domingo, 19 de agosto de 2012

Capitães do Brasil. Elaine Sanceau. «Era natural que Cabral navegasse para o sudoeste no seu caminho em direcção ao Cabo; a questão é esta: porque foi ele tão longe, em direcção ao sudoeste? A navegação portuguesa do tempo não se fazia ao acaso. A ser assim, obedecia às ordens recebidas…»


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Terra da Vera Cruz
«O sol declinava lá para os lados da floresta distante. Para o sul, levantava-se uma longa cordilheira negra na escuridão que descia. A noite cobria rapidamente com o seu manto um continente desconhecido, e toldava o mar cor de opala, cujas ondas apagavam, com o seu barulho, os ruídos da floresta.
A escuridão estendia-se por milhas sem conta cobrindo a terra. Das profundezas do mar ondulavam, ora subindo, ora descendo, as luzes trémulas de treze navios. Os mastros e as vergas, cujas velas haviam sido colhidas, balouçavam, negros, ocultando o cruzeiro do sul. Nos elevados castelos da proa e da popa, apinhavam-se os homens, com olhos sôfregos a interrogarem a noite.
Eis a esquadra que à Índia mandava S. A. el-rei Manuel I. Manuel o ‘Venturoso’, que apenas oito meses antes saudara Vasco da Gama de regresso da terra das especiarias. Finalmente abrira-se o caminho marítimo para a Índia. Os navios portugueses tinham encontrado Calicute. As antigas igrejas do Oriente iam ser enfim libertadas pelos cruzados do Ocidente do seu isolamento milenário, O comércio das especiarias do Oriente, com que o Islão tinha enriquecido durante tanto tempo, ia esvaziar agora os seus tesouros nas mãos de cristãos. Chegara o momento de negociar com os reis hindus, no prosseguimento das primeiros tentativas e afastando todo o desentendimento. Por isso Pedro Álvares Cabral fora mandado a Calicute para concertar pazes com o Samorim e levar-lhe um esplêndido presente.
- Mas então que viera ele fazer a esta costa do Ocidente, na orla da ‘Quarta Parte do Mundo?’ Aqui está uma pergunta que os estudiosos têm discutido de todos os pontos de vista com erudição, com ignorância, com imparcialidade, com paixão, com calma convicção ou com cepticismo, sem jamais haverem chegado a qualquer conclusão. A teoria de uma violenta tempestade que afastasse a esquadra da sua rota há muito que foi posta de parte. Não se encontra, entre os relatos das testemunhas presenciais, nenhuma indicação de mau tempo, e os marinheiros, que conhecem os ventos do Atlântico, declaram que nenhum golpe de vento podia ter arrastado a armada por este rumo; tão pouco parece poder-se responsabilizar as correntes oceânicas por tal desvio.
É evidente que as armadas da Índia faziam rumo para Ocidente antes de procurarem o Cabo; os navios à vela ainda hoje o fazem. Vasco da Gama seguiu sem hesitação em direcção ao sudoeste ao largar das ilhas de Cabo Verde, sendo provável que nem fosse dele próprio tal ideia. Os navegadores portugueses haviam estudado o regime dos ventos atlânticos, durante muitos anos antes da sua viagem. Era portanto natural que Cabral navegasse para o sudoeste no seu caminho em direcção ao Cabo; a questão é esta:
  • Porque foi ele tão longe, em direcção ao sudoeste? A navegação portuguesa do tempo não se fazia ao acaso.
Portanto, se Pedro Álvares Cabral se encontrava em frente desta costa, deve ter sido com intencionalidade, e, a ser assim, obedecia às ordens recebidas. O capitão-general duma esquadra de treze naus equipadas para o comércio e para a guerra, encarregado duma missão diplomática importante e melindrosa, não devia perder o seu tempo com explorações inúteis. Por isso parece que o mais provável foi Cabral ter chegado aquela costa porque o rei, seu amo, pensava que, ficando no seu caminho, a armada devia reconhecê-la e reclamá-la para a Coroa, pois essas terras ocidentais se encontravam no hemisfério designado para Portugal no tratado de Tordesilhas,
Que essas terras não constituíram surpresa, era mais que evidente, como se pode concluir das narrativas de testemunhas presenciais:
  • seguimos nosso caminho per este mar delongo ataa terça feira doitavas de pascoa que foram XX dias dabril que topamos alguüs synaaes de tera, escreve Pero Vaz de Caminha, escrivão do Capitão, como se não tivessem visto mais do que o que esperavam ver.
In Elaine Sanceau, Capitães do Brasil, Fundação Gulbenkian, Livraria Civilização Editora, Porto, 1956.

Cortesia de Livraria Civilização/JDACT