente, e a circulação pelo Império
só se fazia sob disfarce. Hideyoshi não aplicou rigorosamente o seu édito, pelo
que o corpo de missionários continuou a crescer nos anos subsequentes, e a
cristandade, globalmente, foi pouco atacada. Ainda assim, o funcionamento
quotidiano da Igreja foi afectado, e os missionários passaram a estar
fortemente pressionados pelo poder político.
Oficialmente indesejados, os religiosos tiveram de reorganizar todo o
seu sistema de ensino e de formação de eclesiásticos.
Inicialmente, os colégios e seminários foram transferidos para os feudos
dos dáimios cristãos, mas no início da última década quinhentista tornou-se
claro que o crescimento da cristandade nipónica exigia um aumento do clero e
que só a criação de um colégio de nível superior na região permitiria que uma
parte considerável desses clérigos tivessem uma preparação universitária,
incluindo o curso de Teologia. Esta era uma matéria muito sensível, pois as
constituições da Companhia exigiam o grau de teólogo para o exercício dos
cargos principais, nomeadamente a chefia de províncias ou vice-províncias e o
reitorado de colégios. Sucedia, porém, que as necessidades prementes de pessoal
levavam os superiores de Lisboa e de Goa a enviarem para o Extremo Oriente muitos
religiosos que só tinham feito a formação que os habilitava ao presbitério;
havia também o caso dos que haviam sido admitidos na Companhia no Extremo
Oriente e que, embora pudessem ser preparados aí para a obtenção da ordem
sacerdotal, não podiam ir mais além se não se deslocassem a Goa.
No entanto, a distância que separava a Índia das missões da China e do
Japão inviabilizava esta hipótese, pois afastaria um religioso da região durante
muitos anos. Além disso, a crescente importância da missão do Sol Nascente
dera-lhe, desde cedo, uma clara autonomia no seio da província jesuítica da
Índia, o que dificultava, contudo, o relacionamento entre a missão nipónica e
os órgãos centrais instalados em Goa. Urgia, pois, criar um Colégio que
possibilitasse uma formação mais completa aos missionários que trabalhavam no
Extremo Oriente e que, na sua maioria, estavam no Japão; no entanto, o país do
Sol Nascente deixara de reunir condições para que se fundasse aí a nova
instituição.
Nesta altura colocava-se ainda a questão da necessidade de promover ao
sacerdócio alguns dos muitos japoneses que haviam sido admitidos na Companhia
como irmãos. Este era outro problema sensível que dividia os religiosos; a
maioria opunha-se ao aprofundamento do processo, pelo que os defensores da
formação do clero nativo tinham de procurar formas de compromisso em relação
aos críticos. A possibilidade de os irmãos japoneses realizarem a sua formação
superior fora do Japão surgiu como uma hipótese capaz de calar algumas vozes da
oposição, nomeadamente as que afirmavam que os religiosos nipónicos não estavam
suficientemente ligados à cultura do Ocidente para poderem exercer o sacerdócio».
In Portugal e a China, Conferências nos Encontros de História Luso-Chinesa,
João Paulo O. Costa, Fundação Oriente, Convento da Arrábida, 2000, ISBN
972-785-033-2.
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